
Apelação Cível Nº 5002703-68.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 20-01-2022 (
), que julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade.Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à concessão de benefício por incapacidade desde 29-11-2019 (DCB do NB 627.390.885-4), devido a patologias de natureza psiquiátrica (
).Embora intimado, o INSS não apresentou contrarrazões.
Vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Nesta instância, a parte autora juntou documentos nos eventos 99 e 100, em relação aos quais o INSS foi intimado, mas não se manifestou a respeito.
É o relatório.
VOTO
A parte autora (serviços gerais em loja de departamentos e 42 anos de idade atualmente) objetiva a concessão/restabelecimento de benefício por incapacidade desde 29-11-2019 (DCB do NB 627.390.885-4), decorrente de doenças psiquiátricas.
Anexou aos autos diversos documentos comprovando ser portadora de graves patologias psiquiátricas desde, ao menos, o ano de 2012, com várias tentativas de suicídio, tendo passado, também por cirurgia bariátrica no ano de 2016, havendo, nos diversos atestados médicos apresentados, recomendações de afastamento do labor por incapacidade laborativa (
, , , e ), merecendo destaque o atestado seguinte atestado contemporâneos à referida DCB ( ):
Destaco, outrossim, os atestados médicos anexados nesta instância recursal, dos anos de 2022 e 2024 (
e ):
Processado o feito, foi elaborado laudo pericial em 06-10-2020, por Paulo Blank, especialista em psiquiatria (
):
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Trata-se de ação judicial de restabelecimento de benefício de auxílio-doença previdenciário ou aposentadoria por invalidez retroativa à DCB em 29/11/2019 ou desde a DII em 30/09/2016.
Os atestados, exames acostados aos autos do processo e trazidos à prova pericial (02/10/2020) do médico clínico do CAPS de Biguaçu refere que a pericianda faz tratamento no CAPS para quadro transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos (F33.3), transtorno de personalidade com instabilidade emocional (F60.3), estado de stress pós-traumático (F43.1) e transtorno afetivo bipolar (F31.6) apresentando de compensação psíquica com labilidade afetiva, tentativa de suicídio recente, ideação suicida, delírios paranoides, humor deprimido e agorafobia. Faz uso regular dos medicamentos fluoxetina (antidepressivo), clorpromazina (antipsicótico), clonazepam (ansiolítico), haloperidol (antipsicótico) e carbamazepina (estabilizador do humor).
A autora esteve em benefício previdenciário por vários anos devido às patologias psiquiátricas e, em 27/11/2019 (DER) requereu prorrogação de benefício de auxílio-doença previdenciário, que foi indeferido. O pagamento foi mantido até 29/11/2019 (DCB).
Tem histórico de uso de drogas (Cannabis sativa), comportamento impulsivo, autodestrutivo, com alucinações, delírios persecutórios e já tentou suicídio.
No exame do estado mental no ato pericial a pericianda manifestou quadro compatível com alteração do humor e do comportamento compatível com transtorno de personalidade com instabilidade emocional (transtorno de personalidade com instabilidade emocional (F60.3), que se sobrepõe aos demais diagnósticos referidos nos autos haja vista sua repercussão sobre a vida diária e laboral.
O transtorno de personalidade com instabilidade emocional (F60.3) é caracterizado por tendência nítida a agir de modo imprevisível sem consideração pelas consequências; humor imprevisível e caprichoso; tendência a acessos de cólera e uma incapacidade de controlar os comportamentos impulsivos; tendência a adotar um comportamento briguento e a entrar em conflito com os outros, particularmente quando os atos impulsivos são contrariados ou censurados. Dois tipos podem ser distintos: o tipo impulsivo, caracterizado principalmente por uma instabilidade emocional e falta de controle dos impulsos; e o tipo “borderline”, caracterizado além disto por perturbações da autoimagem, do estabelecimento de projetos e das preferências pessoais, por uma sensação crônica de vacuidade, por relações interpessoais intensas e instáveis e por uma tendência a adotar um comportamento autodestrutivo, compreendendo tentativas de suicídio e gestos suicidas.
Considerando-se o diagnóstico de transtorno de personalidade na pericianda se pode firmar que se trata de condição incurável que deverá ser mantida com sintomas de maior ou menor intensidade ao longo de sua vida, interferindo sobremaneira nas atividades laborativas, em geral. Conclui-se, com base no acima referido, que a pericianda, por ser portadora de transtorno de personalidade com instabilidade emocional (F60.3) é parcial e permanentemente incapaz para o exercício de sua atividade laborativa habitual, condição retroativa à Data da cessação do benefício (DCB) em 29/11/2019, sendo sugerida sua readaptação para função na qual seja mais diretamente supervisionada.
Como se percebe, o perito concluiu pela existência de incapacidade parcial e permanente desde a DCB (29-11-2019) e sugeriu que a autora fosse readaptada para outra função na qual fosse mais diretamente supervisionada.
Não obstante as considerações esposadas pelo expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do CPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
Assim, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do CPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.). Destaca-se que tal orientação vem prevalecendo no âmbito do Egrégio STJ ao ratificar, monocraticamente, decisões que levaram em consideração os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado para superar o laudo pericial (v.g. AREsp 1409049, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJ 21-02-2019).
No caso dos autos, como ressaltado pelo próprio perito, a autora é portadora de doenças psiquiátricas desde longa data, já esteve em gozo de benefícios por incapacidade em diversos períodos e teve outros tantos pedidos de benefício indeferidos, a saber (
):
Além disso, de acordo com as perícias administrativas (
), vários dos benefícios acima foram deferidos em decorrência de incapacidade laboral por doença psiquiátrica, inclusive aquele que a autora pretende seja restabelecido.Diante de tais circunstâncias, considerando o longo período em que a autora esteve em gozo de benefícios por incapacidade laboral, o teor dos atestados médicos mais atuais, anexados nos eventos 99 e 100 dos autos, bem como as próprias considerações do perito judicial no sentido de que a patologia psiquiátrica da autora é incurável e interfere sobremaneira nas atividades laborativas em geral, considero que, apesar de a autora ser pessoa relativamente jovem (42 anos de idade atualmente), a incapacidade laborativa permanente constatada pelo expert abarca qualquer tipo de atividade laboral, não havendo possibilidade de reabilitação para outra atividade, como sugerido.
Portanto, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela incapacidade parcial e permanente da autora, a confirmação da existência da moléstia incapacitante referida na exordial (patologias psiquiátricas), corroborada pela documentação clínica, associada às suas condições pessoais - habilitação profissional (serviços gerais em loja de departamentos) e idade atual (42 anos de idade) - demonstra a efetiva incapacidade total e definitiva para o exercício da qualquer atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, o restabelecimento do AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA n. 627.390.885-4 desde a DCB (30-11-2019) e a sua conversão em APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE a contar da data da perícia (06-10-2020), descontados os valores já recebidos no período a título de benefício inacumulável.
Não há parcelas prescritas, pois a ação foi ajuizada em 29-12-2019.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
SELIC
A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:
"Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ), considerando as variáveis previstas no artigo 85, § 2º, incisos I a IV do CPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | |
ESPÉCIE | Aposentadoria por Incapacidade Permanente |
ACRÉSCIMO DE 25% | Não |
DIB | 06/10/2020 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES | A aposentadoria a ser implantada decorre da conversão do benefício de auxílio por incapacidade temporária n. 627.390.885-4, cujo restabelecimento desde a DCB (30-11-2019) também está sendo deferido nos presentes autos. |
Requisite a Secretaria da 9ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004677766v18 e do código CRC ae253e5a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 10/10/2024, às 19:31:8
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 18:53:07.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5002703-68.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO RELATIVA aO LAUDO. PROVA INDICIÁRIA. CONDIÇÕES PESSOAIS. DOENÇAs psiquiátricas desde longa data. recebimento de diversos benefícios por incapacidade laboral. serviços gerais em loja de departamentos. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA restabelecido e convertido em APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE .
1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito, em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos.
2. Hipótese em que o acervo probatório permite relativizar as conclusões do jusperito no sentido de que a incapacidade da parte autora seria parcial e permanente, para considerá-la total, e, por consequência, restabelecer auxílio por incapacidade temporária e convertê-lo em aposentadoria por incapacidade permanente, em decorrência de patologias psiquiátricas desde longa data, à segurada que atua profissionalmente como serviços gerais em loja de departamentos e que já recebeu diversos benefícios por incapacidade laboral.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 08 de outubro de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004677767v3 e do código CRC b78a7559.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 11/10/2024, às 9:46:44
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 18:53:07.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/10/2024 A 08/10/2024
Apelação Cível Nº 5002703-68.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/10/2024, às 00:00, a 08/10/2024, às 16:00, na sequência 3, disponibilizada no DE de 19/09/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 18:53:07.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas