Apelação Cível Nº 5024262-18.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JULIA TEREZINHA BENTO
ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI (OAB RS058988)
ADVOGADO: RODRIGO RAMOS (OAB RS087266)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença publicada na vigência do novo CPC, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos na exordial, extinguindo o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para o efeito de:
a) declarar o exercício de atividade no meio rural, em regime de economia familiar pela parte autora, no período correspondente à carência do benefício pretendido, conforme art. 142 da Lei n. 8.213/91, devendo ser averbado para todos os efeitos; e
b) condenar o INSS a acrescer o tempo de serviço acima reconhecido com aquele já averbado na esfera administrativa e, revisando os cálculos de aposentadoria, conceder à autora o benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural n. 186.724.286-6, pagando as prestações vencidas a partir do requerimento do pedido na via administrativa, em 26/09/2018.
c) estabelecer que os valores devidos deverão ser acrescidos correção monetária, observando-se os índices acima mencionados.
Sucumbente, condeno o INSS no pagamento da verba honorária em favor do patrono do autor, esta arbitrada em 10% do valor da condenação, com base no artigo 85, §§ 2º e 3º, inciso I do novo CPC, corrigida monetariamente pelo INPC.
Condeno o demandado ao pagamento das despesas previstas no artigo 14 da Lei n.° 14.634/2014.
Sentença não sujeita a reexame necessário (art. 496, § 3º, inciso I do novo CPC).
Saliento que a concessão desse benefício fica condicionada à análise do INSS quanto à não cumulação indevida, conforme previsão legal, com outros eventuais benefícios porventura já recebidos pela autora.
Requisitem-se os honorários do perito nomeado, caso ainda não requisitados.
Intimem-se.
Em suas razões recursais o INSS sustenta que a parte autora não preenche os requisitos necessários à concessão da aposentadoria, tendo em vista que os documentos apresentados não são suficientes para comprovar o efetivo exercício de atividade rural pelo tempo necessário à carência do benefício. Alega, ademais, que durante o período de 2012 a 2018 a autora percebeu aposentadoria por invalidez, podendo-se inferir que não tinha condições de realizar trabalho agrícola, o qual requer razoável esforço físico.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Aposentadoria por Idade Rural
O exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ. Trata-se de exigência que vale tanto para o trabalho exercido em regime de economia familiar quanto para o trabalho exercido individualmente.
O rol de documentos do art. 106 da LBPS não é exaustivo, de forma que documentos outros, além dos ali relacionados, podem constituir início de prova material, que não deve ser compreendido como prova plena, senão como um sinal deixado no tempo acerca de fatos acontecidos no passado e que agora se pretendem demonstrar, com a necessária complementação por prova oral.
Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção: está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
Saliento que, em recente decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a
alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1.348.633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014).
Caso Concreto
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 19-09-2017 e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 26-09-2018. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima ou à entrada do requerimento administrativo ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Quanto à comprovação da atividade rural desenvolvida em regime de economia familiar, o Juízo a quo assim decidiu:
No caso em análise, a fim de comprovar a atividade rural no período equivalente à carência, vieram aos autos notas de produtor rural, atinentes ao comércio de soja, sendo uma datada de 18/04/2018, bem como termo de concessão de uso em favor da autora, datado de 09/05/2017
Também foi produzida prova oral quando da reabertura da justificação administrativa, a qual foi favorável a embasar o exercício do labor rural pela demandante, em regime de economia familiar.
Nesse sentido, as testemunhas ouvidas, Gilvan José Lavratti, Vilmar Turatti e Gilmar Antônio Lavratti, confirmaram que a autora sempre laborou como trabalhadora rural em regime de economia familiar, desempenha os serviços rurícolas juntamente com seu filho e sua nora, em aproximadamente 13 hectares de terras próprias, localizadas no Assentamento Ceres, interior de Jóia-Rs. As testemunhas confirmaram também que até os dias atuais a autora labora na agricultura, onde plantam soja, milho feijão, mandioca, batata, bem como criam animais como gado leiteiro. Que as culturas e criações eram voltadas para a subsistência familiar, sendo que comercializavam a soja. Que não possuem empregados, nem maquinários.
Ainda, as testemunhas informaram que possuem conhecimento acerca do adoecimento da autora, aduzindo que, durante tal período, a mesma passou a ficar mais restrita nas suas atividades agrícolas, cabendo aos demais integrantes da família a maior parte do trabalho.
O INSS negou a concessão do benefício, ao argumento de que a autora não cumpriu com a carência necessária no período imediatamente anterior ao pedido administrativo ou implemento da idade mínima, tendo percebido aposentadoria por invalidez durante o período de 01-10-2012 a 31-07-2018.
Conforme se denota dos autos, o período em que a demandante recebeu aposentadoria por invalidez foi intercalado de labor rural, cuja atividade permaneceu exercendo até mesmo durante o tempo em benefício, ainda que de modo mais restrito. Assim, o referido interregno deve ser computado para fins de carência na aposentadoria por idade rural.
Desse modo, a autora tem direito à concessão da aposentadoria por idade rural, a contar da data do pedido administrativo (26-09-2018), devendo ser confirmada a sentença.
Honorários advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, este regramento é aplicável quanto à sucumbência.
No tocante ao cabimento da majoração da verba honorária, conforme previsão do §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;
b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;
c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso concreto, estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.
Assim, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios em 50% sobre o percentual anteriormente fixado.
Assim, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, é determinado ao INSS (obrigação de fazer) que pague ao segurado, a partir da competência atual, o benefício de Aposentadoria por Idade Rural. A ele é deferido o prazo máximo de 20 dias para cumprimento. Sobre as parcelas vencidas (obrigação de pagar quantia certa), desde a DER, serão acrescidos correção monetária (a partir do vencimento de cada prestação), juros (a partir da citação) e honorários advocatícios arbitrados nos valores mínimos previstos no § 3º do artigo 85 do CPC. A Autarquia deve reembolsar os valores adiantados a título de honorários periciais.
Dados para cumprimento: (X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 186.724.286-6 |
Espécie | Aposentadoria por idade rural |
DIB | 26-09-2018 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | |
RMI | a apurar |
Observações |
Conclusão
- apelo do INSS desprovido;
- majorados os honorários advocatícios a teor do §11, do art. 85, do CPC;
- determinada a imediata implantação do benefício, via CEAB.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB.
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Apelação Cível Nº 5024262-18.2021.4.04.9999/RS
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APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI (OAB RS058988)
ADVOGADO: RODRIGO RAMOS (OAB RS087266)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. TEMPO EM BENEFÍCIO. CÔMPUTO PARA FINS DE CARÊNCIA.
1. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, mediante início de prova material complementado por prova testemunhal idônea.
2. O tempo em que o segurado especial esteve em gozo de benefício por incapacidade, quando intercalado de labor rural, deve ser computado para fins de carência.
2. Cumprido o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício de atividade rural durante o período exigido em lei, é devida a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, a contar da data do requerimento administrativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/05/2022 A 18/05/2022
Apelação Cível Nº 5024262-18.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JULIA TEREZINHA BENTO
ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI (OAB RS058988)
ADVOGADO: RODRIGO RAMOS (OAB RS087266)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2022, às 00:00, a 18/05/2022, às 14:00, na sequência 420, disponibilizada no DE de 02/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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