APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033306-71.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA HELENA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | JULIANO FRANCISCO SARMENTO |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIROS. BOIA-FRIA. PROVA ORAL HARMÔNICA E COERENTE. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
4. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
5. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
6. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
7. Tratando-se de trabalhador rural boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, visto que exercem a atividade sem qualquer formalização e proteção social. Dessa forma, as lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica.
8. Ainda que a atividade rural não tenha sido exercida em regime de economia familiar, os documentos nos quais o marido da trabalhadora rural boia-fria é qualificado como lavador devem ser valorados em consonância com a prova oral.
9. Foram preenchidas as condições para a concessão do benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição.
10. A Corte Suprema, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema nº 810), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública pelos mesmos índices de remuneração oficial da caderneta de poupança.
11. Aplica-se o IPCA-E, a partir de 30/06/2009, na atualização monetária das prestações vencidas, conforme a decisão no RE 870.947.
12. Incide o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997 no tocante aos juros de mora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 28 de novembro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9230738v8 e, se solicitado, do código CRC 59E99873. | |
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RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelações interpostas contra sentença que reconheceu o direito da autora à averbação do tempo de trabalho rural entre 1974 a 1986, para fins de concessão de futuro benefício de aposentadoria, e julgou improcedente o pedido de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição.
O INSS alega que, para comprovar o exercício de atividade rural, deve a parte apresentar documentos suficientes que possam servir de início razoável de prova material, nos termos dos artigos 55, § 3º, e 106 da Lei nº 8.213/1991. Aduz que somente se admite a prova testemunhal para fins de comprovação de tempo de serviço, quando corroborada documentos contemporâneos aos fatos alegados, Aponta que os documentos apresentados pela parte autora não se prestam como início de prova material, pois são extemporâneos ou em nome de terceiros; além disso, a declaração de sindicato rural só é válida quando homologada pelo INSS. Sustenta que a utilização de documentos em nome de outras pessoas do mesmo grupo familiar limita-se ao regime de economia familiar, não se estendendo à atividade de boia-fria, desempenhada individualmente. Frisa que o STJ, em julgados recentes, entendeu que a Súmula nº 149 aplica-se também aos trabalhadores boias-frias.
A autora insurge-se contra o não reconhecimento do período entre 1987 a 1990, em que trabalhou como diarista rural. Aduz que apresentou início de prova material, complementado pela prova testemunhal. Entende que a expressão "início de prova material" significa que a prova é incipiente, dispensada a prova exaustiva, e deve ser razoável, acolhida pelo senso comum. Argumenta que restou comprovado o início do labor rural a partir de 1974, bem como a permanência no meio rurícola até 1990. Postula a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, sem o pedágio, pois possui direito adquirido.
Com contrarrazões do INSS, vieram os autos a esta Corte.
Sentença publicada em 03/08/2015.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9230736v10 e, se solicitado, do código CRC BF123536. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033306-71.2015.4.04.9999/PR
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A parte autora pleiteou o reconhecimento e a averbação do tempo de atividade rural exercido entre 1974 a 1990, exercido na condição de diarista/boia-fria, na lavoura de soja, algodão, café e culturas diversas, para diversos proprietários rurais nas regiões dos Municípios de São Jorge do Ivaí, Doutor Camargo, Paiçandu e Tapejara/PR. Observo que, no caso dos autos, é inócua a discussão acerca da idade mínima, visto que a autora completou doze anos em 25/11/1966, porém pleiteou o reconhecimento do período posterior a 1974.
A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora, em 23/02/1974, na qual seu marido é qualificado como lavrador;
b) certidão de nascimento dos filhos da autora, em 18/11/1974, 05/02/1976, 17/07/1978 e 16/08/1986, constando a profissão do pai como lavrador;
c) declaração de exercício da atividade rural, emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Jorge do Ivaí/PR, com base em documentos, relativa ao período de 02/1976 a 07/1978;
d) carteira de sócio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Jorge, em nome do marido da autora, com data de admissão em 1976.
Em juízo, foram ouvidas quatro testemunhas e colhido o depoimento pessoal do autor. Transcrevo a parte da sentença que analisa a prova oral e o início de prova material:
Na esteira da jurisprudência dominante, entendo que os documentos acima referidos constituem (em seu conjunto) um início de prova material no período compreendido de 1974/1986. Porém, esta interpretação em favor da Requerente não resulta, automaticamente, no reconhecimento do tempo de serviço respectivo, pois é preciso confrontá-la com os depoimentos colhidos como prova testemunhal, para que reste caracterizada a condição de rurícola da Autora.
Afirmou a Autora em seu depoimento pessoal: "(...) que tem 57 anos (...), mora em Tapejara há 38 anos, tendo exercido atividade rural no período de 1974 a 1990 (...); que, em 1974 não era casada (...), casou com 19 anos e teve a primeira filha com vinte anos, sendo que na época residia em São Jorge do Ivaí, em um sítio de propriedade de um japonês, mas não lembra o nome (...), havia outras famílias que moravam na propriedade, em torno de 15 ou 20 famílias (...); que na época que era solteira morava com os pais em um sítio, seu pai era arrendatário, plantava café e milho (...); que não tinha contrato por escrito (...), era verbal (...); que seus três filhos nasceram em São Jorge do Ivaí, depois mudaram para o município de Dr. Camargo, foram morar em outro sítio do mesmo dono, mas ficaram pouco tempo, depois foram para Paiçandu (...), morava na cidade e trabalhava como boia-fria na colheita de café e algodão e seu marido no corte de cana (...); que depois mudaram para Tapejara, foram morar em uma fazenda até conseguir uma casa na cidade (...); que continuou trabalhando na roça até 1990 (...); que depois conseguiu um trabalho no supermercado (...), depois entrou numa loja de confecção, onde trabalhou por três anos (...); que posteriormente passou a contribuir como contribuinte individual (...)."
ANTONIO CAETANO declarou que conheceu a Autora no ano de 1990, eram vizinhos, ela era boia-fria, trabalhava na colheita de café e algodão, mas nunca trabalharam juntos na lavoura, sendo que, posteriormente, a Autora passou a trabalhar no Mercado Ouro Verde. No entanto, referida testemunha não prestou informações seguras acerca do trabalho rural supostamente exercido nos municípios de São Jorge do Ivaí, Doutor Camargo e Paiçandu.
LEONILDO SAPEC relatou o trabalho rural da Autora no período 1984 a 1985, bem como o trabalho urbano no mercado Ouro Verde, como zeladora.
VITORIO ZANOTTO disse que conheceu a Autora no ano de 1985, eram vizinhos, ela era boia-fria, trabalhava para Germano e Baravieira, na lavoura de café, algodão, mandioca, mas nunca trabalharam juntos na lavoura. Relatou, ainda, que a Autora deixou a lide rural quando passou a trabalhar no mercado.
ANTONIA DOS SANTOS RODRIGUES, inquirida através de carta-precatória (evento 56 - p. 6) relatou que conheceu a Autora em Paiçandu, PR, na região divisa com Água Boa, na época a autora morava em um sitio, era casada e tinha dois filhos, trabalhava na lavoura branca, depois transferiu residência para a cidade de Paiçandu/PR, não lembrando o ano em que os fatos ocorreram.
Assim, tendo em conta os depoimentos acima citados, confrontados com os documentos apresentados, firma neste Juízo a convicção de que a Autora desenvolveu atividade rural no período de 1974 a 1986, tendo direito, assim, ao cômputo deste período como tempo de serviço para fins previdenciários.
Tratando-se de trabalhador rural boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, visto que exercem a atividade sem qualquer formalização e proteção social. Dessa forma, as lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica.
No caso dos autos, considerando as circunstâncias em que o trabalho do boia-fria era realizado, justifica-se a mitigação do início de prova material. Ainda que a atividade rural não tenha sido exercida em regime de economia familiar, os documentos nos quais o marido da autora é qualificado como lavador devem ser valorados em consonância com a prova oral, indicando que a autora era trabalhadora rural sem vínculo empregatício. Dessa forma, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.
Conquanto não tenha sido apresentado início de prova material para o período de 1987 a 1990, admite-se a extensão da eficácia da prova documental em relação aos intervalos próximos ao efetivamente documentado, quando a prova testemunhal permite formar convencimento nesse sentido. A análise do teor dos depoimentos prestados por Antônio Caetano, Leonildo Sapec e Vitório Zanotto evidencia suficiente conhecimento acerca da atividade da autora como boia-fria, antes de começar a trabalhar na cidade de Tapejara/PR, no mercado Ouro Verde.
As provas documentais foram complementadas por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural. Por conseguinte, nego provimento à apelação de INSS, para manter a sentença quanto ao reconhecimento do período de 01/01/1974 a 31/12/1986, e dou provimento à apelação da autora, para declarar o direito à averbação do tempo de trabalho rural entre 01/01/1987 a 30/04/1990 (considerando que o vínculo urbano iniciou em 02/05/1990).
Requisitos para a concessão do benefício
O INSS reconheceu, na data do requerimento administrativo (01/02/2011), o tempo de contribuição de 15 anos, 02 meses e 12 dias e a carência de 184 meses.
O tempo de atividade rural (01/01/1974 a 30/04/1990) corresponde a 16 anos e 04 meses. A soma do tempo de serviço rural e urbano resulta em 31 anos, 06 meses e 12 dias de tempo de contribuição, na data do requerimento administrativo.
Assim, em 01/02/2011 (DER), a parte autora preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal, com a incidência do fator previdenciário.
Assinalo que, a parte autora, em 16/12/1998, não tinha direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional, conforme as regras anteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998, porque não preenchia o tempo mínimo de serviço (25 anos). Posteriormente, em 28/11/1999, não preenchia o requisito da idade (48 anos) para a aposentadoria proporcional por tempo de contribuição.
Consectários legais
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, fixando as seguintes teses sobre a questão, consoante acompanhamento processual do RE 870.947 no Portal do STF:
"Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio,fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017. "
Como se pode observar, o Pretório Excelso não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação à correção monetária.
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos pela jurisprudência:
- INPC, de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91;
- IPCA-E, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
Os juros de mora são contados a partir da citação (Súmula 204 do STJ), no percentual de 1% ao mês, não capitalizado, até 29/06/2009. Desde 30/06/2009, são aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, utilizando-se a taxa de juros da caderneta de poupança.
Conclusão
Nego provimento à apelação do INSS.
Dou provimento à apelação da autora para: a) reconhecer o tempo de atividade rural no período de 01/01/1987 a 30/04/1990 e determinar a sua averbação para o fim de obtenção de benefício previdenciário; b) condenar o INSS a conceder à autora a aposentadoria integral por tempo de contribuição, a partir de 01/02/2011, e a pagar as prestações vencidas com atualização monetária e juros de mora, na forma da fundamentação.
Restando o INSS sucumbente na lide, deve arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios, fixados no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, nos termos da Súmula n° 111 do STJ e da Súmula n° 76 deste TRF.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da autora.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/11/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033306-71.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00027300920128160077
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA HELENA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | JULIANO FRANCISCO SARMENTO |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/11/2017, na seqüência 533, disponibilizada no DE de 29/11/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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