Apelação Cível Nº 5004642-83.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEOMAR CANTONI
ADVOGADO(A): GLAUBER CASARIN (OAB RS063881)
ADVOGADO(A): CLAUDIO CASARIN (OAB RS010794)
RELATÓRIO
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpôs recurso de apelação (
) contra sentença proferida em 23/11/2021 ( ) que julgou o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por LEOMAR CANTONI, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, para o fim de para o fim de RECONHECER o efetivo exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, na condição de segurado especial, por parte de LEOMAR CANTONI, durante os períodos de 07/11/1984 a 30/08/1997 e de 20/01/1998 a 20/11/2000 e DETERMINAR ao requerido que proceda ao respectivo cômputo para pedido de aposentadoria futuro.
Havendo sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de metade das custas processuais e dos honorários ao Procurador Federal atuante no processo, no valor de R$ 1.000,00, considerando os vetores do art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC.
O INSS é isento de custas, respondendo tão somente pela metade das despesas processuais.
Resta a Autarquia ré condenada ao pagamento dos honorários ao procurador da parte autora, os quais vão igualmente arbitrados em R$ 1.000,00, com base nos mesmos parâmetros.
A verba honorária deverá ser corrigida monetariamente pelo INPC a contar da data da publicação da sentença, com incidência de juros moratórios a contar do trânsito em julgado, observados os índices aplicáveis à caderneta de poupança.
Sentença não sujeita a reexame necessário, uma vez que o proveito econômico obtido pela parte autora não alcança o limite previsto no art. 496, §3º, I, do CPC.
Em suas razões, a Autarquia refere, em síntese, a necessidade de se indenizar o período rural posterior a 31/10/1991 para viabilizar a sua averbação. Assim, requer a reforma da sentença, no ponto, com a determinação, inclusive, de acréscimo dos consectários pertinentes, ou seja, de juros e de multa, na forma da legislação aplicável. Outrossim, o INSS aduz que, caso o autor pretenda o cômputo dos períodos indenizados para efeito de aposentadoria por tempo de contribuição, a consideração de tais interregnos só deverá produzir efeitos a partir da efetiva indenização das contribuições.
Com contrarrazões ao recurso (
), vieram os autos a este Tribunal para julgamento.VOTO
Legislação aplicável
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Recebimento do recurso
Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.
Remessa oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Corte Especial, julgado em 4/11/2009, DJe 3/12/2009).
No caso concreto, tendo em conta que o valor da condenação fica aquém do limite referido artigo 496, §3º, inciso I, do NCPC/2015, ainda que considerados os critérios de juros e correção monetária, a sentença proferida nos autos não está sujeita a reexame necessário.
Atividade rural - indenização após 31/10/1991 - efeitos financeiros
A Autarquia aduz que a sentença recorrida julgou parcialmente procedente o pedido do autor para condená-la a averbar em favor do segurado os períodos de atividade rural de 07/11/1984 a 30/08/1997 e de 20/01/1998 a 20/11/2000 para fins previdenciários.
Inconformada, defende a necessidade de se indenizar o período rural posterior a 31/10/1991 para que a sua averbação seja viabilizada, postulando, também que referida indenização seja acrescida dos consectários pertinentes e que, caso o autor pretenda cômputo dos períodos indenizados para efeito de aposentadoria por tempo de contribuição, a consideração de tais interregnos só deverá produzir efeito a partir da efetiva indenização das contribuições.
Acerca do tema, compreendia que, nada obstante o tempo de contribuição poderia ser computado para fins de cálculo do benefício na DER, o termo inicial dos efeitos financeiros, de regra, deveria ser fixado na data do efetivo recolhimento das contribuições em atraso.
Todavia, refletindo melhor acerca da questão, convenci-me de que tal separação temporal entre aludidos marcos não mais se sustenta. Explico.
De fato, qualquer possibilidade de indenização do período rural posterior a outubro de 1991 estará sempre condicionada ao prévio reconhecimento, por parte do INSS, e até mesmo do Poder Judiciário, de que o segurado efetivamente tenha desempenhado trabalho rural, nos termos e nas condições exigidas pela legislação previdenciária. Afinal, não há sentido algum para o segurado em indenizar período rural sem que tenha ao menos alguma segurança de que aludido período de tempo será reconhecido. Aliás, mesmo que ele quisesse indenizar, não conseguiria, pois o INSS não emite as guias, caso negue o reconhecimento do tempo rural pleiteado.
Diante deste contexto, penso que se mostra mais consentâneo com os princípios que norteiam o Direito Previdenciário, que seja declarado o direito à concessão do benefício e efeitos financeiros desde a DER, com a respectiva implantação, todavia, submetida à condição suspensiva, consubstanciada na efetiva indenização do tempo rural já reconhecido.
Nesse sentido, julgado desta Sexta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. PERÍODO PRETÉRITO. FORMA DE CÁLCULO. JUROS MORATÓRIOS E MULTA. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECOLHIMENTO DA INDENIZAÇÃO. CONDIÇÃO SUSPENSIVA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. O reconhecimento de tempo de serviço prestado na área rural após 31.10.1991, para efeito de concessão de benefício no Regime Geral da Previdência Social, está condicionado ao recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes. Ausente tal recolhimento, resta declarado o desempenho de atividade rural em regime de economia familiar e assegurado o direito do autor ter o período correspondente somado a seu tempo de contribuição assim que regularizado o pagamento das contribuições devidas. 3. São devidos juros de mora e multa sobre as contribuições recolhidas com atraso pelos segurados contribuintes individuais a partir da edição da MP 1523, de 11.10.1996, posteriormente convertida na Lei 9528/97, que acrescentou o § 4.º, ao artigo 45, da Lei 8212/91. 4. Preenchidos os requisitos de tempo de contribuição e carência até a promulgação da Emenda Constitucional 103/2019, é devida à parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. 5. É possível a declaração do direito do segurado à obtenção do benefício de aposentadoria ainda que mediante o cômputo de período de labor rural posterior a 31/10/1991 pendente do recolhimento da respectiva e necessária indenização, sendo tal recolhimento condição suspensiva para a implantação do benefício, sem, contudo, afastar o direito do segurado, uma vez providenciado o pagamento, à implantação do benefício e à percepção dos valores atrasados desde a DER. (TRF4, AC 5023134-60.2021.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 26/03/2023).
Peço vênia para transcrever excertos do voto proferido pelo eminente relator e adotá-los como razões de decidir, na medida em que bem contextualizam como se deu a evolução do entendimento no âmbito deste Colegiado:
Da indenização do período de labor rural posterior a 10/1991 e dos efeitos financeiros do benefício concedido
Requereu a parte autora a expedição das guias de pagamento das contribuições previdenciárias referentes ao período de labor rural posterior a 31/10/1991 reconhecido no presente processo, para fins de aproveitamento desse intervalo na concessão do benefício em análise.
A jurisprudência desta Turma consolidou o entendimento de que, nos casos de indenização de períodos de labor rural posteriores a 31/10/1991 recolhida no curso do processo judicial, tal recolhimento deve possuir efeitos retroativos à DER para fins de enquadramento na legislação previdenciária, em razão das características diferenciadas do labor rural, que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a partir do momento da prestação do trabalho e pode ser aproveitado, desde logo e independentemente de qualquer indenização, para concessão de outras modalidades de aposentadoria, como as aposentadorias por idade rural ou híbrida.
Todavia, inicialmente entendeu a Turma, que os efeitos financeiros da concessão do benefício, em regra, não deveriam retroagir à data do recolhimento das contribuições pendentes. Transcrevo julgado de minha relatoria que bem ilustra tal posicionamento:
QUESTÃO DE ORDEM. RECOLHIMENTO, NO CURSO DO PROCESSO, DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS RELATIVAS AO PERÍODO DE LABOR RURAL POSTERIOR A 31.10.1991. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO COM EFEITOS RETROATIVOS À DER PARA FINS DE ENQUADRAMENTO NA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
1. O tempo de desempenho de labor rural em regime de economia familiar tem características diferenciadas, pois, em que pese seja exigido o recolhimento de contribuições previdenciárias para fins de seu aproveitamento na concessão de benefícios por tempo de contribuição, quando se trata de períodos posteriores à 31.10.1991, data de início da vigência da Lei 8.213/1991, tais intervalos se incorporam ao patrimônio jurídico do trabalhador a partir do momento da prestação do trabalho, podendo ser aproveitados, desde logo e independentemente de qualquer outra formalidade, para outros fins, como, por exemplo, a concessão de aposentadorias por idade rural ou híbrida.
2. Assim, a concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição com aproveitamento do período rural posterior a 31.10.1991, regularizado no curso do processo mediante pagamento da respectiva indenização pela parte autora, deverá ter, para fins de enquadramento na legislação previdenciária, efeitos retroativos à DER, embora o termo inicial para o pagamento dos valores decorrentes da inativação seja a data do recolhimento das contribuições pendentes, momento em que foram implementadas todas as condições exigidas para a concessão.
(TRF4, AC 5029971-05.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 14/09/2021)
Entretanto, a jurisprudência da Turma avançou no sentido de que a concessão do benefício de aposentadoria com aproveitamento de períodos de atividade rural posteriores a 31/10/1991, cujo recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias se deu no curso do processo, deverá ter efeitos retroativos à DER, tanto para fins de enquadramento na legislação previdenciária anterior à EC 103/2019, quanto para fins de pagamento dos valores atrasados decorrentes da inativação.
Tal posicionamento se deve ao fato de que o segurado especial não tem possibilidade de efetuar o devido recolhimento das contribuições previdenciárias sem que antes esteja efetivamente demonstrado o exercício da atividade rural no período questionado, o que, não raras vezes, somente ocorre durante o processo judicial, após transcorrido longo período desde o requerimento inicial do benefício. Assim, não deve o trabalhador ser penalizado pela demora no pagamento das contribuições, da qual não é o causador.
Nesse sentido, acórdão desta Sexta Turma, julgado por unanimidade (grifado):
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. INDENIZAÇÃO DE PERÍODO RURAL POSTERIOR A 31-10-1991. INÍCIO DOS EFEITOS FINANCEIROS.
1. Tendo a indenização das contribuições previdenciárias ocorrido no curso do processo, não é viável fixar o início dos efeitos financeiros na data do respectivo pagamento, uma vez que a indenização somente é possível com a prévia demonstração do desempenho de atividade rural em regime de economia familiar. Assim, os efeitos financeiros contam desde a data do requerimento administrativo, ainda que a indenização se dê em momento posterior.
2. Preenchidos os requisitos legais, a parte autora tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição integral, a contar da data do requerimento administrativo.
(TRF4, AC 5004194-15.2020.4.04.7111, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 02/08/2022)
Dos efeitos da decisão concessória do benefício
Em casos como o presente, em que o segurado, sem o cômputo do período de labor rural posterior a 31/10/1991 ainda pendente de indenização, não atinge o direito à concessão do benefício na DER ou ainda que utilizado o expediente da reafirmação da DER, vinha entendendo que a melhor solução seria, antes do julgamento do mérito do recurso, determinar ao INSS a expedição da guia de recolhimento da indenização do tempo de contribuição já incontroverso, e, assim, oportunizar à parte autora que efetuasse a regularização desse intervalo para que ele pudesse ser computado, sem pendências, no benefício em concessão no julgamento.
Parecia-me que a consideração de intervalos ainda pendentes de regularização pelo segurado implicaria condicionalidade da decisão - condicionando a procedência do pedido à verificação futura do implemento de seus requisitos - e a inquinaria de nulidade, por afronta ao disposto no parágrafo único do art. 492 do CPC, que determina que a decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional.
Entretanto, essa compreensão não vem prevalecendo nas Turmas de direito previdenciário desse Tribunal, conforme demonstram os julgados abaixo:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. SEGURADO ESPECIAL. CÔMPUTO DE PERÍODO POSTERIOR A OUTUBRO DE 1991. INDENIZAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE.
1. Nos termos do artigo 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, o cômputo de tempo de serviço de segurado trabalhador rural anterior à data de início de sua vigência, é admitido, para concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência. Com relação ao tempo de serviço rural ulterior à Lei de Benefícios (competência de novembro de 1991, conforme disposto no artigo 192 do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social aprovado pelo Decreto n° 357/91), o aproveitamento condiciona-se ao recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes, de acordo com o artigo 39, inciso II, da Lei n° 8.213/91 e Súmula 272 do STJ.
2. A utilização do tempo de labor rural posterior a 31/10/1991 fica condicionada à prévia indenização, acaso pretenda o segurado sua agregação ao tempo de contribuição do benefício previdenciário pleiteado.
3. Apelação provida.
(TRF4, AC 5008062-96.2022.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 04/08/2022).
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO. PERÍODO POSTERIOR A 31-10-1991. NECESSIDADE DE SUPORTE CONTRIBUTIVO. JUROS MORATÓRIOS E MULTA. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523, DE 1996. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. PREENCHIMENTO.
1. Corroborando a prova oral o teor do início de prova material apresentado, no sentido de que o autor trabalhou como segurado especial nos períodos controversos, desde tenra idade, intercalando tais atividades com o labor urbano, tem-se presente os elementos suficientes ao reconhecimento do tempo de serviço rural cuja averbação fora requerida com o ajuizamento desta ação.
2. Embora reconhecido o período rural posterior à vigência da Lei nº 8.213/91 (mais especificamente a partir de 01/11/1991), esse tempo de serviço apenas pode ser computado para a obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição após o devido pagamento da indenização pelo segurado. Caso em que é possível, conforme a jurisprudência do TRF da 4ª Região, o julgamento de procedência, com efeitos declaratórios para fins de averbação, condicionado à indenização das contribuições devidas pelo Segurado Especial.
3. É indevida a exigência de juros moratórios e multa sobre o valor de indenização substitutiva de contribuições previdenciárias, relativamente a período de tempo de serviço anterior à Medida Provisória nº 1.523, de 1996.
4. Comprovado o tempo de serviço rural e estando preenchidos os demais requisitos necessários, há que se reconhecer o direito do autor à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER.
(TRF4, AC 5008983-26.2020.4.04.9999, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 26/07/2022).
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. CÁLCULO DA INDENIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES EM ATRASO. JUROS DE MORA E MULTA REFERENTES A CONTRIBUIÇÕES NÃO RECOLHIDAS EM PERÍODOS ANTERIORES À MP 1.523/96 (LEI 9.528/97). ATIVIDADE ESPECIAL. HIDROCARBONETOS. NÍVEIS DE CONCENTRAÇÃO DOS AGENTES QUÍMICOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO.
1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço, condicionado, contudo, ao recolhimento das respectivas contribuições, porquanto posterior a 31/10/1991.
2. Para cálculo da indenização das contribuições recolhidas em atraso, deve ser observada a legislação vigente na data do requerimento administrativo, quando o segurado demonstra o interesse em computar o tempo de serviço para fins de obtenção do benefício previdenciário.
3. A incidência de juros moratórios e multa no cálculo da indenização das contribuições previdenciárias, imposta pelo § 4º do art. 45 da Lei n.º 8.212/91, somente é exigível a partir da edição da MP n.º 1.523/96.
4. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
5. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
6. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos na prestação do labor enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
7. Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos não dependem, segundo os normativos aplicáveis, de análise quanto ao grau ou intensidade de exposição no ambiente de trabalho para a configuração da nocividade e reconhecimento da especialidade do labor para fins previdenciários.
8. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente.
9. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição.
(TRF4, AC 5010663-94.2017.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 01/08/2022).
Transcrevo também, por oportuno, os fundamentos muito bem lançados pela eminente desembargadora federal Taís Schilling Ferraz no julgamento da Apelação Cível nº 5010663-94.2017.4.04.7107/RS:
Diante das inovações trazidas pela EC 103/2019, a questão dos efeitos - retroativos ou não - do recolhimento de contribuições previdenciárias ganhou novas proporções, exigindo um reexame, com vistas à observância do princípio da proporcionalidade.
Nos casos em que há possível controvérsia sobre o reconhecimento do tempo de serviço, não se pode exigir do segurado que realize o pagamento das contribuições sobre períodos pretéritos. Isso pode ocorrer com períodos de tempo rural ou urbano, para fins de carência ou de implementação do tempo de serviço.
Impõe-se, assim, reconhecer que o recolhimento das contribuições é condição suspensiva para a implantação do benefício (DIP), porém não para que se reconheçam efeitos financeiros pretéritos, uma vez que o direito surge, sob condição suspensiva, quando da prestação do serviço ou realização da atividade. Em outras palavras, a implantação do pagamento mensal do benefício dependerá do recolhimento das contribuições pretéritas eventualmente em atraso, mas há direito aos valores atrasados desde a DER.
Uma vez expedida pelo INSS a guia necessária ao recolhimento das contribuições previdenciárias, eventual impugnação ao valor aferido pela Autarquia deve ser proposta no foro adequado, ou seja, na via administrativa e, caso persista, em ação própria.
Desse modo, passo a me adequar ao entendimento consolidado na Turma, no sentido de ser possível a declaração do direito do segurado à obtenção do benefício de aposentadoria ainda que mediante o cômputo de período de labor rural posterior a 31/10/1991 pendente do recolhimento da respectiva e necessária indenização, sendo tal recolhimento condição suspensiva para a implantação do benefício, sem, contudo, afastar o direito do segurado, uma vez providenciado o pagamento, à implantação do benefício e à percepção dos valores atrasados desde a DER.
Desse modo, nega-se provimento ao apelo da Autarquia, no ponto.
Atividade rural - consectários legais referentes à indenização
No que toca à cobrança de juros moratórios e de multa, também objeto de recurso do INSS, cabe destacar a sua prescindibilidade no período anterior à Medida Provisória n° 1.523/1996, conforme entendimento refletido nos seguintes julgados:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONTAGEM RECÍPROCA. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. INDENIZAÇÃO. DECADÊNCIA. JUROS DE MORA E MULTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Conforme definido pelo Superior Tribunal de Justiça no tema 609, a certificação do tempo de serviço rural pelo INSS somente gera direito à contagem recíproca após a devida indenização por parte do segurado. 2. A decadência do direito da administração em revisar seus atos não opera em favor do segurado para a obtenção de contagem recíproca sem indenizar o período. 3. No tocante ao período anterior à Medida Provisória nº 1.523/96, convertida na Lei n.º 9.528/97, não é devida cobrança de juros e multa sobre a indenização das contribuições previdenciárias, haja vista que até então inexistia previsão legal. 4. Honorários advocatícios, a serem suportados pelo INSS, fixados na forma do art. 85, §§ 3º e 4º, II, do Código de Processo Civil. (TRF4 5001108-35.2017.4.04.7016, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 18/03/2020).
TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. INDENIZAÇÃO REFERENTE ÀS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS NÃO RECOLHIDAS À ÉPOCA PRÓPRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. Em se tratando de demanda na qual se discute a indenização substitutiva das contribuições previdenciárias, a legitimidade passiva é da União, a qual deve ser representada pela Fazenda Nacional, bem como do INSS. 2. É indevida a exigência de juros moratórios e multa sobre o valor de indenização substitutiva de contribuições previdenciárias, relativamente a período de tempo de serviço anterior à Medida Provisória nº 1.523, de 1996. Precedentes do STJ. (TRF4 5002429-43.2019.4.04.7111, Segunda Turma, Relatora Marina Vasques Duarte, juntado aos autos em 18/02/2020).
Concluindo a análise, pois, poderá ser computado, para fins de cálculo do tempo de contribuição do autor, na presente ação, o período de atividade rural desenvolvido de 07/11/1984 a 31/10/1991, assegurando-se o direito à averbação do período posterior, desenvolvido nos interregnos de 01/11/1991 a 30/08/1997 e de 20/01/1998 a 20/11/2000, quando comprovado o recolhimento das contribuições correspondentes.
Assim, deve ser parcialmente provido o recurso do INSS quanto à necessidade de indenização do período rural posterior a 31/10/1991, bem como quanto à incidência de juros e de multa relativamente ao período posterior à edição da Medida Provisória 1.523/1996.
Honorários advocatícios
Mantidos na forma da sentença.
Deixo de aplicar a majoração de que trata o §11 do artigo 85 do CPC/2015, uma vez que o recurso do INSS foi parcialmente provido.
Averbação imediata de período
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 9/8/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação de período(s) da parte autora (CPF nº 623.740.870-34 ), a contar da competência da publicação do acórdão.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, impende esclarecer que não se configura a negativa de vigência aos dispositivos legais e constitucionais, tais como, os artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988. Isso porque não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Emitir Averbação |
NB | |
DIB | |
DIP | |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES | Averbação de período de 07/11/1984 a 31/10/1991 |
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no artigo 1.025 do CPC/2015, para fins de acesso às instâncias superiores.
Conclusão
Não conhecer da remessa oficial.
Dar parcial provimento ao apelo da Autarquia para reconhecer a necessidade de indenização do período rural posterior a 31/10/1991, bem como para reconhecer o cabimento da incidência de juros e de multa relativamente ao recolhimento de indenização de tempo rural referente ao período posterior à edição da Medida Provisória 1.523/1996.
Determinar a averbação de período de 07/11/1984 a 31/10/1991, via Central Especializada de Análise do Benefício - CEAB.
Assegurar o direito à averbação dos interregnos de 01/11/1991 a 30/08/1997 e de 20/01/1998 a 20/11/2000, quando comprovado o recolhimento das contribuições correspondentes, nos termos da fundamentação.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo da Autarquia e determinar a averbação do período, via Central Especializada de Análise do Benefício - CEAB, com comprovação nos autos.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004212352v10 e do código CRC 11ac8943.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 3/11/2023, às 15:40:15
Conferência de autenticidade emitida em 22/12/2023 12:01:29.
Apelação Cível Nº 5004642-83.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEOMAR CANTONI
ADVOGADO(A): GLAUBER CASARIN (OAB RS063881)
ADVOGADO(A): CLAUDIO CASARIN (OAB RS010794)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. atividade rural. indenização. mp 1523/1996. EFEITOS FINANCEIROS. AVERBAÇÃO.
. Ainda que ilíquida, a condenação não alcançará o patamar previsto no artigo 496, § 3º, do CPC/2015; portanto, inaplicável a remessa necessária.
. O cômputo de labor rural posterior a 31/10/1991 depende da indenização do(s) periodo(s) requerido(s).
. Após a edição da Medida Provisória 1.523/1996, há incidência de juros e de multa relativamente ao recolhimento de indenização de tempo rural.
. É possível a obtenção do benefício de aposentadoria, mediante o cômputo de período de labor rural posterior a 31/10/1991 indenizado, com a data de início do benefício e a percepção dos valores atrasados desde a DER.
. Assegura-se, à parte autora, o direito à averbação do período rural reconhecido para fins de obtenção de futuro benefício previdenciário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da Autarquia e determinar a averbação do período, via Central Especializada de Análise do Benefício - CEAB, com comprovação nos autos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004212353v4 e do código CRC 23ba3bab.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 14/12/2023, às 17:29:14
Conferência de autenticidade emitida em 22/12/2023 12:01:29.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/12/2023 A 13/12/2023
Apelação Cível Nº 5004642-83.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEOMAR CANTONI
ADVOGADO(A): GLAUBER CASARIN (OAB RS063881)
ADVOGADO(A): CLAUDIO CASARIN (OAB RS010794)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/12/2023, às 00:00, a 13/12/2023, às 16:00, na sequência 1394, disponibilizada no DE de 24/11/2023.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA AUTARQUIA E DETERMINAR A AVERBAÇÃO DO PERÍODO, VIA CENTRAL ESPECIALIZADA DE ANÁLISE DO BENEFÍCIO - CEAB, COM COMPROVAÇÃO NOS AUTOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 22/12/2023 12:01:29.