APELAÇÃO CÍVEL Nº 5008693-50.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | MARIA APARECIDA DE SOUZA PEGO |
ADVOGADO | : | DJALMA BOZZE DOS SANTOS |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. AVERBAÇÃO.
1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.
2. Não tem direito à aposentadoria por tempo de serviço/contribuição o segurado que, somados os períodos reconhecidos judicialmente àqueles já computados na esfera administrativa, não possui tempo de serviço suficiente à concessão do benefício. Faz jus, no entanto, à averbação dos períodos judicialmente reconhecidos para fins de obtenção de futuro benefício.
3. Precedente do STJ em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, extinguir o processo, sem julgamento de mérito, com relação ao período de 21/10/1983 a 27/07/1995 e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de julho de 2016.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8387834v4 e, se solicitado, do código CRC F9B0160. | |
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Signatário (a): | Rogerio Favreto |
Data e Hora: | 12/07/2016 18:44 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5008693-50.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | MARIA APARECIDA DE SOUZA PEGO |
ADVOGADO | : | DJALMA BOZZE DOS SANTOS |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação de rito ordinário proposta por MARIA APARECIDA DE SOUZA PEGO contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, postulando a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento, como tempo de serviço, da atividade que sustenta ter exercido como trabalhador rural no período de 01/03/1978 a 01/05/1995.
Sentenciando, o juízo "a quo" julgou improcedente o pedido, deixando de reconhecer o exercício de atividade rural no período de 01/03/1978 a 01/05/1995, não concedendo aposentadoria por tempo de serviço/contribuição à parte autora. Condenou a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, estes fixados no importe de R$ 700,00.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, requerendo a reforma do provimento judicial, sob o fundamento de que juntou início de prova material hábil em demonstrar o exercício de atividades rurais. Afirma que os documentos em nome de seu genitor podem ser aproveitados até o ano de 1983, quando contraiu matrimônio. Alega que quanto ao período posterior a 1983, continuou laborando na agricultura, embora seu marido tenha começado a trabalhar junto ao município de Brasilândia do Sul. Salienta que a prova material aliada às declarações das testemunhas comprova o labor campesino da autora. Por fim, destaca a possibilidade de reafirmação da DER, computando-se o tempo constante entre a data do requerimento administrativo e o ajuizamento da ação.
Contra-arrazoado o recurso, subiram os autos ao Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Novo CPC (Lei 13.105/2015):
Direito intertemporal e disposições transitórias
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesses termos, para fins de remessa necessária e demais atos recursais, bem como quanto aos ônus sucumbenciais, aplica-se a lei vigente na data em que proferida a decisão recorrida.
MÉRITO
Destaco que a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento da atividade rural desempenhada sob o regime de economia familiar no período de 01/03/1978 a 01/05/1995;
- à consequente concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
TEMPO DE SERVIÇO RURAL
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99.
Acresce-se que o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991, contudo, é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, por seu turno, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011).
Quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais consolidou o entendimento no sentido de que "A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários." (Súmula n.º 05, DJ 25/09/2003, p. 493). Assim, e considerando também os precedentes da Corte Superior, prevalece o entendimento de que "as normas que proíbem o trabalho do menor foram criadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo." Logo, admissível o cômputo de labor rural já a partir dos 12 anos de idade.
EXAME DO TEMPO RURAL NO CASO CONCRETO:
A título de prova documental do exercício da atividade rural, a parte autora, nascida em 23/02/1966, na cidade de Tamboara/PR, junta aos autos:
- certidão de casamento, datada de 09/06/1990, na qual seu marido, Donizeti Luiz Bizerra, aparece qualificado como motorista, enquanto seu pai, Durvalino Ramires Pego, encontra-se qualificado como lavrador (Evento 80 - PROCADM3 - fl. 01);
- carteirinha de associado de seu pai junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iporã/PR, com data de admissão em 22/07/1976 (Evento 80 - PROCADM5 - fl. 05);
- certidão de casamento de seus pais, datada de 26/04/1979, na qual seu genitor, Durvalino Ramires Pego, encontra-se qualificado como lavrador (Evento 80 - PROCADM6 - fl. 01);
- matrícula do registro de imóveis de Alto Piquiri, na qual consta a averbação de escritura pública de compra e venda, lavrada em 30/03/2001, na qual aparece como adquirente juntamente com seu marido, este qualificado como lavrador, de um lote rural "F" localizado na gleba nº 14, núcleo Rio de Areia, município de Alto Pequiri/PR (Evento 80 - PROCADM8 - fl. 02);
- matrícula do registro de imóveis de Alto Piquiri, na qual consta a averbação de escritura pública de compra e venda, lavrada em 30/03/2001, na qual aparece como adquirente juntamente com seu marido, este qualificado como motorista, de um lote rural "D" localizado na gleba nº 14, núcleo Rio de Areia, município de Alto Pequiri/PR (Evento 80 - PROCADM9 - fl. 03);
- notas fiscais de comercialização de produção rural em nome de seu marido, Donizeti Luiz Bizera, referente a 11/03/1981 (Evento 80 - PROCADM10 - fl. 01);
- atas de exames do Grupo Escolar de Ercilandia, referente aos anos letivos de 1978, 1979 na qual aparece como aluna desta instituição (Evento 80 - PROCADM10 e PROCADM11);
- requerimento de matrícula em nome próprio, referente ao ano eletivo de 1981, no qual, seu pai, Durvalino Aparecido de Souza, aparece qualificado como lavrador (Evento 80 - PROCADM13 - fl. 01);
- carteira de associado de seu marido, Donizeti Luiz Bizerra, junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iporã, com data de admissão em 20/10/1983 (Evento 80 - PROCADM13 - fl. 02);
- certidão de nascimento de seu filho, Flavio Luiz Bizerra, datada de 21/04/1984 (Evento 80 - PROCADM14 - fl. 01);
- certidão de nascimento de sua filha, Fernanda Bizerra, datada de 02/04/1990, na qual seu marido, Donizeti Luiz Bizerra aparece qualificado como motorista (Evento 80 - PROCADM14 - fl. 02);
- declaração fornecida pela Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto, na qual consta a informação de que a autora estudou na Escola Rural Municipal Ébano Pereira, zona rural do município de Iporã, no ano de 1981 (Evento 80 - PROCADM141 - fl. 04);
Por ocasião da audiência de instrução e julgamento, em 16/09/2014 (Evento 51 - OUT1), foram inquiridas as testemunhas Demerval Barbosa da Silva, Percilia Pereira Macedo e Isaias Pereira da Silva, as quais confirmaram o exercício de atividades rurais pela demandante.
A testemunha Demerval Barbosa da Silva relata:
"Conhece a Requerente desde criança; que é de Ercilândia e a Requerente morava no sítio do avô dela do outro lado do rio jacaré; que estava direto na gleba 11; que hoje acabou, mas na época tinha muita gente, comércio, igreja católica; que a requerente morava no sítio do avô com a família; que é a Requerente mais dois ou três irmãos; que não se lembra quantos alqueires eram, mas a propriedade era pequena; que naquela época plantavam muito algodão, amendoim; soja não se plantava naquela época; que não foi no casamento da Requerente mas manteve contato com a Requerente também depois de casada; que antigamente a Requerente trabalhou para o depoente; que depois de casada mudou-se para Ercilândia e continuou tocando um pedaço de roça para o parente dela; que o marido fez concurso de motorista na prefeitura e passou e ela ficou sozinha tocando roça; que o marido foi trabalhar com o ônibus na prefeitura; que depois que casou a Requerente também fez concurso e passou e foi trabalhar para prefeitura; que ela ficou ajudando na roça deles e para fora também; que naquela época havia muito algodão e a Requerente trabalhou na Santa Maria, na cabeça de boi, onde tinha serviço; que a Requerente trabalhou na roça até entrar na prefeitura".
A testemunha Percilia Pereira Macedo, por sua vez, esclarece:
"Conhece a Requerente de Ercilândia; que chegou na região 1967, na cabeça do boi, mudou-se para Ercilândia em 1972; conhece a Requerente desde solteira; que na época morava com os pais na gleba 11, pertinho de Ercilândia, uns 2.500 metros; que tinha que atravessar o rio por uma ponte; que não chegou a trabalhar com a Requerente mas a via trabalhando na roça do pai; que chegou a ir algumas vezes no sítio e via ela trabalhando; que eram conhecidos; não estudaram juntos; que depois que ela casou foi morar em Ercilândia; que o marido da Requerente trabalhava na roça e em 1983 fez o concurso e entrou na prefeitura; que depois que casou ela continuou tocando uma roça pequena e trabalhando de boia fria; que a roça era no sítio do avô dela; que em 1980 compraram um sítio que fazia cabeceira com o lote onde a Requerente tocava; que o depoente ainda trabalha na roça".
Por fim, a testemunha Isaias Pereira da Silva confirma as demais inquirições:
"Que conhece a Requerente há trinta e poucos anos; ela morava no sítio com os pais; conhece a Requerente de solteira; que a depoente morava em um sítio também na gleba 11; que trabalhavam juntas desde quando solteiras como diarista; que a depoente não estudava, mas a requerente sim; que a Requerente ia trabalhar a tarde; que quando se casou a Requerente se mudou para Ercilândia; que trabalharam juntas catando algodão, raleando, carpindo; que trabalharam para Sr. Dermeval, também nas fazendas; tinha fazendas grandes como Santa Maria, fazenda da japonesa; água da onça, quatro paineiras; trabalharam em todas essas na época do algodão; que amarram um fardo na cintura e vão colhendo o algodão".
A prova testemunhal produzida, por sua vez, é uníssona no sentido de confirmar o exercício da atividade rural no período indicado.
Entendo que para melhor deslinde do feito devem ser feitas algumas considerações. Pleiteia a demandante o reconhecimento do período compreendido entre 01/03/1978 a 01/05/1995.
Segundo declarações fornecidas em juízo teria se casado em 1983, embora a certidão de casamento constante nos autos seja datada de 1990. Assim, de 01/03/1978 até aproximadamente 1983 teria trabalhado na lavoura juntamente com os pais em terras próprias da família, e de 1983 até 1995, data em que ingressou na prefeitura de Brasilândia do Sul, exercido atividades rurícolas juntamente com o esposo.
Quanto ao primeiro período (01/03/1978 a 20/10/1983), entendo que há início de prova material hábil em demonstrar o exercício de atividades agrícolas juntamente com o seu grupo familiar. Ademais, a prova documental restou corroborada pela prova testemunhal produzida.
No entanto, o mesmo não se pode dizer para o segundo interregno em questão (21/10/1983 a 27/07/1995), posto que em seu depoimento pessoal, a autora referiu que seu marido passou a trabalhar na prefeitura de Alto Piquiri/PR, logo após seu casamento, que segundo ela, ocorreu em 1983. O mesmo foi referido pelas demais testemunhas.
Ademais, não há nos autos qualquer documento relativo a tal período que comprove a continuidade da autora nas lides campesinas. Destaque-se inclusive que aqueles coligidos ao feito ou não apresentam a qualificação da autora e de seu marido, ou qualificam este como motorista, função que passou a exercer junto à prefeitura de Alto Piquiri à época.
Portanto, embora a prova testemunhal tenha referido o labor campesino da autora, não há suporte documental para tais alegações, o que acarreta na impossibilidade de reconhecimento do segundo período (21/10/1983 a 27/07/1995).
Registro recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo (REsp nº 1.321.493/PR), em que restou definido que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade desempenhada pelo trabalhador rural, sendo indispensável que ela venha corroborada por razoável início de prova material, inclusive para os trabalhadores do tipo boia-fria.
No caso em tela, portanto, não havendo início de prova material acerca do alegado trabalho rural, durante o segundo período, e não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal, a solução seria, em tese, a prolação de decisão de improcedência do pedido com resolução de mérito. Caso transcorrido o prazo para eventual ação rescisória e formada a coisa julgada imutável (material), estaria o trabalhador com tempo de labor rural "condenado" a ficar de fora da proteção previdenciária, especialmente quando a idade avançada já não mais permite o desempenho de atividade que lhe garanta o sustento, apesar de ter dedicado uma vida inteira de trabalho.
Contudo, não é possível desconsiderar a dificuldade encontrada, notadamente pelos trabalhadores rurais, para a comprovação do tempo de serviço prestado nas lides campesinas, uma vez que o trabalho, no mais das vezes, é exercido informalmente.
Em razão dessa dificuldade de obter registros documentais acerca das atividades exercidas pelo trabalhador rural, evidenciada através dos inúmeros feitos que demandam a análise de tempo rural, autoriza, excepcionalmente, a possibilidade de julgar extinto o processo sem resolução de mérito. Oportuno fazer o registro de que essa alternativa de resolução do processo, reservada às hipóteses em que evidenciada a insuficiência ou mesmo a ausência de prova material do período que se pretende comprovar como de labor rural, já foi adotada nas Turmas especializadas em Direito Previdenciário desta Corte (AC 2001.04.01.075054-3- Rel. Des. Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira - DJ 18.09.2002; AC 2001.70.01.002343-0, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz - DJ 21.05.2003).
A solução acima preconizada leva em consideração o caráter social das normas previdenciárias, que primam pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pela qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente. Porém, para que se torne efetivamente implementada a proteção previdenciária, necessário uma flexibilização dos rígidos institutos processuais. Portanto, considerando o interesse social que envolve referidas demandas, deve-se priorizar o princípio da busca da verdade real, notadamente em relação àqueles trabalhadores cuja dificuldade de obter documentos hábeis a demonstrar seu trabalho é notória, como é o caso dos trabalhadores rurais que postulam a aposentadoria por idade.
Neste sentido, não se mostra adequado inviabilizar à demandante o direito de perceber a devida proteção social, em razão da improcedência do pedido e consequente formação plena da coisa julgada material, quando o segurado, na verdade, poderia fazer jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente.
Cumpre ressaltar que esse entendimento foi acolhido recentemente pela Colenda Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.352.721/SP, em sede de recurso representativo de controvérsia, cuja ementa apresenta o seguinte teor:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016)
Em suma, o STJ estabeleceu o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito. Assegura-se, como isso, caso o segurado venha a obter outros documentos que possam ser considerados prova material do trabalho rural, e, portanto, a qualidade de segurado especial durante o período que pretende comprovar, a oportunidade de ajuizamento de nova ação sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada.
Creio que o caso em tela se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material do labor rural correspondente ao segundo período controverso necessário à concessão da aposentadoria postulada.
Logo, à míngua de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, conforme disposto no art. 320 do CPC, por implicar carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, autorizada a extinção do feito sem o julgamento do mérito. Dessa forma, possibilita-se que a parte autora postule em outro momento, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período para a concessão do benefício postulado, conforme orientação traçada no recurso representativo de contróversia, REsp 1.352.721/SP.
Dessa forma, considerando a ausência de prova material apta a comprovar o efetivo exercício do labor rural, durante o segundo período pleiteado (21/10/1983 a 27/07/1995), deve ser extinto o processo sem resolução do mérito, com relação a tal interregno nos termos do art. 485, IV e art. 320 do Código de Processo Civil.
Concluindo o tópico, julgo comprovado o exercício da atividade rural no período de 01/03/1978 a 20/10/1983. Quanto ao período de 21/10/1983 a 27/07/1995, deve ser extinto o processo sem resolução de mérito, merecendo, portanto, reforma a sentença no ponto.
REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC n.º 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos arts. 52 e 53 da Lei n.º 8.213/91, pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no art. 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de julho de 1991 e previsto no art. 25, II, da referida Lei, para os inscritos posteriormente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço para a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direito à aposentadoria proporcional no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.
Com as alterações introduzidas pela EC n.º 20/98, o benefício passou denominar-se aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo art. 201, § 7º, I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.
Em caráter excepcional, possibilitou-se que o segurado já filiado ao regime geral de previdência social até a data de publicação da Emenda, ainda se aposente proporcionalmente quando, I) contando com 53 anos de idade, se homem, e com 48 anos de idade se mulher - e atendido ao requisito da carência - II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e de 25 anos, se mulher; e b) e um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional (art. 9º, § 1º, da EC n.º 20/98). O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens "a" e "b" supra, até o limite de 100%.
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§§ 3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do "fator previdenciário", conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29-11-1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I e §7º).
DIREITO À APOSENTADORIA NO CASO CONCRETO
No caso em exame, considerada a presente decisão judicial, tem-se a seguinte composição do tempo de serviço da parte autora, na DER (05/08/2013):
a) tempo reconhecido administrativamente: 14 anos, 06 meses e 09 dias (Evento 80 - PROCADM18 - fl. 03);
b) tempo rural reconhecido nesta ação: 05 anos, 07 meses e 20 dias;
Total de tempo de serviço na DER: 20 anos, 01 mês e 29 dias.
Portanto, o tempo necessário à obtenção do benefício de aposentadoria na DER não restou cumprido. Desse modo, a parte autora tem direito à averbação do período ora reconhecido, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
Ademais mesmo que tivesse completado o tempo necessário, não poderia ser concedido o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, pois a carência de 180 meses, necessária à obtenção do benefício de aposentadoria no ano de 2013 (art. 142 da Lei n.º 8.213/91) também não restou cumprida, tendo em vista que a parte autora possuía apenas 176 contribuições na DER (Resumo de Cálculo de Tempo de Contribuição - Evento 80 - PROCADM18 - fl. 03).
CONSECTÁRIOS E PROVIMENTOS FINAIS
Honorários advocatícios
Considerando-se que a sucumbência foi recíproca, ambas as partes devem suportar os honorários devidos ao patrono da contraparte, os quais restam fixados em R$ 4.000,00, vedada a compensação. A exigibilidade de tal verba resta suspensa em relação ao autor, por litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita.
Custas processuais
Custas pelo INSS (Súmula 20 do TRF4).
CONCLUSÃO
À vista do parcial provimento do recurso da parte autora, pois, alterada a sentença apenas para reconhecer o tempo de serviço da parte relativamente ao período de 01/03/1978 a 20/10/1983. Quanto ao segundo período proposto (21/10/1983 a 27/07/1995), o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV e art. 320, ambos do Código de Processo Civil. Modificados os ônus de sucumbência, na forma da fundamentação supra.
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por extinguir o processo, sem julgamento de mérito, com relação ao período de 21/10/1983 a 27/07/1995 e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
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Data e Hora: | 12/07/2016 18:44 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 12/07/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5008693-50.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00000153120148160042
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | MARIA APARECIDA DE SOUZA PEGO |
ADVOGADO | : | DJALMA BOZZE DOS SANTOS |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 12/07/2016, na seqüência 478, disponibilizada no DE de 21/06/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU EXTINGUIR O PROCESSO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, COM RELAÇÃO AO PERÍODO DE 21/10/1983 A 27/07/1995 E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
: | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS | |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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