Apelação Cível Nº 5010274-50.2019.4.04.7201/SC
RELATOR: Juiz Federal HERLON SCHVEITZER TRISTÃO
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas em face de sentença que julgou procedente em parte o pedido, nos seguintes termos (
):Diante do exposto,
1. JULGO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO o pedido de reconhecimento de labor especial nos intervalos de 04.10.1984 a 19.09.1990, 01.11.1990 a 16.08.1995 e 01.03.2006 a 30.09.2010, por falta de interesse de agir (art. 485, VI, do CPC);
2. JULGO PROCEDENTE o pedido de reconhecimento de atividade especial nos intervalos de 01.07.1997 a 30.05.2001, 01.08.2001 a 30.01.2003 e 06.10.2003 a 07.06.2005 (art. 487, I, do CPC);
3. JULGO IMPROCEDENTE o pedido de reconhecimento de atividade especial no intervalo de 01.04.2011 a 19.03.2017 (art. 487, I, do CPC).
O autor busca a reforma da sentença para reconhecimento da especialidade dos períodos de 01/03/2006 a 30/09/2010 e de 01/04/2011 a 19/03/2017 (Gira Comércio Varejista de Pneus Ltda), uma vez que esteve sujeito a hidrocarbonetos. Subsidiariamente, requer a baixa dos autos à origem para realização de perícia técnica para comprovação das condições ambientais quanto aos períodos. Pugna, assim, pelo reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria especial e/ou de aposentadoria por tempo de contribuição (
).O INSS recorre sustentando, em síntese, ser devido o afastamento da especialidade dos períodos de 01/07/1997 a 30/05/2001, 01/08/2001 a 30/01/2003 e de 06/10/2003 a 07/06/2005, considerando que para enquadramento da exposição a hidrocarbonetos é necessário o desempenho das atividades enumeradas na regra do anexo 1.2.10 do Decreto 83.080/1979, relacionadas a fabricação de componentes químicos, ou, se tratar de funções expostas permanentemente às poeiras, conforme Decreto 53.831/1964. Alega, ainda, que não bastam alegações genéricas, sendo necessária a efetiva comprovação das subsistências presentes (
).Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo do autor preenche os requisitos de admissibilidade.
No que se refere ao apelo do INSS, depreende-se que a tese recursal - defesa de mérito - não foi arguida pela parte ré em nenhuma das oportunidades em que se manifestou nos autos, mormente na contestação (
). Tampouco se trata, ademais, de matéria de ordem pública, a ensejar a apreciação de ofício por esta Corte.Trata-se, portanto, de inovação recursal, fenômeno caracterizado pela presença, no recurso, de argumentos jurídicos não discutidos na instância originária, malferindo o princípio da ampla defesa, implicando o não conhecimento da argumentação inovadora.
De fato, o Código de Processo Civil autoriza em seu art. 517 às partes a alegação, em sede de apelação, de questões de fato, não propostas no juízo de 1° Grau, desde que provem que deixaram de fazê-lo por motivo de força maior. Não comprovado o motivo de força maior, resta caracterizada a inovação recursal, não devendo ser o recurso conhecido.
O sistema processual brasileiro prevê etapa de preclusão para o réu da possibilidade de deduzir fatos que impugnem o direito alegado pelo autor. O momento da preclusão ocorre, em caráter geral, ao se extinguir o prazo de contestação, o que se extrai do texto dos arts. 141, 336 e 342 do CPC:
Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.
Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.
Art. 342. Depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando:
I - relativas a direito ou a fato superveniente;
II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;
III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição.
A jurisprudência deste Colegiado não admite a inovação processual quando deduzida em recurso de apelação:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. O sistema processual brasileiro prevê a preclusão para o réu da possibilidade de deduzir fatos que impugnem o direito alegado pelo autor. O momento da preclusão se dá, em caráter geral, ao se extinguir o prazo de contestação, o que se extrai do texto dos arts. 141, 336 e 342 do CPC. Aperfeiçoada a inovação recursal, fenômeno caracterizado pela presença, no recurso, de argumentos jurídicos não discutidos na instância originária, malferindo o princípio da ampla defesa, que na instância revisora deve prevalecer sobre o princípio iura novit curia, implicando o não conhecimento da argumentação inovadora. 2. A ausência de indicação, no formulário PPP, do responsável técnico pelos registros ambientais, durante todo o período cuja nocividade o autor pretende ver reconhecida, não o desvalida como meio de prova, inclusive em se tratando do agente físico ruído, porquanto evidencia a presença do agente insalubre em épocas mais atuais, sendo razoável assumir que, em época pretérita, as condições ambientais de trabalho eram piores, e não melhores. 3. Tendo em conta o recente julgamento do Tema nº 709 pelo STF, reconhecendo a constitucionalidade da regra inserta no § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, o beneficiário da aposentadoria especial não pode continuar no exercício da atividade nociva ou a ela retornar, seja esta atividade aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Implantado o benefício, seja na via administrativa, seja na judicial, o retorno voluntário ao trabalho nocivo ou a sua continuidade implicará na imediata cessação de seu pagamento. (TRF4, AC 5000446-24.2019.4.04.7203, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 11/10/2021)
Assim, não deve ser conhecida a apelação do INSS, nos termos do art. 932, III, do CPC, por se tratar de inovação recursal.
Do Interesse Processual
O interesse de agir afigura-se como uma das condições da ação e a sua ausência enseja o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito sem resolução do mérito, a teor do que dispõem os arts. 17, 330, III, e 485, VI, todos do Código de Processo Civil.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, em sede de repercussão geral, firmou a seguinte tese quanto ao Tema 350 (prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário):
I - A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas;
II – A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado;
III – Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão;
IV – Nas ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do RE 631.240/MG (03/09/2014) que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (a) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (b) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; e (c) as demais ações que não se enquadrem nos itens (a) e (b) serão sobrestadas e baixadas ao juiz de primeiro grau, que deverá intimar o autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse em agir. Comprovada a postulação administrativa, o juiz intimará o INSS para se manifestar acerca do pedido em até 90 dias. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir;
V – Em todos os casos acima – itens (a), (b) e (c) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
(RE 631240, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014) - grifado
Assim, está assentado o entendimento da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo de benefício previdenciário como pressuposto jurídico para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário, o que não se confunde com o exaurimento daquela esfera.
Exceção à regra os casos de reiterado entendimento contrário da Administração. Entretanto, desconheço alguma atividade que, demandada a análise na via administrativa com prova hábil para reconhecimento da especialidade apresentada, seja de plano indeferida, sem a competente verificação da prova.
No caso em apreço, a sentença julgou extinto o processo sem resolução de mérito em relação ao período de 01/03/2006 a 30/09/2010, por ausência de interesse de agir, tendo em vista que não houve a apresentação de formulário previdenciário na seara administrativa quanto ao intervalo (
).Contudo, considerando que o processo serve de instrumento à consecução do direito material e que as partes têm direito assegurado à tutela de mérito tempestiva, bem como à aplicação da lei com vista aos fins sociais e às exigências do bem comum (CPC, arts. 4º e 8º), não entendo viável a extinção do processo sem resolução do mérito, nesta fase processual, após o contraditório, instrução probatória e prolação de sentença.
Mérito
Tempo de Serviço Especial
O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Dito isso, tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991, em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, além do frio, em que necessária a mensuração de seus níveis, por meio de parecer técnico trazido aos autos ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais é imprescindível a perícia técnica, conforme visto acima;
c) após 06/03/1997, quando vigente o Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei 9.528/1997, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
d) a partir de 01/01/2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação do tempo especial desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. Nesse sentido, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em regra, trazido aos autos o PPP, dispensável a juntada do respectivo laudo técnico ambiental, inclusive em se tratando de ruído, na medida em que o documento já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Ressalva-se, todavia, a necessidade da apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP (STJ, Petição 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 16/02/2017).
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 05/03/1997, e, a partir de 06/03/1997, os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/06/2003).
Ainda, o STJ firmou a seguinte tese no Tema 534: As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991).
Acerca da conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/05/1998.
Assim, considerando que o § 5.º do art. 57 da Lei 8.213/1991 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Agente Nocivo Hidrocarbonetos
O código 1.2.11 do Decreto 53.831/1964 reconhecia o direito ao cômputo como tempo especial das operações executadas com derivados tóxicos do carbono, como hidrocarbonetos (ano, eno, ino), referindo o enquadramento dos trabalhos permanentes expostos às poeiras, gases, vapores, neblinas e fumos de derivados do carbono constantes da Relação Internacional das Substâncias Nocivas publicada no Regulamento Tipo de Segurança da O.I.T. - tais como: cloreto de metila, tetracloreto de carbono, tricloroetileno, clorofórmio, bromureto de metila, nitro benzeno, gasolina, alcoóis, acetona, acetatos, pentano, metano, hexano, sulfureto de carbono, etc.
O Decreto 83.080/1979, por sua vez, incluiu no código 1.2.10 – Hidrocarbonetos e outros compostos de carbono – atividades como: fabricação de benzol, toluol, xilol (benzeno, tolueno, xileno), fabricação e aplicação de inseticidas clorados derivados de hidrocarbonetos, fabricação de solventes para tintas, lacas e vernizes, contendo benzol, toluol e xilol, entre outas.
Registro que, conquanto o Decreto 2.172/1997 e o Decreto 3.048/1999 não prevejam este agente em seus anexos, este Tribunal possui entendimento pacificado no sentido de ser possível, mesmo após 06/03/1997, o reconhecimento da especialidade do labor exercido com exposição a hidrocarbonetos aromáticos.
De outro norte, a aplicação da NR 15, aprovada pela Portaria 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego, para além do campo do direito do trabalho, alcançando as causas previdenciárias, ocorreu a partir da Medida Provisória 1.729, de 02/12/1998, convertida na Lei 9.732/1998, quando a redação do art. 58, § 1º, da Lei 8.213/1991 passou a incluir a expressão "nos termos da legislação trabalhista":
Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista." (grifei)
Portanto, a partir de 03/12/1998, as disposições trabalhistas concernentes à caracterização de atividades ou operações insalubres (NR 15), com os respectivos conceitos de "limites de tolerância", "concentração", "natureza" e "tempo de exposição ao agente" passam a influir na caracterização da natureza de uma dada atividade (se especial ou comum).
Havendo a especificação dos tipos de agentes químicos presentes no ambiente laboral, deve-se observar a análise quantitativa prevista no Anexo 11 da NR 15 para os ali previstos, somente sendo enquadrado como tempo especial quando excedidos os limites de tolerância estabelecidos na referida norma, à exceção daqueles com absorção cutânea, pois para esse tipo de contato não há limites seguros de exposição. Por outro lado, no Anexo 13 da NR 15 constam Hidrocarbonetos e Outros Compostos de Carbono, entre outros agentes químicos, bastando análise qualitativa.
No que tange aos óleos minerais, vinha entendendo que o caráter cancerígeno mencionado na LINACH - Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos - restringia-se somente àqueles não tratados ou pouco tratados. Considerando que os óleos refinados, presentes no mercado brasileiro têm, em sua composição, percentuais de hidrocarbonetos aromáticos em níveis seguramente baixos, entendia não haver como ser reconhecida a simples referência a óleos minerais como agentes cancerígenos para fins de exclusão do afastamento da especialidade pelo uso de EPI.
Entendia, ainda, que nem todo hidrocarboneto aromático é reconhecidamente cancerígeno, vez que a presença do anel benzênico na estrutura molecular não importa equiparação ao benzeno propriamente dito, pois o arranjo químico distinto confere características e propriedades singulares aos compostos. Conforme a classificação atual da Agência Internacional para a Investigação do Câncer (https://monographs.iarc.who.int/list-of-classifications), tomada por base para publicação da LINACH em 2014, o tolueno (ou metil benzeno), por exemplo, hidrocarboneto aromático presente em colas utilizadas na indústria de calçados e em marcenaria, é classificado no grupo 3, desde 1999, evidenciando não se tratar de composto carcinogênico.
Adotava como fundamento a Nota Técnica 2/2022 da Fundacentro, em resposta a requisição da Turma Nacional de Uniformização, por ocasião da afetação do Tema 298, que dispõe:
2.6. ÓLEOS MINERAIS E GRAXAS
2.6.1. Os óleos minerais são derivados do petróleo, e portanto, constituídos de mistura complexa de uma grande variedade de substâncias, principalmente hidrocarbonetos de elevado peso molecular, de cadeia longa contendo entre 15 a 50 carbonos, podendo tanto ser alifáticos (hidrocarbonetos de cadeias abertas ou fechadas – cíclicas – não aromáticas) como aromáticos (apresentam como cadeia principal anéis aromáticos).
2.6.2. O Óleo mineral é uma classe de compostos que compreende uma diversidade de produtos, tais como óleo básico lubrificante, parafina líquida, petrolato líquido pesado, óleo branco ou vaselina líquida. É um produto secundário obtido a partir do refino e beneficiamento do petróleo cru.
(...)
2.6.4. Quanto a sua nocividade, os óleos minerais altamente purificados (portanto isentos de HPAs) não têm potencial carcinogênico e podem ser usados inclusive em medicamentos ou cosméticos.
2.6.5. Como exemplo, algumas unidades de refino tem como produto final Microcrystalline Parafin Wax 170/190, um tipo de parafina aprovada pela agência governamental americana responsável pela regulamentação de alimentos e medicamentos para consumo nos EUA - FDA 178.37107 . No Brasil, essa parafina é utilizada nas indústrias alimentícia, farmacêutica e cosmética. Neste produto obviamente não há agente químico cancerígeno, dada sua utilização em produtos alimentícios comercializados em grande escala. Já em outras refinarias, um dos produtos finais é o óleo Spindle 60, que é utilizado pela indústria farmacêutica como base para a produção de óleo corporal para bebês (por ex.: Óleo Jonhson ́s r).
2.6.6. Óleos minerais não tratados, contendo hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, quais sejam, óleos minerais não refinados ou parcialmente refinados com teor (% em massa) de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos maior que 3% extraível com DMSO pelo método IP 346, podem ser considerados potencialmente carcinogênicos e por essa razão, estão relacionados no Anexo XIII da NR15 para análise qualitativa.
2.6.7. Vale dizer que na década de 70, à época da redação do Anexo XIII da NR 15/1978, não existia o controle do grau de refino dos óleos minerais para remover o conteúdo de HPA, justificando-se que à regulação visava proteger os trabalhadores à exposição desses produtos. Entretanto a partir da década de 1980, os óleos minerais destinados à fabricação de lubrificantes e graxas passaram a ser refinados para remoção dos HPAs.
2.6.8. A partir da década de 90, o método IP 346 passou a ser utilizado para determinação do teor de HPA e, atualmente, os óleos minerais utilizados nas indústrias são altamente refinados e contém menos de 3% em massa de extrato em DMSO determinado pelo método IP 346. Essa informação está contida, usualmente, nas fichas de óleos minerais ou de produtos produzidos nas refinarias brasileiras.
A Nota Técnica conclui que:
(...)
d) Hidrocarbonetos refere-se a uma ampla gama de produtos com composição e toxicidade variadas desde produtos seguros para consumo humano até produtos cuja exposição pode causar câncer.
e) Nem toda substância que contêm anel aromático de 06 carbonos (anel benzênico) tem as mesmas características toxicológicas do benzeno.
f) Os produtos que contêm óleo mineral, tais como lubrificantes, óleos de corte e graxas, somente são classificados como carcinogênico se o teor de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) presente na composição do óleo for maior que 3% extraível com DMSO pelo método IP346. O que somente ocorrerá se o óleo não for refinado.
Não obstante, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento da Reclamação 5036135-68.2023.4.04.0000, proferiu, por maioria de votos, decisão no seguinte sentido:
PREVIDENCIÁRIO. RECLAMAÇÃO. ARGUMENTO DE AFRONTA À TESE FIRMADA NO IRDR 15/TRF4. EPI. INEFICAZ. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. AGENTE QUÍMICO CANCERÍGENO. HIDROCARBONETO AROMÁTICO. PROCEDÊNCIA. 1. Reclamação fundamentada na irrelevância, para fins de neutralização da nocividade do trabalho, da utilização de EPIs, em se tratando de agente nocivo reconhecidamente cancerígeno. 2. A tese fixada no julgamento do IRDR 15/TRF4 não excluiu o segurado contribuinte individual. A distinção a ser feita não diz respeito a quem possui a responsabilidade (ou não) pelo uso de EPI, mas aos agentes nocivos aos quais está exposto o obreiro. Não é razoável desconsiderar a informação de EPI eficaz para o empregado e não para o contribuinte individual, quando o que está em jogo é a incerteza sobre a eficácia frente a agentes agressivos para os quais não se conhece. 3. Embora o segurado contribuinte individual que exerce atividade nociva figure como o único responsável pelo resguardo de sua integridade física, recaindo sobre ele o ônus de se preservar dos efeitos deletérios do trabalho, mediante efetivo emprego de EPIs, a aplicação de cremes de proteção para mãos não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes químicos agressivos à saúde, pois são equipamentos destinados apenas à proteção das mãos e dos braços, promovendo exclusivamente a proteção cutânea, enquanto o contato com hidrocarbonetos aromáticos acarreta danos ao organismo que extrapolam as patologias cutâneas. Idêntico raciocínio se aplica aos óculos de proteção e ao guarda-pó. 4. Os hidrocarbonetos aromáticos são compostos orgânicos considerados tóxicos, que possuem um ou mais anéis benzênicos ou núcleos aromáticos. O Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria Interministerial nº 9, publicando a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos, sendo que, no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, está arrolado o agente químico benzeno (descrito no código 1.0.3 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 e registrado na LINACH com CAS sob o código 000071-43-2), o que já basta para a comprovação da efetiva exposição do empregado. 5. Conforme se extrai da leitura conjugada do art. 68, § 4º, do Decreto 3.048/99 e do art. 284, parágrafo único, da IN/INSS 77/2015, os riscos ocupacionais gerados pelos agentes cancerígenos constantes no Grupo I da LINHAC, estabelecida pela Portaria Interministerial n° 09/2014, não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa, tampouco importando a adoção de EPI ou EPC, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999. 6. Reclamação julgada procedente. (TRF4 5036135-68.2023.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator para Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 30/06/2024) - grifei
Destaco que o voto do e. Relator, Desembargador Sebastião Ogê Muniz, menciona trecho do Manual da Aposentadoria Especial, utilizado pelo INSS, que diferencia os tipos de hidrocarbonetos, reforçando que o grau de carcinogenicidade depende do nível de refino do óleo mineral:
a) na avaliação desses agentes químicos é necessária inicialmente a caracterização da composição do óleo ou graxa, pois a exposição a alguns óleos pode constituir sério risco carcinogênico enquanto a outros, altamente refinados, solúveis, com emulsificante, não haver riscos carcinogênicos;
b) no caso das graxas, o que pode conferir-lhes característica carcinogênica são os ingredientes do óleo usados para preparar a graxa;
c) os óleos minerais são constituídos de mistura complexa de uma grande variedade de substâncias, principalmente hidrocarbonetos de elevado peso molecular, podendo tanto ser alifáticos (hidrocarbonetos de cadeias abertas ou fechadas – cíclicas – não aromáticas) como aromáticos (apresentam como cadeia principal anéis benzênicos);
d) somente serão considerados agentes caracterizadores de período especial, aqueles que possuírem potencial carcinogênico (presença de compostos aromáticos em sua estrutura molecular). Assim, sabe-se que os óleos altamente purificados não têm potencial carcinogênico e podem ser usados inclusive em medicamentos ou cosméticos;
e) óleos minerais contendo hidrocarbonetos policíclicos aromáticos são considerados potencialmente carcinogênicos e, por essa razão, estão relacionados no Anexo 13 da NR-15, aprovada pela Portaria nº 3.214, de 1978, do MTE para análise qualitativa;
f) existem métodos para classificar os óleos minerais potencialmente carcinogênicos e o não carcinogênicos. Porém, as fichas dos produtos podem não conter tal informação e por isso há o entendimento frequente e equivocado de que o contato direto da pele com quaisquer óleos minerais seja cancerígeno. Para buscar tais informações pode-se recorrer à Ficha de Informações de Segurança do Produto Químico – FISPQ e/ou bibliografia especializada; e
g) o manuseio ou manipulação de óleo mineral onde haja contato com a pele está previsto no Anexo 13 da NR-15. Entretanto, até 5 de março de 1997, não poderá haver reconhecimento do período como especial, vez que não está previsto o enquadramento por contato com a pele no Decreto nº 53.831, de 1964. Vale ressaltar que, atualmente, a grande maioria dos óleos minerais são sintéticos, portanto, sem potencial de nocividade.
Todavia, restou vitoriosa a tese defendida pelo Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz (Relator para o Acórdão), no sentido de que a mera presença de anéis benzênicos na fórmula dos hidrocarbonetos os tornam cancerígenos, independentemente de sua classificação ou composição química.
Desse modo, com ressalva de entendimento pessoal, passo a adotar o posicionamento da 3ª Seção, no sentido de que todos os hidrocarbonetos, aromáticos ou alifáticos, assim como todos os óleos minerais e graxas, são cancerígenos para o ser humano, de modo que a simples exposição (qualitativa) enseja o reconhecimento da atividade como especial, independentemente do nível de concentração no ambiente de trabalho e independentemente de existência de EPC e/ou EPI eficaz, sendo inexigível a permanência da exposição.
Do Caso Concreto
Os pontos controvertidos nos presentes autos dizem respeito ao reconhecimento da especialidade nos intervalos de 01/03/2006 a 30/09/2010 e de 01/04/2011 a 19/03/2017, na função de chefe de pátio junto ao setor operacional da empresa Gira Comércio Varejista de Pneus Ltda.
Os principais documentos que instruem o processo são os seguintes: i) CTPS (
, p. 2); ii) PPP ( , e ); e iii) PPRA/LTCAT ( e ).Conforme profissiografias, o autor era responsável por "realizar atividades de geometria e balanceamento dos veículos com equipamentos específicos para a atividade, montagem de pneus, suspensão, freios e concerto de pneus e rodas", assim como por fazer o acompanhamento das atividades dos demais funcionários.
Extrai-se dos PPPs (
e ), corroborados por laudos técnicos ( e ), que o segurado estava exposto a óleo e graxa mineral (hidrocarbonetos), em razão do contato dérmico nas atividades de manutenção mecânica.Comprovada a exposição a hidrocarbonetos, agentes cancerígenos para o ser humano, a simples exposição (qualitativa) enseja o reconhecimento da atividade como especial, independentemente do nível de concentração no ambiente de trabalho e da existência de EPC e/ou EPI eficaz, sendo inexigível a permanência da exposição.
Destarte, dado provimento ao apelo do autor, no tópico, para reconhecer a especialidade dos períodos de 01/03/2006 a 30/09/2010 e de 01/04/2011 a 19/03/2017, ficando prejudicado o pedido subsidiário de retorno dos autos à origem para produção de prova pericial.
Requisitos para Aposentadoria
Considerando o tempo especial ora reconhecido (01/03/2006 a 30/09/2010 e 01/04/2011 a 19/03/2017), tem-se que o autor implementa mais de 25 anos em atividade especial, fazendo jus ao benefício de aposentadoria especial, desde a DER em 13/06/2017.
O autor também preenche os requisitos, na DER, à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, contando com mais de 35 anos de contribuição.
Verificado o preenchimento dos requisitos para a concessão tanto da aposentadoria especial como da aposentadoria por tempo de contribuição, possibilita-se à parte autora a opção, na fase de cumprimento da sentença, pelo benefício que lhe for mais vantajoso, considerando a necessidade de afastamento da atividade nociva em caso de implantação de aposentadoria especial.
Considerando a titularidade de aposentadoria desde 16/08/2021 (NB 42/187.297.254-0), e que o ajuizamento da ação se deu antes dessa data, em 14/05/2019, incide, no caso, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1018, cujo trânsito em julgado ocorreu em 16/09/2022, em que foi firmada a seguinte tese:
O Segurado tem direito de opção pelo benefício mais vantajoso concedido administrativamente, no curso de ação judicial em que se reconheceu benefício menos vantajoso. Em cumprimento de sentença, o segurado possui o direito à manutenção do benefício previdenciário concedido administrativamente no curso da ação judicial e, concomitantemente, à execução das parcelas do benefício reconhecido na via judicial, limitadas à data de implantação daquele conferido na via administrativa.
Destaco que não se trata de desaposentação, mas de mera opção por benefício mais vantajoso, concedido na esfera administrativa durante o trâmite do processo judicial.
Afastamento da Atividade Especial
A Lei 8.213/1991 prevê, em seu art. 46, que o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.
Por outro lado, o § 8º do art. 57 (que trata da aposentadoria especial) da Lei 8.213/1991, incluído pela Lei 9.732, de 11/12/1998, dispõe:
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral no RE 788.092/SC (Tema 709), firmando a seguinte tese:
I - É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; II - Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.
E do corpo do acórdão se extrai:
Na aposentadoria especial, a presunção de incapacidade é absoluta – tanto que, para obtenção do benefício, não se faz necessária a realização de perícia ou a demonstração efetiva de incapacidade laboral, bastando apenas e tão somente a comprovação do tempo de serviço e da exposição aos agentes danosos. Nessa hipótese, a aposentação se dá de forma precoce porque o legislador presume que, em virtude da nocividade das atividades desempenhadas, o trabalhador sofrerá um desgaste maior do que o normal de sua saúde. Dito em outras palavras, o tempo para aposentadoria é reduzido em relação às outras categorias porque, ante a natureza demasiado desgastante e/ou extenuante do serviço executado, entendeu-se por bem que o exercente de atividade especial deva laborar por menos tempo – seria essa uma forma de compensá-lo e, sobretudo, de protegê-lo.
Ora, se a presunção de incapacidade é, consoante dito, absoluta; se a finalidade da instituição do benefício em questão é, em essência, resguardar a saúde e o bem-estar do trabalhador que desempenha atividade especial; se o intuito da norma, ao possibilitar a ele a aposentadoria antecipada, é justamente retirá-lo do ambiente insalubre e prejudicial a sua incolumidade física, a fim de que não tenha sua integridade severa e irremediavelmente afetada, qual seria o sentido de se permitir que o indivíduo perceba a aposentadoria especial mas continue a desempenhar atividade nociva? Como se nota, sob essa óptica, a previsão do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, é absolutamente razoável e consentânea com a vontade do legislador.
Desarrazoado, ilógico e flagrantemente contrário à ideia que guiou a instituição do benefício é, justamente, permitir o retorno ao labor especial ou sua continuidade após a obtenção da aposentadoria – prática que contraria em tudo o propósito do benefício e que significa ferir de morte sua razão de ser.
Desta forma, uma vez implantado o benefício – desde quando preenchidos os requisitos – deve haver o afastamento da atividade tida por especial, inexistindo inconstitucionalidade no § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, não sendo justificável o condicionamento de sua implantação ao prévio distanciamento da atividade nociva.
Não obstante, constatada a continuidade do exercício de atividade nociva, eventual suspensão do benefício não pode dispensar o devido processo legal, cabendo ao INSS, na via administrativa, proceder à notificação do segurado para defesa, oportunizando prazo para que comprove o afastamento da atividade nociva ou, então, para que regularize a situação.
Por fim, nada impede que o autor opte, em fase de cumprimento de sentença, pela implantação do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde que igualmente atendidos os requisitos para tal com a conversão do tempo especial em comum, mantendo-se a possibilidade da continuidade do labor, inclusive na atividade nociva, vez que a vedação é aplicável apenas no caso da aposentadoria especial com tempo reduzido.
Efeitos Financeiros
A questão atinente ao termo inicial dos efeitos financeiros de benefício em casos como o ora analisado encontra-se em debate no Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1124), sendo submetida a julgamento a seguinte questão:
Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS, se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.
Em havendo determinação de suspensão nacional dos feitos em que discutida essa questão, e com o objetivo de evitar prejuízo à razoável duração do processo, bem como a interposição de recurso especial especificamente quanto à matéria, a melhor alternativa é diferir, para momento posterior ao julgamento do tema, o respectivo exame. Mitiga-se, assim, o impacto de controvérsia secundária sobre a prestação jurisdicional, já que o resultado do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça não afetará o direito ao benefício em si, mas apenas o termo inicial dos efeitos financeiros dele decorrente.
Assim, deverá ser observado pelo juízo de origem, oportunamente, o que vier a ser decidido pelo tribunal superior quanto ao ponto.
Correção Monetária e Juros
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11/08/2006 e 08/12/2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02/03/2018), inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, entre 29/06/2009 e 08/12/2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários Sucumbenciais
Modificada a solução da lide, pagará o INSS honorários advocatícios fixados em 10% do valor das parcelas vencidas até a data do acórdão, a teor das Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte, conforme tese firmada pelo STJ no julgamento do Tema 1.105.
Tutela Específica
Deixo de determinar a imediata implantação, uma vez que necessária a apuração pelo INSS do melhor benefício, devendo a parte autora optar por aquele que considerar mais vantajoso, considerando a necessidade de afastamento da atividade nociva no caso de concessão do benefício de aposentadoria especial.
Compensação de Prestações Inacumuláveis
Devem ser abatidos das prestações devidas na presente demanda os valores eventualmente já adimplidos pelo INSS a título de benefício inacumulável no mesmo período, seja administrativamente ou em razão de antecipação de tutela, observando-se a tese firmada no IRDR 14 - TRF 4ª Região e Tema 1.207 do Superior Tribunal de Justiça.
Prequestionamento
No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Conclusão
Dado provimento ao apelo do autor, para:
- reconhecer o interesse de agir em relação ao pedido de reconhecimento do tempo especial de 01/03/2006 a 30/09/2010;
- reconhecer a especialidade dos períodos de 01/03/2006 a 30/09/2010 e 01/04/2011 a 19/03/2017, base 25 anos; e
- reconhecer o direito aos benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria especial, desde a DER (13/06/2017), devendo optar por aquele que considerar mais vantajoso.
Diferida a questão atinente ao termo inicial dos efeitos financeiros de benefício, conforme determinado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1124.
Não conhecido o apelo do INSS, em razão da inovação recursal.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer o apelo do INSS e dar provimento à apelação do autor.
Documento eletrônico assinado por HERLON SCHVEITZER TRISTÃO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004763347v13 e do código CRC 552888b2.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5010274-50.2019.4.04.7201/SC
RELATOR: Juiz Federal HERLON SCHVEITZER TRISTÃO
EMENTA
previdenciário. processo civil. inovação recursal. apelo do inss não conhecido. interesse processual. configuração. tempo especial. hidrocarbonetos. comprovação. especialidade reconhecida. aposentadoria especial. afastamento da atividade nociva. necessidade. efeitos financeiros. tema 1124 do stj.
1. Não se conhece do recurso quando o recorrente nele suscita matéria que não tenha sido objeto de alegação e, portanto, submetida à análise ao juízo de primeiro grau.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, em que foi reconhecida a repercussão geral da matéria, decidiu que a concessão de benefícios previdenciários depende de prévio requerimento administrativo, para que se configure o interesse de agir daquele que postula benefício previdenciário, por meio de ação judicial. Não se tratando de enquadramento por categoria profissional, a mera juntada da CTPS não basta para configurar o interesse processual.
3. Todavia, considerando que o processo serve de instrumento à consecução do direito material e que as partes têm direito assegurado à tutela de mérito tempestiva, bem como à aplicação da lei com vista aos fins sociais e às exigências do bem comum (CPC, arts. 4º e 8º), descabida a extinção do processo sem resolução do mérito após o contraditório, instrução probatória e prolação de sentença.
4. Conforme decisão proferida pela 3ª Seção deste Tribunal, na Reclamação 5036135-68.2023.4.04.0000, os hidrocarbonetos são cancerígenos para o ser humano, de modo que a simples exposição (qualitativa) enseja o reconhecimento da atividade como especial, independentemente do nível de concentração no ambiente de trabalho e da existência de EPC e/ou EPI eficaz, sendo inexigível a permanência da exposição.
5. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral no RE 788.092/SC (Tema 709), firmando a tese de que é constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.
6. Implantado o benefício – desde quando preenchidos os requisitos – deve haver o afastamento da atividade tida por especial, inexistindo inconstitucionalidade no § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, não sendo justificável o condicionamento de sua implantação ao prévio distanciamento da atividade nociva.
7. Cabe à autarquia, na fase de cumprimento de sentença, verificar o preenchimento dos requisitos para a concessão tanto da aposentadoria especial como para aposentadoria por tempo de contribuição e apurar o melhor benefício, possibilitando à parte autora a escolha pelo que lhe for mais conveniente, considerando a necessidade de afastamento da atividade em caso de concessão de aposentadoria especial.
8. Em havendo determinação de suspensão nacional dos feitos em que discutida esta questão, difere-se a questão do termo inicial do benefício, quanto aos efeitos financeiros, para após o julgamento do Tema 1124 do STJ.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer o apelo do INSS e dar provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 27 de novembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por HERLON SCHVEITZER TRISTÃO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004763348v5 e do código CRC 3f6eb9f6.Informações adicionais da assinatura:
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/11/2024 A 27/11/2024
Apelação Cível Nº 5010274-50.2019.4.04.7201/SC
RELATOR: Juiz Federal HERLON SCHVEITZER TRISTÃO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/11/2024, às 00:00, a 27/11/2024, às 16:00, na sequência 844, disponibilizada no DE de 07/11/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER O APELO DO INSS E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal HERLON SCHVEITZER TRISTÃO
Votante: Juiz Federal HERLON SCHVEITZER TRISTÃO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 22:24:48.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas