
Agravo de Instrumento Nº 5031932-29.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
RELATÓRIO
A. T. D. L. interpõe agravo de instrumento em face da decisão que retificou, de ofício, o valor da causa e reconheceu a incompetência absoluta do Juízo para o processamento da demanda (
na origem).Pretende o agravante, em síntese, a reforma da decisão recorrida, a fim de que seja mantido o valor atribuído à causa e, consequentemente, a competência da Justiça Federal Comum para o processamento e julgamento da demanda, ao argumento de que o valor arbitrado a título de danos morais está de acordo com o entendimento jurisprudencial desta Corte.
O pedido de atribuição de efeito suspensivo foi deferido.
Oportunizadas contrarrazões, veio o processo para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A decisão liminar neste agravo de instrumento resolveu suficientemente a matéria recursal:
De início, admito o trâmite deste agravo, considerando os efeitos da tese firmada no Tema 988 do STJ, no qual foi mitigada a taxatividade do art. 1.015 do CPC, uma vez que não remanescerá utilidade à apelação após o cumprimento da ordem.
No caso, tenho que a insurgência da agravante merece ser acolhida.
Na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia do valor da causa corresponde à soma dos valores pleiteados, que deverão observar os critérios expressamente estabelecidos (art. 292, VI, do CPC).
Porém, nos termos do art. 292, § 3º, do CPC cabível a alteração de ofício do valor atribuído à causa quando o juiz verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor.
A respeito da representação econômica do pedido para a condenação ao pagamento de indenização por dano moral, veja-se a redação do inciso V do citado artigo 292:
V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;
A previsão expressa de que o valor da causa na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, será o valor pretendido pelo autor consiste em inovação introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015, não havendo prescrição expressa na legislação processual anterior.
Nesse contexto, a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em 22/02/2023, julgou o Incidente de Assunção de Competência nº 5050013-65.2020.4.04.0000/RS, passando a reconhecer que o valor do dano moral, em causas previdenciárias, pode superar o valor do pedido principal, a depender das circunstâncias de cada caso concreto.
O julgado restou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CUMULAÇÃO COM PEDIDO INDENIZATÓRIO DE DANOS MORAIS. QUANTIFICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA. SOMA DOS PEDIDOS. COMPETÊNCIA.
1. Incidente de assunção de competência suscitado para definir se o dano moral integra o valor da causa para fins de definição da competência do Juizado Especial Federal e em que extensão.
2. O valor dado à causa na ação em que se pleiteia indenização por danos morais não pode ser desprezado, devendo ser considerado como conteúdo econômico desta.
3. Inexiste lastro objetivo no tocante ao valor da causa atinente ao dano moral.
4. Na hipótese em que há pedido de danos materiais cumulado com danos morais, o valor da causa deve corresponder à soma dos pedidos, conforme consagrada jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça e expressa disposição legal (CPC, art. 292, inciso VI).
5. O valor da causa nas ações indenizatórias, inclusive as fundadas em dano moral, será o valor pretendido, conforme iterativa jurisprudência do STJ e expressa disposição legal (CPC, art. 292, inciso V).
6. De janeiro de 2019 a junho de 2021 (englobando, portanto, o período de diminuição da competência delegada, iniciado em janeiro de 2020), a distribuição das causas previdenciárias na Justiça Federal da Quarta Região manteve-se constante na proporção de 4 para 1 entre os Juizados Especiais Federais e as Varas Federais.
7. A estabilidade da proporção (e a própria proporção de 4 para 1) demonstra que não há profusão de causas em que supostamente teria havido malícia ou burla por parte dos autores e seus advogados para, exasperando indevidamente o valor da causa dos danos morais, alterarem a competência do feito para as Varas Federais comuns, em detrimento dos Juizados Especiais Federais.
8. A inexistência de malícia, burla ou fraude é demonstrada também pelo fato de os autores estarem seguindo a jurisprudência deste Tribunal e, mais que isso, a jurisprudência do STJ e expressa disposição legislativa.
9. O fato de este Tribunal ter possibilidade de julgar, em grau de recurso, apenas 20% das causas previdenciárias distribuídas à Justiça Federal de primeira instância (os recursos referentes a 80% das causas ali distribuídas só poderão ser julgados pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais) está a demonstrar que não se deve, também por questões de política judiciária, limitar ainda mais o valor da causa relativo aos danos morais.
10. A limitação do valor da causa referente aos danos morais pode representar a limitação do próprio direito subjetivo da parte autora, ante os precedentes que inadmitem a condenação àquele título em valor superior ao declinado na inicial.
11. A limitação do valor dos danos morais ao valor do pedido principal - ou, pior, à metade do valor do pedido principal - pode representar um prejuízo ainda maior em causas em que o valor total das parcelas do benefício previdenciário pleiteado (ou das parcelas vencidas deste) é baixo.
12. Fixação da seguinte tese jurídica: Nas ações previdenciárias em que há pedido de valores referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais cumulado com pedido de indenização por dano moral, o valor da causa deve corresponder à soma dos pedidos (CPC, art. 292, inciso VI), ou seja, às parcelas vencidas do benefício, acrescidas de doze vincendas (CPC, art. 292, §§ 1º e 2º), além do valor pretendido a título de dano moral (CPC, art. 292, inciso V), que não possui necessária vinculação com o valor daquelas e não pode ser limitado de ofício pelo juiz, salvo em casos excepcionais, de flagrante exorbitância, em atenção ao princípio da razoabilidade.
Colhe-se, ainda, do voto-condutor do julgamento do mencionado Incidente os seguintes fundamentos, os quais agrego como razões de decidir:
Essa inovação legislativa traz, a meu ver, consequências diretas para a análise da posição sobre a possibilidade de limitar-se o valor da causa apontado (leia-se pretendido) pelo autor a título de dano moral.
Pode-se seguramente dizer que a possibilidade de tal limitação quedou-se, no mínimo, diminuída, senão obstaculizada. Se a norma processual civil determina, sem rodeios, que o valor da causa relativo aos danos morais é o valor pretendido, como obstar, ad initio, que o autor pretenda determinado valor a esse título?
A questão ganha contornos ainda mais nítidos se levarmos em consideração que há julgados do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não é possível o arbitramento de quantia, a título de danos morais, superior ao indicado na petição inicial, conforme decidido no REsp 1.778.607/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, em 23-04-2019 (DJe 26-04-2019) e assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO URBANO DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. COLISÃO CAUSADA POR PROBLEMAS NA FRENAGEM DO ÔNIBUS. FAMÍLIA QUE SUPORTOU GRAVÍSSIMOS DANOS PELO ACIDENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. NÃO OCORRÊNCIA. VALOR DOS DANOS MORAIS. INDICAÇÃO PRECISA NA PETIÇÃO INICIAL DO QUANTUM ALMEJADO. ARBITRAMENTO EM VALOR SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE.
1. Ação ajuizada em 11/6/8. Recurso especial interposto em 6/4/15 e atribuído ao gabinete em 25/8/16. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal consiste em dizer: i) da responsabilidade de concessionária de serviço público por danos causados a terceiros; ii) se o problema de frenagem do veículo constitui caso fortuito ou força maior; iii) se a fixação de 954 salários mínimos de danos morais em favor de família vítima de acidente automobilístico está de acordo com o pedido formulado na petição inicial, se representa enriquecimento sem causa ou ainda se viola os parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.
3. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço (Tema 130 de repercussão geral).
4. Os problemas afetos à qualidade adequada e à conservação regular e periódica dos veículos automotores utilizados no transporte coletivo de passageiros estão estritamente vinculados à atividade empresarial da concessionária de serviço público e não podem ser transferidos a terceiros, nem se afastam por suposto evento incerto ou imprevisível. Configuração do nexo de causalidade mantida.
5. O pedido formulado na petição inicial de valor certo e determinado de compensação por danos morais de acordo com a expectativa da própria parte que suportou os prejuízos extrapatrimoniais não autoriza que o juiz vá além da pretensão concretamente exposta para arbitrar quantia superior.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1778607/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019)
Isso significa dizer que uma limitação feita a priori no tocante ao valor da causa relativa aos danos morais pode significar uma eventual limitação ao próprio direito subjetivo do autor da ação.
Ressalte-se ainda que o fundamento de que o valor dado à causa a título de danos morais não pode ser desgarrado dos valores normalmente concedidos a este título pelo nosso Tribunal apresenta, a meu ver, dois problemas.
Primeiro, o de que o CPC de 2015 não estabelece, no tocante ao valor da causa relativo aos danos morais, nenhum lastro objetivo. Ao contrário, vincula o valor da causa exclusivamente à pretensão (subjetiva) do autor quanto ao que entende deva receber a tal título.
O segundo problema daquele fundamento é o de que, embora os valores arbitrados a título de dano moral em causas previdenciárias costumem ser relativamente baixos (na maioria dos casos, entre dez e vinte mil reais), isso não significa que não possa ou não deva haver condenação em valor superior. Exemplificativamente consigno que esta Terceira Seção já teve oportunidade de se manifestar sobre o valor dos danos morais nos Embargos Infringentes nº 2002.72.08.004047-3/SC, de relatoria do Des. Federal Luís Alberto d’ Azevedo Aurvalle, em 03-12-2009, ocasião em que os danos morais conferidos ao autor foram fixados em R$ 51.000,00 (cinquenta e um mil reais), o que corresponderia, hoje, a mais de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e acima do valor que seria obtido com a limitação defendida pelo relator deste IAC (metade do valor do pedido principal).
O novo entendimento desta Corte, portanto, é no sentido de que inexiste prévia limitação à valoração da indenização por danos morais, desde que em valor condizente com a realidade do caso concreto.
Assim, deve ser mantido o valor atribuído à causa, uma vez que corresponde a soma das parcelas vencidas e doze vincendas, acrescido da quantia pretendida a título de danos morais (R$ 54.503,10e R$ 54.503,10 respectivamente -
e do processo originário), a qual não se mostra exorbitante.Dessa forma, o feito deve ser processado no rito comum.
Ante o exposto, defiro a concessão de efeito suspensivo.
Ausentes novos elementos de fato ou de direito, a decisão que resolveu o pedido de liminar deve ser mantida.
Por fim, nos termos do art. 1.025 do CPC, resta garantido o acesso às instâncias superiores.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004704428v2 e do código CRC 9da9bcb5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 28/11/2024, às 11:47:50
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 22:24:27.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Agravo de Instrumento Nº 5031932-29.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VALOR DA CAUSA. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. DANOS MORAIS. COMPETÊNCIA. IAC 5050013-65.2020.4.04.0000/RS.
1. Possível a cumulação de pedido de danos morais com o pedido de benefício previdenciário, o valor da causa corresponderá à soma dos valores pretendidos (art. 292, VI, do CPC).
2. O valor da indenização por danos morais não pode ser limitado de ofício, salvo em casos excepcionais, conforme entendimento desta Corte quando do julgamento do IAC 5050013-65.2020.4.04.0000/RS.
3. Resultando o valor da causa superior ao limite legal de 60 (sessenta) salários mínimos, afirma-se a competência comum da Justiça Federal para o processamento e o julgamento do feito, desautorizando a remessa do processo ao Juizado Especial Federal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de novembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004704429v3 e do código CRC d741b3b6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 28/11/2024, às 11:47:50
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 22:24:27.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/11/2024 A 27/11/2024
Agravo de Instrumento Nº 5031932-29.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ELTON VENTURI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/11/2024, às 00:00, a 27/11/2024, às 16:00, na sequência 822, disponibilizada no DE de 07/11/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 22:24:27.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas