Apelação Cível Nº 5004116-34.2014.4.04.7013/PR
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CLAUDINEI PEDRAO (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada por Claudinei Pedrão em face do INSS em que requer: a) que a pensão especial vitalícia por síndrome de talidomida que ele titulariza (NB 138.724.192-0, com DIB em 11/2004) volte a ser de dois salários mínimos desde maio de 2011, quando o INSS procedeu à revisão do benefício e reduziu-o para um salário mínimo; b) a restituição dos valores indevidamente descontados pela autarquia a título de pagamento a maior da pensão especial; e c) o pagamento de indenização por danos morais (Lei 12.190/2010) no montante de R$ 150.000,00, visto que tem grau de dependência 3, descontando-se o valor de R$ 23.041,55 já pago na via administrativa.
Sobreveio sentença de parcial procedência nos seguintes termos (evento 59):
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido e, extinguindo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, condeno o INSS a:
(a) declarar a irrepetibilidade dos valores percebidos em decorrência da pensão especial por talidomida (NB 138.724.192-0) e a nulidade de qualquer ato de cobrança ou compensação desses valores;
b) pagar em favor do autor o valor de R$ 32.644,39 (data base 01/2012) indevidamente compensado do crédito por ele recebido, devidamente atualizado nos termos da fundamentação;
(c) pagar em favor do autor indenização adicional prevista no artigo 1º da Lei 12.190/2010 no valor de R$ 100.000,00 (data base 01/2010), devidamente atualizada na forma da fundamentação.
(d) restituir à Justiça Federal o valor dos honorários por ela custeados, nos termos do art. 12, § 1º, da Lei 10.259/01;
Sujeita a reexame necessário.
Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.
Requisitem-se os honorários periciais independente da interposição de recurso, nos termos da Resolução CJF 305/2014, no valor de R$ 200,00.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, os quais, sopesados os critérios legais, fixo nos percentuais mínimos previstos nas faixas dos incisos I a IV do § 3º do art. 85 sobre o valor da causa (art. 85, § 4º, III), excluindo-se as parcelas vincendas (STJ, Súmula 111). Sem custas.
O INSS apelou, sustentando que tem direito a reaver os valores indevidamente pagos ao autor, ainda que recebidos de boa-fé, nos termos do disposto no art. 15 da Lei 8.213/91. Alega que a perícia médica realizada nestes autos é nula, pois não produzida por médico geneticista, de forma que é de ser anulada a sentença. Caso não seja este o entendimento, alude que o demandante concordou administrativamente com a percepção de indenização por danos morais de R$ 50.000,00, que é o valor cabível, haja vista que o grau de dependência aferido na perícia realizada pela autarquia foi de grau um. Pede a aplicação da TR no que tange à correção monetária (evento 64).
Sem contrarrazões e por força da remessa necessária, os autos vieram para julgamento.
É o relatório.
VOTO
PRELIMINAR - REMESSA NECESSÁRIA
De acordo com a redação do art. 496 do CPC, o duplo grau obrigatório a que estão sujeitas as sentenças proferidas contra a União, autarquias federais e fundações públicas, somente não terá lugar quando se puder, de pronto, apurar que a condenação ou a controvérsia jurídica for de valor inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso em tela, não se verifica a sujeição do julgado ao reexame necessário, porquanto não há condenação pecuniária superior a a 1.000 salários mínimos.
Assim, não conhecida a remessa necessária.
MÉRITO
PENSÃO ESPECIAL E INDENIZAÇÃO ÀS VÍTIMAS DA TALIDOMIDA
A chamada síndrome da talidomida é uma malformação congênita decorrente do uso do medicamento talidomida por gestantes, então prescrito para enjoo e ansiedade, que ocasiona focomelia nos fetos, ou seja, o encurtamento dos membros ligados o tronco.
A Lei 7.070, de 20/12/1982, estabeleceu uma pensão especial vitalícia aos portadores da referida síndrome:
Art 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, aos portadores da deficiência física conhecida como "Síndrome da Talidomida" que a requererem, devida a partir da entrada do pedido de pagamento no Instituto Nacional de Previdência Social - INPS.
§ 1º - O valor da pensão especial, reajustável a cada ano posterior à data da concessão segundo o índice de Variação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional ORTN, será calculado, em função dos pontos indicadores da natureza e do grau da dependência resultante da deformidade física, à razão, cada um, de metade do maior salário mínimo vigente no País.
§ 2º - Quanto à natureza, a dependência compreenderá a incapacidade para o trabalho, para a deambulação, para a higiene pessoal e para a própria alimentação, atribuindo-se a cada uma 1 (um) ou 2 (dois) pontos, respectivamente, conforme seja o seu grau parcial ou total.
Art. 2º A percepção do benefício de que trata esta Lei dependerá unicamente da apresentação de atestado médico comprobatório das condições constantes do artigo anterior, passado por junta médica oficial para esse fim constituída pelo Instituto Nacional de Previdência Social, sem qualquer ônus para os interessados.
Art. 3º A pensão especial de que trata esta Lei, ressalvado o direito de opção, não é acumulável com rendimento ou indenização que, a qualquer título, venha a ser pago pela União a seus beneficiários, salvo a indenização por dano moral concedida por lei específica. (Redação dada pela Lei nº 12.190, de 2010).
Já a Lei 8.686, de 20/07/1993, dispôs que o valor da pensão não poderia ser inferior a um salário mínimo.
Posteriormente, a Lei 12.190, de 13/01/2010, determinou a concessão de indenização por dano moral às pessoas com deficiência física decorrente do uso de talidomida, em conformidade com os seguintes parâmetros:
Art. 1º É concedida indenização por dano moral às pessoas com deficiência física decorrente do uso da talidomida, que consistirá no pagamento de valor único igual a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), multiplicado pelo número dos pontos indicadores da natureza e do grau da dependência resultante da deformidade física (§1o do art. 1o da Lei no 7.070, de 20 de dezembro de 1982).
Inicialmente, importa registrar que o pensionamento concedido em decorrência das sequelas do uso de talidomida, nos termos da Lei 7.070/82, ainda que seja pago pelo INSS, possui natureza administrativa. Assim, embora a pensão e a indenização sejam operacionalizadas pela autarquia, as verbas não têm natureza previdenciária, visto que não se amoldam aos requisitos de qualquer das espécies de benefícios previdenciários previstos pela legislação. Ou seja, os valores requeridos têm eminente caráter indenizatório e, portanto, trata-se de matéria de natureza administrativa e não previdenciária. Neste sentido, decisão da Corte Especial deste Tribunal (CC nº 5014285-41-2012.404.0000 - DE de 26-11-2012).
CASO CONCRETO
O autor, 53 anos, lavrador, ajuizou a presente ação em 06/11/2014 requerendo: a) que a pensão especial por síndrome de talidomida que ele titulariza (NB 138.724.192-0, com DIB em 11/2004) volte a ser de dois salários mínimos desde maio de 2011, quando o INSS procedeu à revisão do benefício e reduziu-o para um salário mínimo; b) a restituição dos valores indevidamente descontados pela autarquia a título de pagamento a maior da pensão especial; e c) o pagamento de indenização por danos morais (Lei 12.190/2010) no montante de R$ 150.000,00, visto que tem grau de dependência 3, descontando-se o valor de R$ 23.041,55 já pago na via administrativa.
A sentença de parcial procedência considerou irrepetíveis os valores percebidos a maior a título de pensão especial, determinou a devolução do numerário indevidamente descontado, bem como o pagamento de indenização adicional no valor de R$ 100.000,00 (do art. 1º da Lei 12.190/2020), totalizando R$ 150.000,00.
Os pontos controvertidos no presente recurso aviado pela autarquia são: a) direito de reaver os valores pagos indevidamente ao autor; e b) nulidade da sentença no que tange à indenização por danos morais, visto que a perícia judicial foi realizada por médico não geneticista. Caso não seja este o entendimento, requer que a indenização seja mantida em R$ 50.000,00. Por fim, pede a aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97 no que tange à correção monetária incidente sobre as prestações vencidas.
a) Restituição dos valores pagos a maior a título de pensão especial
Conforme já referido, a pensão especial às vítimas de talidomida tem natureza administrativa, em que pese seja operacionalizada pelo INSS.
Logo, não há que falar em aplicação do Tema 979 julgado pelo STJ pela sistemática dos recursos repetitivos, o qual se restringe aos benefícios previdenciários, conforme se extrai da questão debatida e da tese firmada:
Tema 979
Questão: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
Tese: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
Por outro lado, observa-se que entendimento similar é compartilhado no âmbito do Direito Administrativo, no sentido de que irrepetíveis os valores pagos a maior por erro da Administração quando se tratar de verba alimentar percebida de boa-fé, seja por por servidor público civil ou militar, pensionista ou por bolsista de pesquisa acadêmica, conforme ilustram os precedentes a seguir:
ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSIONISTA. TRÍPLICE CUMULAÇÃO DE PROVENTOS. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DO ATO CONCESSIVO DE BENEFICIO PELA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DIREITO DE OPÇÃO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ. 1. A aplicação do prazo decadencial, previsto no artigo 54 da Lei n.º 9.784/1999, é questionável em situações de omissão da Administração Pública, porém, se algum prazo há para a revisão de ato de concessão de aposentadoria/pensão, com vista à regularização de situação ilegal, esse só pode ser computado, a partir da ciência da irregularidade (ou, se anterior à edição da Lei n.º 9.784/1999, da data de sua vigência). 2. A jurisprudência do e. Supremo Tribunal Federal - recentemente reafirmada por aquela Corte (STF, ARE 848.993, Rel. Ministro Gilmar Mendes) - inclina-se no sentido da inconstitucionalidade da acumulação tríplice de vencimentos e/ou proventos, ainda que o provimento dos cargos públicos tenha ocorrido antes da edição da Emenda Constitucional n.º 20/1998. 3. Em se tratando de benefício de pensão especial, de natureza estatutária, deve ser assegurado à pensionista o exercício de direito de opção pelo benefício mais vantajoso. 4. Não é exigível a devolução de verbas remuneratórias recebidas de boa-fé, por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei, ou, ainda, erro operacional cometido pela Administração. (TRF4, AC 5000224-28.2020.4.04.7201, QUARTA TURMA, Relatora para Acórdão VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 27/05/2022)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. No erro material, é preciso que se verifique no caso concreto se os elementos objetivos induzem à conclusão de que houve boa-fé do segurado/servidor no recebimento da verba/remuneração a maior. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessária a devolução dos valores ao erário, o que, à primeira vista, não é o caso dos autos (Tema 979/STJ). A jurisprudência pátria tem entendido pela impossibilidade de restituição dos valores recebidos a maior, por erro da Administração, por se tratar de verba de natureza alimentar, desde que constatada a ausência de má-fé no recebimento. A servidora, ainda que em juízo sumário e provisório, próprio da atual fase processual, não contribuiu para a produção do ato, limitando-se a receber sua remuneração alcançada pela empresa pública de boa fé, não restando evidenciado de plano que esta concorreu, de algum modo, para eventual pagamento indevido, o qual decorreu de ato exclusivo da Administração Pública (TRF4, AG 5038197-52.2021.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 09/02/2022)
DIREITO ADMINISTRATIVO. ENSINO. BOLSA DE MESTRADO. BOLSA DE TUTORIA. CUMULAÇÃO INDEVIDA. BOA-FÉ. REPETIÇÃO. NATUREZA ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos da Lei 11.273/06 e da Portaria 76/10 do Presidente do CAPES, a regra geral é a inacumulabilidade das bolsas, havendo, entretanto, hipótese a excepcionar a vedação de acúmulo de bolsas, desde que uma seja paga a tutores no âmbito do programa Universidade Aberta do Brasil (UAB). 2. Os valores recebidos de boa-fé por erro da administração não se sujeitam à devolução, pois já firmada a aparência de legitimidade e de definitividade das verbas, as quais ostentam natureza alimentar. (TRF4, AC 5000771-13.2021.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 16/11/2021)
No caso em tela, por acordo homologado judicialmente em 10/2006,(autos n. 2005.70.13.003640-7, com trâmite na Vara Federal de Jacarezinho/PR), ficou estabelecido o pagamento de pensão especial vitalícia por síndrome de talidomida (benefício espécie 56) ao autor, no valor de um salário mínimo, com DIB em 19/11/2004 e DIP em 10/2006 (evento 10, PROCADM1, p. 3).
Em 12/2010, o INSS percebeu que havia equivocadamente implantado o benefício no valor de dois salários mínimos e promoveu a redução para o montante acordado pelas partes (evento 1, PROCADM1, p. 28), o que foi realizado de forma regular, como bem destacado pelo magistrado de origem, pois o erro no cumprimento do acordo judicial não implica direito adquirido.
Quanto à devolução dos valores pagos a maior, o Juízo a quo assim se manifestou:
2.2 Da irrepetibilidade do valor recebido de boa-fé
Por outro lado, mesmo havendo irregularidade na concessão do referido benefício, insta ressaltar não ser possível a restituição dos valores recebidos.
Isso porque o autor em nada concorreu para o erro perpetrado pela autarquia na implantação do benefício. Melhor dizendo, utilizou-se, pura e simplesmente - sem fazer uso de quaisquer subterfúgios reprováveis ou não admitidos legalmente -, de seu direito constitucional de petição.
Dessa forma, patente a sua boa-fé, de modo que não há falar-se em restituição de tais parcelas.
Tenho que não merece reparos a sentença no ponto, uma vez que não é razoável esperar que aquele que recebeu os valores (de natureza alimentar, portanto, empregados na sua sobrevivência) planeje-se para restitui-los. Ademais, a boa-fé é presumida, não tendo sido trazido aos autos qualquer elemento indicativo de existência de má-fé por parte do demandante.
Portanto, o INSS deve devolver os valores indevidamente descontados, segundo decidiu o magistrado de primeiro grau.
Logo, o recurso da autarquia não merece acolhida no tópico.
b) Indenização por dano moral - Perícia com geneticista
O INSS argui a nulidade da sentença, porque a perícia médica realizada nestes autos para aferir o grau de dependência resultante da deformidade física decorrente do uso de talidomida não foi realizada por especialista em genética.
A médica que realizou a perícia judicial, Ludmila Cândida Braga (evento 40), é clínica geral e especialista em Medicina Preventiva e Social, Medicina do Trabalho e Medicina Legal, além de mestre e doutora em Saúde Coletiva, conforme consta do seu currículo na plataforma Lattes (In http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do)
A jurisprudência desta Corte é no sentido de que nos casos de pensão especial e de indenização por danos morais aos portadores de síndrome de talidomida a perícia deve ser realizada por médico geneticista, salvo alguma impossibilidade fundamentada. Confira-se:
ADMINISTRATIVO. SÍNDROME DA TALIDOMIDA. INDENIZAÇÃO. LEI Nº 7.070/82. LEI Nº 12.190/10. LAUDO PERICIAL. NECESSIDADE DE ESPECIALISTA EM GENÉTICA. RETORNO DOS AUTOS. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. 1. Conforme reiterada jurisprudência deste Tribunal, a perícia judicial em ações onde se postula o reconhecimento de pensão especial de portador de Síndrome de Talidomida e indenização por danos morais, deve, salvo impossibilidade intransponível, ser realizada por médico especialista em genética. 2. Determinado o retorno dos autos para realização de perícia médica judicial por especialista na área de genética. (TRF4, AC 5022595-80.2015.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 21/09/2018)
ADMINISTRATIVO. SÍNDROME DE TALIDOMIDA. LAUDO PERICIAL. NECESSIDADE DE ESPECIALISTA EM GENÉTICA. RETORNO DOS AUTOS. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. Conforme reiterado jurisprudência deste Tribunal, a perícia judicial em ações onde se postula o reconhecimento de pensão especial de portador de Síndrome de Talidomida e indenização por danos morais, deve, salvo impossibilidade intransponível, ser realizada por médico especialista em genética. Determinado o retorno dos autos para realização de perícia médica judicial por especialista na área de genética. (TRF4, AC 5002148-12.2013.4.04.7010, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 24/11/2016)
ADMINISTRATIVO. SÍNDROME DE TALIDOMIDA. LAUDO PERICIAL. NECESSIDADE DE ESPECIALISTA EM GENÉTICA. RETORNO DOS AUTOS. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. 1. Conforme a jurisprudência deste Tribunal, a perícia judicial em ações onde se postula o reconhecimento de pensão especial de portador de Síndrome de Talidomida e indenização por danos morais, deve, salvo impossibilidade intransponível, ser realizada por médico especialista em genética. 2. Determina-se o retorno dos autos para realização de perícia médica judicial por especialista na área de genética. (TRF4 5003910-63.2013.4.04.7010, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 27/10/2016)
No entanto, o caso em exame guarda peculiaridade, uma vez que não se discute o nexo causal entre a deficiência e o uso de talidomida, já reconhecido na ação anterior, com trânsito em julgado (autos n. 2005.70.13.003640-7, com trâmite na Vara Federal de Jacarezinho/PR), da qual decorreu acordo homologado judicialmente em 10/2006, com a concessão de pensão especial ao requerente desde então, com DIB em 11/2004 (evento 10, PROCADM1).
A controvérsia remanescente é sobre o grau de dependência gerado pela deficiência, imprescindível para determinar o valor da indenização por danos morais prevista na Lei 12.190/2010.
In casu, a perícia foi realizada por clínica geral/médica do trabalho, constando que o autor apresentava focomelia à esquerda (deformidade congênita de membro superior esquerdo). A médica esclareceu que (evento 40):
No caso da reclamante, a apresentação revela a chamada focomelia, que se enquadra nos defeitos por parada de desenvolvimento (grupo I) e que tem como uma das causas o uso da talidomida pela genitora.
(...)
Sobre a lesão, destacamos tratar-se malformação que compromete a funcionalidade da mão. Apresenta o membro superior esquerdo encurtado em relação ao direito e ausência da mão esquerda, bem como e polegar e outros dedos atróficos. Não realiza a oponência de polegar à esquerda. Em se tratando da avaliação funcional da mão, cada dedo tem valor funcional específico. O polegar é o principal deles e responde por, pelo menos, 50% da função da mão, especialmente devido à sua oponência em relação aos outros dedos e à palma da mão. No caso em tela, o exame clínico deixa claro que a mão esquerda não se desenvolveu e os "dedos" residuais não desempenham qualquer função. A lesão apresentada pelo autor o enquadra como deficiente físico.
E concluiu a perita:
Diante do exposto, conclui-se que a lesão apresentada pelo autor é bastante característica da exposição à talidomida na gestação e a função do membro afetado mostra-se prejudicada pela ausência da mão e encurtamento do membro superior esquerdo. O grau de dependência segundo o preconizado pela Lei 12190 de 1991, é 3.
Considerando que a) o exame foi empreendido por médica do trabalho, especialidade que oferece subsídios suficientes para verificar o grau de dependência gerado pela deficiência, seja no trabalho, deambulação, higiene pessoal e alimentação, critérios a serem aferidos conforme detalhado no § 2º da Lei 7.070/1982, e b) o laudo se mostra completo e bem fundamentado, tenho que as conclusões periciais devem ser prestigiadas, não havendo que falar em anulação da sentença e produção de novo laudo por especialista em genética.
Recurso da autarquia improvido no tópico.
c) Valor da indenização por danos morais
O INSS aduz que o autor concordou em receber R$ 50,000,00 de indenização por danos morais, pois a perícia administrativa identificou dependência em grau 1 (um), valor que deve ser mantido.
Sem razão a autarquia.
A concessão na via administrativa da indenização de R$ 50.000,00 em 2010, quando editada a lei de regência, não impede que o autor venha a questionar judicialmente o valor da compensação.
Transcrevo os fundamentos veiculados pelo magistrado de origem, os quais adoto como razões de decidir, no sentido de que a indenização deve ser de R$ 150.000,00, verbis:
Segundo informações constantes no PA (evento 10, doc 1, fls 35), o INSS efetuou o pagamento no valor de R$ 50.000,00 por entender que em virtude do valor pago a título de pensão especial estar cadastrada com referência a 1 ponto de talidomida, este seria o valor correto. Não agiu bem, nesse ponto, o INSS.
Realizada a perícia médica na sede deste juízo (evento 40), a perita afirmou que:
Diante do exposto, conclui-se que a lesão apresentada pelo autor é bastante característica da exposição à talidomida na gestação e a função do membro afetado mostra-se prejudicada pela ausência da mão e encurtamento do membro superior esquerdo. O grau de dependência segundo o preconizado pela Lei 12190 de 1991, é 3.
Desse modo, mediante a constatação de que o grau de pontuação indicado na Lei 12.190/2010 é igual a 3, o valor da indenização devida ao autor equivale a R$ 150.000,00.
De acordo com o HISCRE (evento 53, doc 1, fls 24), por ocasião do pagamento administrativo da indenização (R$50.000,00) foi efetuado o desconto de R$ 32.644,39.
No entanto, a compensação do valor devido em razão dessa indenização com o valor pago a maior pelo INSS, conforme já esclarecido, é indevida.
O valor da indenização adicional (R$ 100.000,00) deve ser corrigido com a mesma data base do valor já pago administrativamente (01/2010), haja vista que era dever do INSS diligenciar a fim de que a verba fosse adimplida em seu valor correto, devendo realizar perícia médica para aferição do grau de talidomida, à míngua de outros elementos constantes em seus sistemas.
Logo, reconhecido na perícia judicial o grau 3 (três) de dependência, o requerente tem direito à indenização por danos morais de R$ 150.000,00, segundo disposto na sentença, fazendo jus à complementação de R$ 100.000,00, visto que a autarquia já pagou R$ 50.000,00.
Apelação do INSS improvida quanto ao valor da indenização.
CORREÇÃO MONETÁRIA
A sentença assim determinou sobre a correção monetária aplicável aos valores devidos:
(...)
- TR (a partir de 30/6/09, conforme art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/09).
(...)
Em tais condições, com o objetivo de guardar coerência com os mais recentes posicionamentos do STF sobre o tema, a melhor solução a ser adotada, por ora, é orientar para aplicação do critério de atualização estabelecido no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/09.
Esse entendimento não obsta que eventualmente, após trânsito em julgado, e antes da execução, seja observado o que vier a ser decidido pelo STF em regime de repercussão geral, bem como eventual regramento de transição que sobrevenha em sede de modulação de efeitos.
Em sede de apelação, o INSS requereu subsidiariamente:
Em caso de manutenção da sentença proferida – o que não se espera – requer a AGU a aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, para que seja utilizado, para o fim de correção das parcelas em atraso a TR, bem como seja observada a prescrição quinquenal.
Tendo em vista que o pedido recursal está em consonância com o já decidido em primeira instância, não conheço do recurso no tópico.
Não há que falar em prescrição, pois o termo inicial da indenização debatida é 01/2010, ao passo que a presente ação foi ajuizada em 11/2014.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A verba sucumbencial foi assim estabelecida na sentença:
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, os quais, sopesados os critérios legais, fixo nos percentuais mínimos previstos nas faixas dos incisos I a IV do § 3º do art. 85 sobre o valor da causa (art. 85, § 4º, III), excluindo-se as parcelas vincendas (STJ, Súmula 111). Sem custas.
Desacolhido o recurso de apelação e em conformidade com o disposto no art. 85, § 2º c/c § 11 do CPC, majoro em 20% os ônus sucumbenciais fixados na sentença a título de honorários recursais, montante a ser apurado na liquidação do julgado.
PREQUESTIONAMENTO
Por fim, ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir do recurso.
CONCLUSÃO
Remessa oficial não conhecida.
Apelação do INSS conhecida parcialmente e, na parte conhecida, improvida. Majorados os ônus sucumbenciais.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária, conhecer parcialmente do apelo do INSS e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003662288v11 e do código CRC c03f8906.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5004116-34.2014.4.04.7013/PR
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CLAUDINEI PEDRAO (AUTOR)
EMENTA
administrativo. pensão especial. síndrome de talidomida. valores pagos a maior. erro da Administração. devolução. descabimento. verba de natureza alimentar. boa-fé. Indenização por danos morais. perícia. especialista em genética. flexibilização. quantum indenizatório. honorários advocatícios. majoração.
1. Os valores a maior recebidos de boa-fé pelo autor a título de pensão especial vitalícia por síndrome de talidomida em virtude de erro da Administração não devem ser restituídos, uma vez que se trata de verba alimentar e não houve comprovação de má-fé. Precedentes.
2. Em regra, a jurisprudência deste TRF4 é no sentido de que a perícia nos casos de pensão especial ou de indenização por danos morais por síndrome de talidomida deve ser realizada por geneticista, salvo impossibilidade intransponível. Precedentes.
3. Hipótese em que não há discussão sobre o nexo causal entre a deficiência e o uso de talidomida, questão já decidida em ação anterior transitada em julgado, restando aferir apenas o grau de dependência (para o trabalho, deambulação, higiene pessoal e alimentação) gerado pela deformidade para estipular o valor da indenização, exame que pode ser realizado por médico do trabalho sem qualquer prejuízo às partes.
4. Comprovado na perícia médica que o autor tem grau três de dependência, faz jus à indenização por danos morais de R$ 150.000,00, nos termos do art. 1º da Lei 12.190/2010. Sentença mantida.
5. Desprovido o apelo, é de serem majorados os honorários advocatícios.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, conhecer parcialmente do apelo do INSS e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 15 de março de 2023.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003662289v5 e do código CRC d7e208ac.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 16/3/2023, às 17:33:45
Conferência de autenticidade emitida em 24/03/2023 04:00:58.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 15/03/2023
Apelação Cível Nº 5004116-34.2014.4.04.7013/PR
RELATORA: Desembargadora Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: CLAUDINEI PEDRAO (AUTOR)
ADVOGADO(A): ANSELMO PEDRO POSSETTE (OAB PR006416)
ADVOGADO(A): ROBERTA KELLEN DIAS (OAB PR053555)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 15/03/2023, na sequência 267, disponibilizada no DE de 06/03/2023.
Certifico que a 12ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 12ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA, CONHECER PARCIALMENTE DO APELO DO INSS E, NA PARTE CONHECIDA, NEGAR-LHE PROVIMENTO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargadora Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Votante: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO BONAT
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 24/03/2023 04:00:58.