Apelação Cível Nº 5004698-33.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: MIRIAN DA SILVA GIL (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
RELATÓRIO
MIRIAN DA SILVA GIL impetrou o presente mandado de segurança em face do(a) Gerente Regional do Ministério do Trabalho e Emprego - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - Caxias do Sul, objetivando a imediata liberação das parcelas retidas do seguro-desemprego.
A antecipação de tutela foi indeferida sem a interposição de agravo de instrumento.
A sentença denegou a segurança pleiteada (art. 6º, § 5º, da Lei nº 12.016/09).
Irresignado, o impetrante interpôs recuso de apelação sustentando, em síntese, pela tempestividade, que a autora não auferiu renda durante o período que deveria ter recebido as parcelas do benefício. Asseverou que, embora constar no quadro societário de uma empresa, esta encontra-se ausente de operação. Requereu, então, a reforma da sentença.
Com as contrarrazões vieram os autos, tendo o MPF opinado pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Ao apreciar o pedido formulado na inicial, a Juíza Federal Adriane Battisti manifestou-se nos seguintes termos:
(...)
Trata-se de mandado de segurança em que a impetrante pretende seja determinado à autoridade impetrada que proceda ao pagamento de benefício de seguro-desemprego.
No que tange à matéria em discussão, o art. 3º, V, da Lei nº 7.998/90, bem como o art. 3º, IV, da Resolução CODEFAT nº 467/2005, assim estabelecem (grifos acrescidos):
“Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:
(...)
V (IV) - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.”
Do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho acostado no evento 1 (OUT7), verifica-se que a impetrante manteve vínculo de emprego Associação Murialdinas de São José no período de 08-02-2016 a 01-02-2017, ocasião em que foi dispensado sem justa causa.
Em 20-02-2017 a autora requereu o benefício de seguro-desemprego nº 7741825997 (INFBEN2, evento 10), o qual foi indeferido em razão de a demandante perceber renda própria, sendo sócia de empresa desde 31-03-2005.
A autora afirma ser sócia da empresa Campo e Lar Construções Ltda. (CNPJ nº 02.860.495/0001-54), tendo apresentado Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF, indicando que a referida empresa permaneceu durante o mês de janeiro de 2017 sem efetuar qualquer movimentação financeira (OUT9, evento 1).
Todavia, não há como aferir, com base na prova documental carreada aos autos, se a impetrante auferia renda da empresa Campo e Lar Construções Ltda., da qual era sócia, no período imediatamente posterior ao término do vínculo empregatício mantido com Associação Murialdinas de São José, em 01-02-2017.
Nessa linha, não há direito líquido e certo ser resguardado nesta ocasião, considerando que não há um único documento a corroborar a inatividade da empresa no período em que a autora alega fazer jus ao benefício. A análise da situação relatada pela impetrante dependeria de dilação probatória, o que a via estreita do mandado de segurança não comporta.
Dessa forma, nos termos ora delineados, é caso de denegação da segurança pleiteada.
(...)
Do Seguro-desemprego
A proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário constitui direito social expressamente previsto nos art. 7º, II e art. 201, III, ambos da Constituição Federal.
A Lei 7.998/90 estabeleceu o Programa do Seguro-Desemprego, que tem por finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa (Lei 7.998/90, art. 2, I).
Os requisitos para concessão do seguro desemprego encontram-se disciplinados no artigo 3º da Lei 7.998/90:
Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:
I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a:
a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação;
b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e
c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;
II - (Revogado);
III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.
VI - matrícula e frequência, quando aplicável, nos termos do regulamento, em curso de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional habilitado pelo Ministério da Educação, nos termos do art. 18 da Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ofertado por meio da Bolsa-Formação Trabalhador concedida no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), instituído pela Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ou de vagas gratuitas na rede de educação profissional e tecnológica.
Os artigos 7º e 8º da Lei 7.998/90, por sua vez, tratam das hipóteses de suspensão e cancelamento do benefício:
Art. 7º O pagamento do benefício do seguro-desemprego será suspenso nas seguintes situações:
I - admissão do trabalhador em novo emprego;
II - início de percepção de benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto o auxílio-acidente, o auxílio suplementar e o abono de permanência em serviço;
III - início de percepção de auxílio-desemprego.
IV - recusa injustificada por parte do trabalhador desempregado em participar de ações de recolocação de emprego, conforme regulamentação do Codefat.
Art. 8o O benefício do seguro-desemprego será cancelado:
I - pela recusa por parte do trabalhador desempregado de outro emprego condizente com sua qualificação registrada ou declarada e com sua remuneração anterior;
II - por comprovação de falsidade na prestação das informações necessárias à habilitação;
III - por comprovação de fraude visando à percepção indevida do benefício do seguro-desemprego; ou
IV - por morte do segurado.
§ 1o Nos casos previstos nos incisos I a III deste artigo, será suspenso por um período de 2 (dois) anos, ressalvado o prazo de carência, o direito do trabalhador à percepção do seguro-desemprego, dobrando-se este período em caso de reincidência.
§ 2o O benefício poderá ser cancelado na hipótese de o beneficiário deixar de cumprir a condicionalidade de que trata o § 1o do art. 3o desta Lei, na forma do regulamento.
Conforme se verifica, inexiste vedação expressa ao deferimento do benefício seguro-desemprego ao sócio de empresa, ou até mesmo para o contribuinte individual, ante a taxatividade do rol de requisitos e das hipóteses de suspensão e cancelamento dispostos na Lei 7.998/90.
A qualidade de sócio de empresa do impetrante, por si só, não se presta para demonstrar a existência de renda própria ou de qualquer natureza prevista no art. 3º, V, da Lei 7.998/90, não podendo assim servir como única justificativa para o indeferimento do benefício.
No mesmo sentido já decidiu esta E. Corte, como se vê nas ementas a seguir transcritas:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO-DESEMPREGO. PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM EMPRESA INATIVA. AUSÊNCIA DE RENDA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. A mera manutenção do registro de empresa, não justifica o indeferimento do pedido de benefício de seguro-desemprego, pois tal fato não faz presumir a percepção de renda própria suficiente à manutenção do trabalhador. (TRF4 5048569-85.2016.404.7000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, juntado aos autos em 08/06/2017)
MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO-DESEMPREGO. SÓCIO DE EMPRESA INATIVA. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. O fato de o impetrante ser sócio de empresa, por si só, não impede o recebimento do seguro-desemprego por ele pretendido, porquanto não há elemento comprobatório de percepção de renda. 2. Mantida a concessão da segurança. (TRF4 5012927-42.2016.404.7003, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 24/05/2017)
EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO-DESEMPREGO. REQUISITOS. - Os artigos 7º e 8º da Lei nº 7.998/90, que regula o Programa do Seguro-Desemprego, tratam das hipóteses de suspensão e cancelamento do pagamento do benefício. - O cadastramento como segurado facultativo, ou a mera manutenção do registro de empresa, não justificam cancelamento ou suspensão do seguro-desemprego, pois não demonstram percepção de renda própria suficiente à manutenção do trabalhador. (TRF4 5000633-30.2017.404.7000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/05/2017)
Portanto, cabe salientar que constitui ônus da parte autora a comprovação da inatividade de fato da empresa, ou ainda, caso esta permaneça em atividade, a demonstração inequívoca da inexistência de rendimentos oriundos do empreendimento estabelecido.
Os documentos anexados à inicial não comprovam que a empresa estava inativa ou que ela foi extinta, ou, ainda, que ela tenha sido baixada perante a Junta Comercial, isso porque o instrumento de dissolução societária não foi averbado nos termos dos artigos 51 e 1.109 do Código Civil:
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.
§ 1o Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.
§ 2o As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3o Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.
(...)
Art. 1.109. Aprovadas as contas, encerra-se a liquidação, e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da assembléia. (grifou-se)
Do caso concreto
Como apontado na respeitável sentença, a Declaração de Débitos e Créditos juntada com a inicial, compreende apenas o mês de janeiro de 2016, mês em que a autora estava devidamente empregada, posto que demitida em fevereiro daquele ano.
Não resta dúvida da ausência de comprovação da negativa de percepção de renda nos meses posteriores ao desemprego da impetrante, que justifique e preencha os requisitos legais para o benefício do seguro-desemprego.
Portanto, não restou suficientemente comprovado a inatividade da empresa da qual a impetrante é sócia e, consequentemente, a ausência de renda própria no momento que houve a rescisão do contrato de trabalho, quando, então, poderia ter direito ao benefício do seguro-desemprego.
Sem honorários, conforme o art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Destaco ser descabida a fixação de honorários recursais, no âmbito do Mandado de Segurança, com fulcro no §11 do art. 85 do CPC/15, na medida em que tal dispositivo não incide nas hipóteses em que o pagamento da verba, na ação originária, não é devido por ausência de previsão legal, de acordo com os precedentes do STJ (AgInt no REsp 1507973/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 24/05/2016) e pelo STF (ARE 948578 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 03-08-2016 PUBLIC 04-08-2016).
Por derradeiro, em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5004698-33.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: MIRIAN DA SILVA GIL (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
EMENTA
MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO-DESEMPREGO. SÓCIO DE EMPRESA. renda própria. prova pré-constituída. ausência. declaração de inatividade que não se refere aos meses posteriores ao desemprego.
- A impetração de mandado de segurança exige a juntada aos autos de prova constituída, com aptidão para demonstrar a violação ao direito alegado pelo impetrante, em razão do próprio procedimento, que não admite dilação probatória.
- Constitui ônus do impetrante a comprovação da inatividade de fato da empresa, ou ainda, caso esta esteja em atividade, a demonstração inequívoca da inexistência de rendimentos oriundos do empreendimento estabelecido, o que não se verificou da documentação acostada com a inicial.
- A DCTF é referente ao mês de janeiro de 2016, momento em que a autora permanecia empregada, pois sua demissão ocorreu em abril daquele ano.
- Inexistentes documentos posteriores a data da demissão e capazes de elidir a conclusão da autoridade administrativa, não há como acolher a pretensão da impetrante, mostrando-se legítimo o indeferimento administrativo de concessão do benefício de seguro-desemprego, sendo adequada a sentença improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de setembro de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 23/09/2020
Apelação Cível Nº 5004698-33.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: MIRIAN DA SILVA GIL (IMPETRANTE)
ADVOGADO: DIEGO ARTHUR IGARASHI SANCHEZ (OAB PR092543)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 23/09/2020, na sequência 140, disponibilizada no DE de 11/09/2020.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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