Apelação Cível Nº 5019351-02.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: SERGIO LUIZ ROCHA DE AGUIAR
ADVOGADO: DANIEL NATAL BRUNETTO (OAB RS063345)
ADVOGADO: ADRIANO SCARAVONATTI (OAB RS063475)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação de sentença (proferida na vigência do CPC/73) que reconheceu a decadência e julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora em custas e honorários.
Em suas razões de apelação, a parte autora alegou que não houve decadência, no caso, e reiterou os argumentos da inicial.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão-somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Decadência - afastada em parte
Postula a parte autora a revisão da RMI do benefício que lhe foi concedido com fundamento em:
- Reconhecimento de especialidade de períodos laborais;
- Cômputo, na formação dos salários-de-contribuição, de valores oriundos de reclamatória trabalhista.
a) Decadência da parcela do pedido relativa à inclusão de períodos especiais
O Supremo Tribunal Federal decidiu, em sede de repercussão geral (RE 626489 julgado em 16/10/2013), que a norma processual de decadência incide a todos benefícios previdenciários concedidos, desde o dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação a partir de 01/08/97 (pela vigência da MP nº 1.523-9/97). Decorre daí o impedimento à revisão do ato de concessão do benefício sob qualquer justificativa (alteração da RMI pela inclusão de tempo, sua classificação como especial, erros de cálculo do PBC...).
No julgamento do Tema 975 (acórdão publicado em 04/08/2020), o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese: “Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.”.
Em recente julgamento a Turma decidiu que "[A]plica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário." (50120209520194049999 - JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA).
No caso, o benefício foi concedido em 29/07/1997, e a ação foi ajuizada em 10/08/2010. Portanto, o ajuizamento da ação se deu após decorrido o prazo decadencial para a revisão do ato de concessão do benefício.
Portanto, deve ser mantida a sentença que reconheceu a decadência do direito de revisão do ato de concessão do benefício, quanto aos períodos especiais postulados.
Nego provimento ao recurso, no ponto.
b) Decadência da parcela do pedido relativa à inclusão de valores obtidos em reclamatória trabalhista
O entendimento desta Turma Julgadora pacificou-se no sentido de que os valores obtidos em ação perante a Justiça do Trabalho abrem o direito ao requerimento, em face da autarquia previdenciária, da revisão dos salários de contribuição integrantes da base de cálculo da RMI de benefício de aposentadoria porventura percebido. Para tal montante, o prazo decadencial somente tem sua contagem iniciada no momento do trânsito em julgado da respectiva decisão trabalhista, caso tenha ela ocorrido após a data da concessão do benefício.
Nessa linha, o seguinte precedente:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 975 DO STJ. DECADÊNCIA. TEMA 810 DO STF. JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE AS CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA NA VIGÊNCIA DA LEI 11.960/09.
1. (...)
2. O prazo decadencial para revisão de benefício previdenciário em decorrência de êxito do segurado em reclamatória trabalhista inicia-se no momento em que se tem a certeza dos direitos reconhecidos nesta ação, o que ocorre com o trânsito em julgado da decisão que tornou líquida a obrigação, caso posterior à concessão do benefício.
3. (...)
(APEL/RE nº 5004920-71.2010.4040.7100, 6ª T., Rel. Des.-Federal João Batista Pinto Silveira, data julgto. 05/05/2021)
No caso concreto dos valores recebidos na Reclamatória Trabalhista nº 00429.331//99-1, ajuizada contra M K Química do Brasil Ltda., o trânsito em julgado deu-se a menos de dez anos do ingresso do presente feito, com o que não há falar em decadência, no caso.
Dou parcial provimento ao apelo, para afastar a decadência, quanto aos valores obtidos na ação trabalhista.
Do direito à revisão da renda mensal inicial da Aposentadoria por Tempo de Contribuição
Há direito ao recálculo dos salários-de-contribuição correspondentes aos valores devidos na reclamatória trabalhista 00429.331/99-1, os quais - caso resultem em uma RMI mais favorável que a atual - devem ser levados em conta pelo INSS para fins de revisão da Renda Mensal Inicial do benefício de aposentadoria atualmente percebido pela parte autora, desde a DER, respeitada a eventual prescrição quinquenal.
Reformada a sentença.
Correção monetária e juros de mora
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Honorários advocatícios
Sucumbente, é o INSS condenado nos honorários advocatícios de 10% sobre a integralidade o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, em conformidade com o disposto na Súmula n.º 76 deste Tribunal.
Dou parcial provimento ao apelo, no ponto.
Custas e despesas processuais
As custas ficam a cargo do INSS, o qual é delas isento quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Dou parcial provimento ao apelo, no ponto.
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
A renda mensal revisada do benefício, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, deve ser implementada em 45 dias a partir da intimação. A parte interessada deverá indicar, em 10 dias, o eventual desinteresse no cumprimento do acórdão.
Conclusão
Dado parcial provimento ao apelo para afastar a decadência da parte do pedido relativa aos valores obtidos em reclamatória trabalhista, determinar a revisão do benefício, e alterar a decisão quanto aos honorários advocatícios e às custas processuais.
Determinado o imediato cumprimento do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, e determinar o imediato cumprimento do acórdão.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002670415v14 e do código CRC 3bdddd54.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5019351-02.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: SERGIO LUIZ ROCHA DE AGUIAR
ADVOGADO: DANIEL NATAL BRUNETTO (OAB RS063345)
ADVOGADO: ADRIANO SCARAVONATTI (OAB RS063475)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. QUESTÕES NÃO APRECIADAS PELA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA. VALORES OBTIDOS EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. REVISÃO DE BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
1. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em sede de repercussão geral (RE 626489 julgado em 16/10/2013), que a norma processual de decadência incide a todos benefícios previdenciários concedidos, desde o dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação a partir de 01/08/97 (pela vigência da MP nº 1.523-9/97).
2. No julgamento do 975 (acórdão publicado em 04/08/2020), o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese: “Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.”
3. A decadência do direito de revisão de benefício oriundo de valores obtidos em ação trabalhista tem por marco inicial a data do trânsito em julgado da referida ação, caso posterior à da concessão do benefício.
4. Os valores percebidos em reclamatória trabalhista devem ser levados em conta pelo INSS para fins de revisão da Renda Mensal Inicial do benefício de aposentadoria da parte autora.
5. A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, prevista na Lei 11.960/2009, foi afastada pelo STF no julgamento do Tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
6. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
7. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, e determinar o imediato cumprimento do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2021.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002670416v6 e do código CRC 984a970a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/07/2021 A 21/07/2021
Apelação Cível Nº 5019351-02.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: SERGIO LUIZ ROCHA DE AGUIAR
ADVOGADO: DANIEL NATAL BRUNETTO (OAB RS063345)
ADVOGADO: ADRIANO SCARAVONATTI (OAB RS063475)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/07/2021, às 00:00, a 21/07/2021, às 14:00, na sequência 941, disponibilizada no DE de 05/07/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, E DETERMINAR O IMEDIATO CUMPRIMENTO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 30/07/2021 08:02:04.