
Apelação Cível Nº 5025915-27.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
APELANTE: NATHALY THONES CASTRO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: DANIEL MOURGUES COGOY (DPU)
APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação pelo rito do procedimento comum, com pedido de tutela de urgência, buscando a autora a realização da matrícula no Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, na condição de cotista.
Narrou a parte autora que: (a) fez a opção de vaga identificada como “L2” pelo edital, referente à egresso de escola pública, com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e autodeclarado preto, pardo ou indígena (PPI); (b) teve sua autodeclaração como pessoa parda não homologada pela comissão; (c) o controle jurisdicional de atos administrativos praticados em concurso público e processos seletivos em geral é pacificamente admitido quando patentes a ilegalidade ou a ausência de razoabilidade na interpretação das diretrizes do certame; (d) para a verificação das autodeclarações de cotistas para vagas de estudantes pretos, pardos, indígenas e com deficiência, é plenamente legal, desde que prevista no edital do certame, a criação de comissão avaliadora, que, em confronto com as informações trazidas pelos candidatos, utiliza-se de critérios subsidiários de heteroidentificação, sem, no entanto, descurar da devida fundamentação, da observância do contraditório e da ampla defesa, bem como do respeito à dignidade da pessoa humana; (e) o parecer pela não homologação da autodeclaração apenas professa singelamente que a candidata não foi aferida como parda ou preta, sem desenvolver minimamente os critérios que embasaram a decisão administrativa. Disse que o mesmo vício de fundamentação se faz presente no recurso administrativo, que tampouco explicita as razões que direcionaram o pronunciamento tomado.
Devidamente processado o feito, sobreveio sentença proferida com o seguinte dispositivo:
"Ante o exposto, julgo improcedente o pedido, resolvendo o processo com apreciação do mérito, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil.
Demanda isenta de custas, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita e a ré isenta, nos termos do art. 4º, I e II, da Lei nº 9.289/96.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, verba a ser atualizada pela variação do IPCA-E/IBGE, com base no art. 85, §§ 2º, 3º, I, e 6º do CPC. Resta suspensa a exigibilidade da condenação, em face da assistência judiciária gratuita deferida, nos termos do art. 98, §3º, do CPC.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. (...)"
A parte autora apelou (evento 26, autos originários). Preliminarmente, alega que, ao se omitir em relação aos requerimentos de produção de prova pericial antropológica e de realização de depoimento pessoal da autora, o magistrado feriu os direitos fundamentais processuais da parte demandante ao contraditório e à ampla defesa, verdadeiras garantias institucionais previstas no inc. LV do art. 5º da Constituição, o que implica claro cerceamento de defesa da recorrente. No mérito, Alega que está devidamente demonstrado que a candidata apresenta fenótipo plenamente compatível com o de uma pessoa parda, por ser filha de mãe branca e pai negro. Destaca que, na hipótese de eventual dúvida razoável no que concerne à cor da pele do demandante, deve necessariamente ser prestigiada a autodeclaração racial, não a heteroidentificação realizada por parte de três membros de uma Comissão, sob pena de se incorrer em grandes arbitrariedades no referido exame. Além disso, é manifesta a desobediência ao princípio da motivação, de extrema importância para o Direito Administrativo.
Foram apresentadas as contrarrazões.
É o relatório. Inclua-se em pauta.
VOTO
Preliminarmente - cerceamento de defesa
De acordo com os artigos 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.
5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)
Desta feita, não há que se falar em cerceamento de defesa.
Mérito
No caso dos autos, a sentença foi proferida de acordo com os seguinte fundamentos:
"Passo desde logo ao julgamento do feito, por se tratar de demanda ao abrigo de análise provisória da tutela requerida, sujeita a reexame em sentença, fazendo-o nos termos do art. 12, §2º, IX, do CPC.
Não vejo razão para alterar o entendimento esposado na decisão que indeferiu a tutela de urgência, na qual apreciado o mérito da questão nos seguintes termos, que transcrevo como fundamento de decidir:
Salvo hipóteses aberrantes, é de aplicar a ratio decidendi que inspirou o aresto infra:
ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVISÃO DE QUESTÕES DE PROVA. CONCURSO VESTIBULAR. CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO. RESPONSABILIDADE DA BANCA EXAMINADORA. 1. No tocante à anulação de questões em provas de concursos públicos, em regra, não compete ao Judiciário interferir na discricionariedade da Administração. Dessa forma, a competência do Poder Judiciário se limita ao exame da legalidade das normas instituídas no edital ou do descumprimento deste pela comissão organizadora do certame, sendo vedada a análise das questões das provas e dos critérios utilizados na atribuição de notas, cuja responsabilidade é da banca examinadora. 2. Não pode o julgador tomar o lugar de avaliador nas questões das provas e nos critérios na atribuição de notas, sopesando objetivos, fontes e elementos utilizados na avaliação, cuja responsabilidade é da banca examinadora, sob pena de indevida intervenção em ato discricionário da Administração. (TRF4, AG 5027667-96.2015.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 08/10/2015)
Assim se respeita o mérito administrativo e não se transforma o juiz em banca examinadora ou árbitro racial. Igual decisão em outro feito foi mantida em 2a instância no AI 5016866-19.2018.4.04.0000.
Indefiro a liminar.
Agrego, ainda, os fundamentos constantes do voto proferido pelo MM. Desª. Federal Marga Inge Barth Tessler, ao apreciar o AI nº 5019487-86.2018.4.04.0000, interposto contra a decisão que indeferiu a antecipação da tutela:
Da mesma forma que o juízo a quo, entendo que não tem razão a agravante.
A Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Racial é formada com base na Decisão nº 212/2017 do CONSUN e no Edital do Concurso Vestibular 2018 da UFRGS.
Outrossim, ressalto que não há qualquer ilegalidade no sistema implantado pela Universidade demandada para definição dos candidatos que fazem jus ao ingresso nas vagas reservadas para negros e pardos. A autodeclaração não é critério absoluto, sob pena de se subverterem os objetivos da lei de privilegiar a inclusão das pessoas menos favorecidas sejam por questões sociais ou econômicas ou por outro fator de discriminação. Nesses termos:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. COMISSÃO DE VERIFICAÇÃO. CRITÉRIO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. REGULARIDADE NA AVALIAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA.
1. O Edital é claro ao adotar o fenótipo - e não o genótipo - para a análise do grupo racial. Portanto, não se pode falar em arbitrariedade na decisão da Comissão de Validação de Autodeclaração, que, seguindo os termos estritos dos dispositivos mencionados, procedeu à verificação dos aspectos de identificação com o grupo de afrodescendentes, reputando-os não preenchidos.
2. A autodeclaração não é critério absoluto, sob pena de se subverterem os objetivos da lei de privilegiar a inclusão das pessoas menos favorecidas sejam por questões sociais ou econômicas ou por outro fator de discriminação. (TRF4, AC 5004656-48.2015.404.7110, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 06/10/2016)
Tenho que, ao menos no que toca à análise perfunctória própria das medidas antecipatórias, a agravante não demonstrou qualquer ilegalidade no ato de indeferimento da Banca da UFRGS, que concluiu que sua autodeclaração não condiz com seus traços fenotípicos.
Ademais, no tocante à intervenção do Poder Judiciário em etapas seletivas de concursos públicos, vale lembrar que, em regra, não compete-lhe interferir na discricionariedade da Administração.
Assim, não verifico a probabilidade do direito alegada.
Ante o exposto, indefiro a liminar pleiteada.
Rejeito, igualmente, a alegação de nulidade da decisão da Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial e da decisão que indeferiu o recurso na via administrativa, considerando que, embora redigidas de forma singela, deixam explícito o motivo pelo qual a matrícula da autora foi indeferida, qual seja, a consideração de que o mesmo não apresentou fenótipo que o identificasse como pertencente a grupo racial preto ou pardo, consoante INF9 do evento 1.
Como visto, os fundamentos da sentença estão plenamente de acordo com o entendimento desta Relatora. Não há que se fazer reformas à decisão. O eventual fenótipo presente nas gerações anteriores não suprirá, por si só, a necessidade de evidência destas mesmas características no candidato às cotas, o qual é o sujeito de direito, portanto somente cabendo sua avaliação em caso de dúvida genuína, a ser decidida pela respectiva Comissão, no âmbito e na capacidade de suas atribuições.
E repiso, entendo que não se verificou dúvida qualquer na Comissão acerca da fenotipia da apelante, que teve seu parecer devidamente fundamentado, como já exposto.
Ainda, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 2%, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015.
Ressalto que fica suspensa a exigibilidade dos valores, enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o §3º do art. 98 do novo CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por SERGIO RENATO TEJADA GARCIA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001598193v3 e do código CRC 4ae8a3b0.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5025915-27.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
APELANTE: NATHALY THONES CASTRO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: DANIEL MOURGUES COGOY (DPU)
APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (RÉU)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. COMISSÃO DE VERIFICAÇÃO. CRITÉRIO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. REGULARIDADE NA AVALIAÇÃO.
1. O Edital é claro ao adotar o fenótipo - e não o genótipo - para a análise do grupo racial. Portanto, não se pode falar em arbitrariedade na decisão da Comissão de Verificação de Autodeclaração, que, seguindo os termos estritos dos dispositivos mencionados, procedeu à verificação dos aspectos de identificação com o grupo de afrodescendentes, reputando-os não preenchidos. Ademais, a autodeclaração não é critério absoluto, sob pena de se subverterem os objetivos da lei de privilegiar a inclusão das pessoas menos favorecidas sejam por questões sociais ou econômicas ou por outro fator de discriminação.
2. O eventual fenótipo presente nas gerações anteriores não suprirá, por si só, a necessidade de evidência destas mesmas características no candidato às cotas, o qual é o sujeito de direito, portanto somente cabendo sua avaliação em caso de dúvida genuína, a ser decidida pela respectiva Comissão, no âmbito e na capacidade de suas atribuições.
3. Não subsiste a alegação de nulidade da decisão da Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial e da decisão que indeferiu o recurso na via administrativa, considerando que, embora redigidas de forma singela, deixam explícito o motivo pelo qual a matrícula da autora foi indeferida, qual seja, a consideração de que ela não apresentou fenótipo que o identificasse como pertencente a grupo racial preto ou pardo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de janeiro de 2020.
Documento eletrônico assinado por SERGIO RENATO TEJADA GARCIA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001598194v3 e do código CRC cb6c79c2.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 28/01/2020
Apelação Cível Nº 5025915-27.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): CLAUDIO DUTRA FONTELLA
APELANTE: NATHALY THONES CASTRO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: TIAGO VIEIRA SILVA (DPU)
APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 28/01/2020, às 10:00, na sequência 1079, disponibilizada no DE de 18/12/2019.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:37:13.