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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. APELAÇÃO CÍVEL. REABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PERÍODO RURAL. INDENIZAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES. MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA INAPLICÁVEL. ASTREINTE. READEQUAÇÃO DO VALOR TOTAL. TRF4. 5000327-98.2021.4.04.7104

Data da publicação: 19/03/2023, 07:00:58

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. APELAÇÃO CÍVEL. REABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PERÍODO RURAL. INDENIZAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES. MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA INAPLICÁVEL. ASTREINTE. READEQUAÇÃO DO VALOR TOTAL. 1. Nos termos do artigo 14 da Lei nº 12.016, concedida a segurança, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição. 2. É devida a reabertura de processo administrativo, na qual a decisão que indeferiu requerimento de aposentadoria deixou de examinar períodos de atividade rural afirmados pelo requerente. 3. É legítimo o direito à indenização de contribuições previdenciárias, na qualidade de contribuinte individual, quando há prova do exercício da atividade remunerada (rural), reconhecida no âmbito administrativo. 4. Eventual demora no cumprimento da ordem judicial motivada pela burocracia estatal e não por uma desídia propriamente dita afasta a configuração de ato atentatório à dignidade da Justiça ou de litigância de má-fé. 5. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região pacificou o entendimento de que, ressalvadas excepcionais situações, a astreinte deve ser fixada ordinariamente em R$ 100,00 (cem reais) por dia de descumprimento. 6. É própria a modificação do valor total da multa para que seja adequado ao caso concreto, em atenção ao princípio da razoabilidade. (TRF4, AC 5000327-98.2021.4.04.7104, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 11/03/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000327-98.2021.4.04.7104/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: CHEFE DE AGÊNCIA - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - CAMBÉ (IMPETRADO)

APELADO: ELOI ANTONIO DE SOUZA (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Eloi Antonio de Souza impetrou mandado de segurança contra ato do Chefe da Agência da Previdência Social - Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que indeferiu requerimento de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Discorreu que a decisão administrativa não apresentou fundamentação acerca do requerimento para que se reconheça o exercício de atividade rural, na qualidade de segurado especial, de 14.10.1977 a 14.10.1981 e de 12.1.1991 a 30.6.1992, e, ainda, a respeito da emissão de GPS para a indenização de contribuições previdenciárias, estas relacionadas ao período de 1.11.1991 a 30.6.1992. Pediu a concessão de ordem no sentido de determinar a reabertura do processo administrativo.

Sobreveio sentença que concedeu parcialmente a segurança, nos seguintes termos:

Ante o exposto, CONCEDO EM PARTE A SEGURANÇA e defiro o pedido liminar, resolvendo o mérito do processo, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para anular a decisão proferida no NB 192.913.456-5 e determinar ao INSS que, no prazo de 30 dias, reabra a instrução processual, autorize a produção de provas e consequentemente profira nova decisão, devidamente fundamentada, incluindo a análise dos períodos de 14/10/1977 a 14/10/1981 e de 12/01/1991 a 30/06/1992, com a emissão da respectiva guia para indenização dos períodos posteriores a 31/10/1991, caso reconhecido o labor rural no período.

A teor do artigo 537, § 1º, do Código de Processo Civil, fixo, desde já, multa diária de R$ 100,00 (cem reais), a contar do 31º dia da intimação, na hipótese de não ser cumprida.

Por fim, com intuito de evitar que se torne excessiva, determino sua limitação ao montante total de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), uma vez que aplicada a ente público.

Da sentença que concedeu parcialmente a segurança, recorreram ambas as partes.

A apelação do autor tem por objetivos: a) o afastamento da limitação da multa, devendo o valor corresponder ao número de dias de descumprimento da liminar; b) redirecionar o ônus do inadimplemento da multa à autoridade coatora; c) a aplicação, também, da sanção prevista no artigo 77, §2º, do Código de Processo Civil.

O réu, por sua vez, em seu recurso alegou que a decisão administrativa transitou em julgado, sendo descabida a reabertura do processo para a sua revisão. Destacou, além disso, ser inviável, no caso, a realização de justificação administrativa. Pediu a reforma da sentença, inclusive, para afastar a multa aplicada.

A Procuradoria Regional da República manifestou-se em parecer.

VOTO

Remessa necessária

Considerando que houve concessão da segurança em favor do impetrante, deverá a sentença ser submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do artigo 14º da Lei n. 12.016, que assim dispõe:

Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.

§ 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

Nesse contexto, tenho por interposta a remessa oficial.

Pedido de reabertura de processo administrativo

O impetrante teve seu requerimento administrativo de aposentadoria por tempo de contribuição indeferido, nos seguintes termos (evento 1, DOC3, p. 251):

1. Trata-se de Aposentadoria Por Tempo de Contribuição indeferida por falta de tempo de contribuição até a entrada em vigor da EC 103/2019, ocasião em que contava apenas com 34 anos 01 meses 03 dias. Também não atendeu as exigências das regras de transições dos arts. 15, 16, 17 e 20 da EC 103/20192.

Todos os vínculos empregatícios da (s) Carteira (s) de Trabalho - CTPS - apresentada (s) foram considerados para o cálculo do tempo de contribuição, em atendimento ao artigo 62 § 2° inciso I alínea "a" do Decreto 3.048/99, além do artigo 59 inciso I e artigo 10 da IN 77/2015.

3. Os elementos de filiação na categoria de contribuinte individual foram considerados, em virtude de cumprir com os requisitos do artigo 60 inciso I do Decreto 3.048/99 e estar em conformidade com o artigo 32 da IN 77/2015 e os recolhimentos efetuados foram somados integralmente ao cálculo do tempo de contribuição.

4. Os elementos de filiação na categoria de contribuinte facultativo foram considerados, em virtude de cumprir com os requisitos do artigo 60 inciso VI do Decreto 3.048/99 e artigo 57 da IN 77/2015 e os recolhimentos efetuados foram somados integralmente ao cálculo do tempo de contribuição.

5. Foram apresentados formulários de enquadramento de atividades especiais ou profissionais, mas nenhum pôde ser enquadrado. Há enquadramento técnico não aprovado pelo Serviço de Pericia Médica Federal conforme parecer técnico fundamentado no artigo 297 da IN 77/2015.

6. Há documentos que comprovam a filiação do segurado como segurado especial, especificado no artigo 9° inciso VII do Decreto 3.048/99 e artigos 39 e 40 da IN 77/2015, que foram reconhecidos e somados ao tempo de contribuição. Consoante com o disciplinado pelo inciso II do item 6.1 do Ofício-Circular nº 46 /DIRBEN/INSS de 13/09/2019, o(a) requerente possui ao menos um instrumento ratificador (base governamental ou documento) contemporâneo para cada período, analisado, observado o limite temporal do inciso I (7,5 anos). Sendo que não há informações que possam descaracterizar a condição de segurado especial, e todos foram reconhecidos e somados ao tempo de contribuição.-

O impetrante havia requerido perante a administração previdenciária, no início, o reconhecimento do exercício de atividade rural nos períodos de 14/10/1981 a 07/07/1990 e de 12/01/1991 a 30/06/1992. Posteriormente, aduziu o período de 14/10/1977 a 14/10/1981.

Ocorre que no relatório do CNIS e no resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição não constam os períodos de 14.10.1977 a 14.10.1981 e de 12.1.1991 a 30.6.1992 (evento 1, DOC3, p. 218 a 224). No entanto, na decisão administrativa não houve qualquer menção a respeito do motivo para que os referidos períodos não tenham sido considerados.

Logo, deve ser mantida a conclusão que apontou a nulidade da decisão, por ofensa aos princípios do devido processo legal e do contraditório.

Havendo o reconhecimento do exercício de atividade rural no período de 1.11.1991 a 30.6.1992, é direito líquido e certo do impetrante a emissão de guia para que recolha o valor da indenização de contribuições. Nesse sentido, destaco precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES EM ATRASO. POSSIBILIDADE. Comprovado o exercício de atividade econômica pelo impetrante, hipótese de segurado obrigatório na condição de contribuinte individual nos termos do artigo 12, V, h, da Lei nº 8.212/1991, é possível o recolhimento das contribuições previdenciárias em atraso e, após o regular pagamento, a averbação das competências, com a reabertura do processo administrativo em que o segurado pede a concessão de aposentadoria. (TRF4 5011522-20.2020.4.04.7200, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relatora ERIKA GIOVANINI REUPKE, juntado aos autos em 16/06/2021)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. REABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. CONTRIBUIÇÕES RECOLHIDAS FORA DO PRAZO. 1. Nos termos do artigo 14 da Lei nº 12.016, concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição. 2. É legítimo o aproveitamento, como tempo de contribuição, das competências recolhidas fora prazo, como contribuinte individual, quando há prova do exercício da atividade remunerada. (TRF4 5003517-91.2020.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 13/07/2021).

Apelação do INSS

A alegação de que teria havido o trânsito em julgado administrativo não procede.

O objeto litigioso do presente mandado de segurança não é a reforma da conclusão do INSS pelo indeferimento do benefício. A presente lide diz respeito à nulidade da decisão administrativa, em razão da ausência de fundamentação para a desconsideração de períodos de atividade rural afirmados pelo requerente, ora impetrante.

Quanto à justificação administrativa, se estiverem presentes os requisitos mínimos, deve ser realizada. Caso contrário, a eventual dispensa do procedimento deverá, também, ser devidamente fundamentada.

Astreinte

A fixação de multa diária materializa o poder de coercibilidade do juiz, responsável pela efetividade do processo. A providência objetiva, certamente, desencorajar atitude refratária à prestação jurisdicional e é plenamente aceita no ordenamento jurídico, eventualmente defronte a alguma renitência no cumprimento de obrigação de fazer.

Por esse motivo, embora estivesse, até o presente momento, exigindo a intimação pessoal do agente público para o fim de considerar lícita a exigência da sanção imposta, partindo-se do pressuposto de não caber a imposição prévia da multa antes de materializar-se o descumprimento, revejo a posição para considerar exigível a multa desde o escoamento do prazo para cumprimento da obrigação a contar da intimação do representante judicial da autarquia previdenciária, sendo desnecessária a intimação prévia da gerência executiva.

Nesse sentido, seguem os seguintes julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA DIÁRIA. PRAZO. INTIMAÇÃO PESSOAL DA GERÊNCIA EXECUTIVA DO INSS. DESNECESSIDADE. É desnecessária é a intimação da gerência executiva do INSS para implantar benefício previdenciário deferido judicialmente, bastando a intimação do procurador federal que representa a autarquia em juízo. Precedentes do STJ e desta Corte. (TRF4, AG 5021484-36.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 18/09/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO. DETERMINAÇÃO JUDICIAL. CONTAGEM DO PRAZO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO GERENTE EXECUTIVO. PRESCINDIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. ASTREINTE. APLICAÇÃO. FIXAÇÃO EXCESSIVA. REDUÇÃO DE OFÍCIO. 1. Desnecessária é a intimação da gerência executiva do INSS para implantar benefício previdenciário deferido judicialmente, sendo bastante a do procurador federal que representa a autarquia em juízo. Precedentes do TRF4. 2. A multa diária por desrespeito ao comando judicial deve ser estipulada em observância aos princípios da razoabilidade e a proporcionalidade e atentando-se ao caráter pedagógico que apresenta, cabendo, inclusive, a redução, ex officio, de seu valor. Em se tratando de ordem de implantação de benefício previdenciário, entende-se satisfatória à salvaguarda do bem jurídico tutelado a quantia de R$ 100,00 por dia de atraso no cumprimento da obrigação. (TRF4, AG 5032407-24.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator para Acórdão CELSO KIPPER, juntado aos autos em 30/09/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ASTREINTES. MULTA. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. INTIMAÇÃO DA GERÊNCIA EXECUTIVA. DESNECESSIDADE. Considerando que a Autarquia está representada nos autos por seu procurador, a quem cabe desincumbir-se das determinações judiciais, a multa é devida a contar de sua intimação, não havendo falar em necessidade de efetiva intimação da Gerência Executiva do INSS. Precedentes. A fixação de astreintes em face do Poder Público é legal e jurisprudencialmente admitida, enquanto mecanismo de efetividade do processo civil, prestígio e autoridade das decisões judiciais, não encontrando justificativa razoável na precariedade estrutural daquele que tem o dever de cumpri-las. Na medida em que consiste em sanção processual imposta como meio de coação para que o obrigado cumpra a decisão judicial, o montante das astreintes deve ser razoável e proporcional à obrigação principal descumprida e levar em conta a natureza e a gravidade da conduta do recalcitrante. (TRF4, AG 5022834-59.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 22/08/2020)

Demais, registre-se que a multa por descumprimento de ordem judicial não tem caráter indenizatório, mas, sim, coercitivo. Não possui finalidade de arrecadação e tampouco de punição. Estabelecida, o que se objetiva é compelir o obrigado a cumprir o mandamento, segundo lhe corresponde, a modo de conferir efetividade a decisão judicial, prestigiando a satisfação da tutela específica. Bem por isso, é suficiente a intimação do representante judicial do INSS.

No que se refere a seu valor, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, salvo em situações excepcionais, arbitra a astreinte ordinariamente em R$ 100,00 (cem reais) por dia de descumprimento. Nesse sentido: AC 5004913-10.2018.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do Paraná, rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, julgado em 25/06/2019; AG 5007537-46.2019.4.04.0000, 5ª Turma, rel. Juiz Federal Altair Antonio Gregorio, julgado em 21/05/2019; AG 5035877-34.2018.4.04.0000, rel. Des. João Batista Pinto Silveira, 6ª Turma, julgado em 12/12/2018.

Assim, deve ser mantida a multa diária por descumprimento, fixada em R$ 100,00.

Apelação do impetrante

Afastamento do limite máximo para o valor da multa

Pediu o impetrante que seja afastado o teto de R$ 1.500,00, para o cômputo da multa diária pelo descumprimento da ordem determinada na sentença.

A possibilidade de revisão da multa por descumprimento de decisão judicial está prevista no art. 537, §1º, do Código de Processo Civil:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

Conforme sedimentado entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ, AREsp 1702409, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, publicação 08/10/2020; STJ AREsp 1712980, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, publicação 28/09/2020), a decisão que arbitra a astreinte não faz coisa julgada material, pois ao magistrado é facultado impor essa coerção, de ofício ou a requerimento da parte, cabendo a ele, da mesma forma, a sua revisão nos casos em que a multa se tornar desnecessária. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ART. 461 DO CPC. ASTREINTES. EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXCLUSÃO/SUPRESSÃO DA MULTA. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. As astreintes (CPC, art. 461) objetivam prestigiar a efetividade das decisões judiciais por meio de tutela específica, possibilitando que o credor obtenha a satisfação da obrigação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa almejada, ou resultado prático equivalente, por meio da intimidação do devedor a realizar determinado comportamento ou abster-se, tal qual ajustado no plano do direito material. 2. Não havendo limite máximo de valor para a multa, tomando-se em conta sua natureza jurídica e a própria mens legis do instituto (CPC, art. 461, §6°), reconhece o STJ ser lícito ao magistrado, de ofício ou a requerimento das partes, alterar o montante a qualquer tempo, inclusive na fase de execução, quando modificada a situação para a qual foi imposta. Isto porque não há falar em coisa julgada material, estando perante meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado. 3. Assim, deixando a medida de ser adequada para seu mister, não havendo mais justa causa para sua mantença, deve-se reconhecer, também, a possibilidade de revogação das astreintes pelo magistrado, notadamente quando a prestação tiver se tornado fática ou juridicamente inexigível, desnecessária ou impossível, tendo-se modificado sobremaneira a situação para a qual houvera sido cominada, sempre levando-se em conta os parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. 4. É que, deixando de haver razão para a manutenção da multa, esta perderá a eficácia para o fim a que se justificava, e o próprio provimento que determinava sua incidência perderá a razão de ser, deixando de desempenhar o papel de coerção sobre a vontade do devedor. 5. O novo Código de Processo Civil previu expressamente essa possibilidade, ao estabelecer que "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento" (NCPC, art. 537, § 1°). [...] (REsp 1186960/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 05/04/2016)

Portanto, o magistrado não está impossibilitado de revisar a penalidade imposta, pois a multa por descumprimento de decisão judicial não faz coisa julgada.

Considerando-se os contornos explicitados na sentença, a aplicação da multa diária de R$ 100,00 teria início a partir do 31º dia após a intimação acerca da sentença. Intimada a autoridade coatora em 4.11.2021 (evento nº 44), a multa passou a ser computada a partir do dia 5.12.2021. Como o cumprimento da decisão se deu somente no dia 12.7.2022 (evento 70, DOC1), seu valor total ficou em R$ 21.900,00 (219 dias).

O limite máximo determinado na sentença mostra-se incapaz de operar o efeito coercitivo pretendido com a medida. De outra parte, o montante total de R$ 21.900,00 é desproporcional.

Desse modo, impõe-se, por conta dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 8º do Código de Processo Civil), a fixação da multa para o total de R$ 10.100,00 (dez mil e cem reais).

Redirecionamento da exigência da multa contra a autoridade coatora

O pedido para que a exigência da multa pelo descumprimento da ordem seja redirecionada contra a pessoa que atua na qualidade de autoridade coatora não procede. Isso porque não há qualquer evidência de que está a exercer a função de Chefe da Agência da Previdência Social dolosamente, atuando no sentido de dificultar o devido encaminhamento do requerimento administrativo do impetrante, nos termos determinados na sentença.

Multa pela prática de ato atentatório à dignidade da justiça

Por fim, é indevida a aplicação da multa prevista no artigo 77, § 2º, do Código de Processo Civil. Trata-se de sanção decorrente do cometimento de ato atentatório à dignidade da justiça. Segundo o recorrente, em razão do não cumprimento, com exatidão, das decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e da suposta criação de embaraços à sua efetivação.

No entanto, não há qualquer demonstração de que a eventual demora no cumprimento da ordem judicial seja atribuída à má vontade do INSS e tampouco de seus agentes. Quando muito, a eventual demora poderá ser atribuída à burocracia estatal; não por uma desídia, propriamente dita.

Com efeito, no caso, não há a configuração de ato atentatório à dignidade da Justiça. Nesse sentido, destaca-se o seguinte precedente:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS NÃO VINCULADAS AO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE. POSSIBILIDADE. REPRESENTAÇÃO AO MPF. DESCABIMENTO. 1. Diante da impossibilidade de obter êxito no bloqueio de valores nas contas vinculadas ao Fundo Nacional de Saúde, justifica-se, em caráter excepcional, que a medida alcance quantias depositadas em contas públicas diversas. Orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.069.810/RS). 2. Eventual demora no cumprimento da ordem judicial motivada pela burocracia estatal e não por uma desídia propriamente dita afasta a configuração de ato atentatório à dignidade da Justiça ou de litigância de má-fé. (TRF4, AG 5010541-91.2019.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 03/10/2019).

Conclusão

Apelação do Instituto Nacional do Seguro Social desprovida.

Apelação do impetrante parcialmente provida para fixar o valor total da multa em R$ 10.100,00.

Remessa oficial, tida por interposta, desprovida.

Dispositivo

Em face do que foi dito, voto por dar parcial provimento à apelação do impetrante e negar provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação do Instituto Nacional do Seguro Social.



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5000327-98.2021.4.04.7104
40003756327.V43


Conferência de autenticidade emitida em 19/03/2023 04:00:58.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000327-98.2021.4.04.7104/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: CHEFE DE AGÊNCIA - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - CAMBÉ (IMPETRADO)

APELADO: ELOI ANTONIO DE SOUZA (IMPETRANTE)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. APELAÇÃO CÍVEL. reabertura do processo administrativo. PERÍODO RURAL. INDENIZAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES. multa por ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA inaplicável. astreinte. readequação do valor total.

1. Nos termos do artigo 14 da Lei nº 12.016, concedida a segurança, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição.

2. É devida a reabertura de processo administrativo, na qual a decisão que indeferiu requerimento de aposentadoria deixou de examinar períodos de atividade rural afirmados pelo requerente.

3. É legítimo o direito à indenização de contribuições previdenciárias, na qualidade de contribuinte individual, quando há prova do exercício da atividade remunerada (rural), reconhecida no âmbito administrativo.

4. Eventual demora no cumprimento da ordem judicial motivada pela burocracia estatal e não por uma desídia propriamente dita afasta a configuração de ato atentatório à dignidade da Justiça ou de litigância de má-fé.

5. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região pacificou o entendimento de que, ressalvadas excepcionais situações, a astreinte deve ser fixada ordinariamente em R$ 100,00 (cem reais) por dia de descumprimento.

6. É própria a modificação do valor total da multa para que seja adequado ao caso concreto, em atenção ao princípio da razoabilidade.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do impetrante e negar provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação do Instituto Nacional do Seguro Social, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de março de 2023.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003756328v7 e do código CRC faff26f0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 11/3/2023, às 23:17:3


5000327-98.2021.4.04.7104
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Conferência de autenticidade emitida em 19/03/2023 04:00:58.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 07/03/2023

Apelação Cível Nº 5000327-98.2021.4.04.7104/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS

SUSTENTAÇÃO ORAL PRESENCIAL: GABRIELA MENONCIN MEDEIROS por ELOI ANTONIO DE SOUZA

APELANTE: ELOI ANTONIO DE SOUZA (IMPETRANTE)

ADVOGADO(A): GABRIELA MENONCIN MEDEIROS (OAB RS079486)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)

APELADO: OS MESMOS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 07/03/2023, na sequência 12, disponibilizada no DE de 24/02/2023.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO IMPETRANTE E NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, E À APELAÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 19/03/2023 04:00:58.

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