Apelação/Remessa Necessária Nº 5004527-52.2020.4.04.7115/RS
RELATOR: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: OSMAR ANTONIO RECALCATTI (IMPETRANTE)
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Osmar Antonio Recalcatti contra ato praticado pelo Chefe da Agência - Instituto Nacional do Seguro Social - INSS - Ijuí-RS, objetivando a concessão de ordem para que a autoridade coatora se abstenha de realizar descontos no benefício previdenciário de aposentadoria por incapacidade permanente NB 631.392.579-7.
Processado o feito, sobreveio sentença concedendo a segurança pleiteada (
):III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, concedo a segurança pleiteada, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para o fim de determinar à autoridade impetrada, inclusive em sede de tutela de urgência, que cesse imediatamente os descontos realizados no benefício previdenciário de aposentadoria por incapacidade permanente NB 631.392.579-7 a título de devolução de valores recebidos indevidamente quando ao benefício previdenciário de auxílio por incapacidade temporária NB 607.171.182- 0.
Sem imposição de honorários advocatícios, a teor do art. 25 da Lei n.º 12.016/09. O INSS é isento do pagamento de custas.
Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009).
Apela o INSS (
), sustentando, em síntese, qu o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, mudou seu entendimento acerca da possibilidade de devolução dos valores recebidos por erro administrativo, de modo que tanto os valores indevidos recebidos com dolo quanto aqueles recebidos de boa-fé devem ser restituídos aos cofres públicos. Entendimento diverso fatalmente conduziria o recorrido à hipótese de enriquecimento sem causa, em total desrespeito ao previsto no art. 884 do CC/2002. Argumenta que o fato de o benefício previdenciário da parte autora ter sido concedido em valor mínimo não impede que sobre ele incidam os descontos legalmente previstos. Aduz que a Constituição também garante, à luz do art. 7º, inciso IV, a percepção do salário-mínimo pelo trabalhador, sem ressalvar a incidência da contribuição previdenciária, cuja consequência é a percepção de valor líquido inferior ao salário-mínimo. Observa ainda que não há impedimento para que a parte autora contrate empréstimos consignado sobre seu benefício previdenciário de valor mínimo, o que elide a argumentação de insuficiência de fundos para a subsistência. Requer, enfim, seja provido o presente recurso de apelação, para reformar a sentença de primeiro grau.Oportunizada as contrarrazões (evento 37), vieram os autos para esta Corte para julgamento.
Nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito (evento 04, PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Descabe o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal, verbis:
§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.
Assim, o benefício previdenciário não pode ser inferior ao valor mínimo, sob pena de descumprimento de preceito constitucional cujo desiderato é garantir o mínimo existencial em observância do princípio da dignidade da pessoa humana.
Em síntese, embora se permita o desconto para fins de devolução, a quantia resultante não pode ser inferior a 1 salário mínimo. Isso não significa que tais valores sejam inexigíveis. Apenas que não poderia o INSS descontá-los diretamente do benefício percebido de modo a reduzi-lo para abaixo do valor do salário mínimo.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO. LIMITAÇÃO DE DESCONTO EM BENEFÍCIO DE UM SALÁRIO MÍNIMO. 1. Não é possível o desconto de valores na renda mensal de benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo (artigo 201, § 2º, da Constituição Federal). 2. Os descontos efetuados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS no valor da pensão por morte recebida pela agravante devem ser suspensos, uma vez que o valor total desse benefício corresponde a 1 salário mínimo. (TRF4, AG 5049006-04.2021.4.04.0000, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 15/02/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. SUSPENSÃO DOS DESCONTOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. Não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal. (TRF4, AG 5047613-78.2020.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 17/12/2020)
De resto, reporto-me aos fundamentos da sentença, quanto à impossibilidade de o INSS promover descontos na aposentadoria por invalidez a (NB 631.392.579-7) percebida pela impetrante, por ser de valor mínimo, não poderia sofrer os descontos. Transcrevo a motivação empregada na origem, a fim de evitar desnecessária tautologia (evento 41, SENT1):
(...)
Verifico, pela documentação acostada, que os descontos realizados são decorrentes de valores pagos a maior, a título de auxílio por incapacidade temporária, em período que já havia sido concedida a aposentadoria por incapacidade permanente (a partir de 26/12/2019 - porém o processamento da conexão somente ocorreu em 27/08/2020).
Todavia, de análise ao extrato da referida aposentadoria (evento 12 - INF3), verifica-se possuir RMI de 01 (um) salário mínimo.
Nesse contexto, independentemente do reconhecimento da legalidade dos descontos efetuados pelo INSS administrativamente, na forma do artigo 115 da Lei nº 8.213/91 e do artigo 154 do Decreto nº 3.048/99, e da própria boa ou má-fé da autora, de acordo com farta jurisprudência, não é cabível tal desconto quando o benefício de titularidade do segurado for de um salário mínimo. Nesse sentido:
MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. DESCONTOS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O desconto previsto no art. 115 da Lei 8.213/91, destinado à repetição de quantias recebidas indevidamente pelo segurado, é vedado quando implicar redução do valor mensal do benefício para aquém do valor do salário mínimo, prevalecendo, pois, o direito líquido e certo à vedação do recebimento de benefício abaixo do valor mínimo (art. 201, §2º da CF). (TRF4 5000189-68.2016.4.04.7117, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 05/06/2017)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. DESCONTO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. LIMITAÇÃO. PERIGO DE DANO. Não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal (Precedentes da Corte). Há "perigo de dano inverso", ou seja, há dano de difícil reparação na cassação da liminar possibilitando a que o INSS continue procedendo aos descontos no benefício do impetrante que se situariam abaixo do salário mínimo. (TRF4, AG 5020717-32.2019.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 04/02/2020)
Dessa forma, impõe-se a concessão da segurança pleiteada na inicial, para determinar ao INSS que cesse imediatamente os descontos realizados no benefício nº 631.392.579-7 a título de devolução de valores recebidos indevidamente.
Da tutela de urgência
A tutela de urgência, que exige o “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”, consoante acima anotado, pressupõe também a “probabilidade do direito”.
Eis a redação do citado dispositivo:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
No caso em julgamento, a probabilidade do direito invocado resta configurada, haja vista a procedência do pedido. Quanto ao risco de dano irreparável ou de difícil reparação, ele decorre naturalmente da natureza alimentar do benefício postulado, a qual, diante do princípio da proporcionalidade, deve prevalecer frente ao interesse da parte ré.
Ante o exposto, defiro o pedido de tutela de urgência para determinar à autoridade impetrada que que cesse imediatamente os descontos realizados no benefício previdenciário de aposentadoria por incapacidade permanente NB 631.392.579-7 a título de devolução de valores recebidos indevidamente quando ao benefício previdenciário de auxílio por incapacidade temporária NB 607.171.182- 0.
Mantida, portanto, a sentença.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa necessária.
Documento eletrônico assinado por MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003785940v7 e do código CRC 00ceb4e6.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5004527-52.2020.4.04.7115/RS
RELATOR: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: OSMAR ANTONIO RECALCATTI (IMPETRANTE)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. RESSARCIMENTO. LIMITAÇÃO DE DESCONTO EM BENEFÍCIO DE UM SALÁRIO MÍNIMO.
1. Não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.
2. Assim, o benefício previdenciário não pode ser inferior ao valor mínimo, sob pena de descumprimento de preceito constitucional cujo desiderato é garantir o mínimo existencial em observância do princípio da dignidade da pessoa humana.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 28 de março de 2023.
Documento eletrônico assinado por MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003785941v4 e do código CRC 678ce607.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 28/03/2023
Apelação/Remessa Necessária Nº 5004527-52.2020.4.04.7115/RS
RELATOR: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: OSMAR ANTONIO RECALCATTI (IMPETRANTE)
ADVOGADO(A): CARLA SPERONI SCHERER (OAB RS075134)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 28/03/2023, na sequência 43, disponibilizada no DE de 16/03/2023.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Votante: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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