
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001848-65.2021.4.03.6115
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLA CANEPPELE
Advogados do(a) APELADO: PATRICIA DE FATIMA ZANI - SP293156-A, TULIO CANEPPELE - SP335208-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001848-65.2021.4.03.6115
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLA CANEPPELE
Advogados do(a) APELADO: PATRICIA DE FATIMA ZANI - SP293156-A, TULIO CANEPPELE - SP335208-A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em demanda previdenciária objetivando a concessão de auxílio-acidente, desde a cessação do auxílio por incapacidade temporária, NB 616591286-2, em 29/04/2017.
O dispositivo da sentença foi assim estabelecido (Id 287120075):
"Diante de todo o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, resolvendo o mérito na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e condeno o INSS conceder em favor da parte autora auxílio-acidente desde 30/04/2017.
O benefício deverá ser calculado nos termos da legislação vigente à época da DIB.
Condeno, ainda, o INSS a pagar as diferenças devidas desde então, respeitada a prescrição quinquenal, contada retroativamente do ajuizamento da ação, com correção nos termos do Manual de Cálculos vigente à época da liquidação.
Condeno a parte ré ao reembolso de eventuais despesas e ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo no percentual mínimo do § 3º do art. 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação/proveito econômico obtido pela parte autora, de modo a possibilitar sua eventual majoração, nos termos do § 11 do mesmo dispositivo, e observado, ainda, seu § 5º, por ocasião da apuração do montante a ser pago.
O valor da condenação fica limitado ao valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula nº 111 do STJ). (...)"
Concedida tutela antecipada e dispensada a submissão da r. sentença à remessa necessária.
Apela o INSS, alegando, em síntese, que (i) a autora não faz jus à concessão do auxílio-acidente, pois não demonstrou a redução da capacidade laborativa específica para atividade exercida no momento do acidente; (ii) tampouco comprovou a existência de pedido de prorrogação do benefício anterior, o que configura ausência de interesse de agir, pois impossibilita o conhecimento da data da consolidação das sequelas pela administração; e (iii) não é cabível exigir que o INSS converta automaticamente o benefício de auxílio-doença em auxílio-acidente se, por ocasião da última perícia, ainda estava presente o estado incapacitante.
Prequestiona a matéria para fins de interpor recurso às instâncias superiores.
Subsidiariamente, requer que "a data de início do benefício do auxílio-acidente (DIB) seja fixada em 20.05.2021 (data de requerimento administrativo após a DII)".
Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001848-65.2021.4.03.6115
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLA CANEPPELE
Advogados do(a) APELADO: PATRICIA DE FATIMA ZANI - SP293156-A, TULIO CANEPPELE - SP335208-A
V O T O
Cinge-se a controvérsia à análise dos requisitos para a concessão de auxílio-acidente, bem como de seu eventual termo de início.
Primeiramente, a ausência de pedido de prorrogação do auxílio-doença previdenciário não retira o interesse de agir da parte autora, pois houve requerimento administrativo específico quanto ao auxílio-acidente, com DER em 20/05/2021 (Id 287119893), o que se deu antes da petição inicial, protocolizada em 03/09/2021 (Id 287119771).
Logo, é inaplicável o óbice preliminar referente ao Tema 350/STF, levantado pela autarquia ré.
Auxílio-acidente
O benefício de auxílio-acidente está disciplinado no art. 86 da Lei 8.213/91 (LBPS), e consiste em indenização paga ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que reduzam a capacidade para o trabalho habitual.
O Decreto 3.048/99, que institui o Regulamento da LBPS, disciplinou o auxílio-acidente em seu artigo 104.
São beneficiários do auxílio-acidente o segurado empregado, inclusive doméstico; o trabalhador avulso; e o segurado especial (art. 18, § 1º, da LPBS). O direito ao benefício não depende de carência (art. 26, I, da LBPS).
São quatro os requisitos para a concessão do benefício de auxílio-acidente: (a) a qualidade de segurado, na forma do art. 15 da LBPS; (b) a superveniência de acidente de qualquer natureza, exceto perda da audição, (art. 86, caput e § 4º da LBPS; (c) a redução parcial da capacidade para o trabalho habitual; e (d) o nexo causal entre o acidente e a redução da capacidade, a teor do art. 104 do Decreto 3.048/99.
Quanto à natureza do acidente, inicialmente, o benefício derivava apenas de acidentes no âmbito do trabalho. Por meio da Lei 9.032/95, incluiu-se a expressão "acidente de qualquer natureza", alcançando qualquer infortúnio acidentário. No entanto, a redução da capacidade laboral por perda da audição somente será amparada pelo benefício se decorrer de acidente de trabalho, conforme a redação do § 4º do art. 86 da LBPS, dada pela Lei 9.528/97.
A redução da capacidade para o trabalho pode ser de qualquer natureza e, ainda que mínima, confere ao segurado o direito ao benefício, conforme decidido pelo STJ no julgamento do repetitivo REsp 1.109.591/SC, quando se definiu, no âmbito do Tema 416/STJ, a seguinte tese:
“Exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão” (DJe 08/09/2010).
O nexo de causalidade não exige a irreversibilidade da redução da incapacidade, conforme tese estabelecida pela Corte Superior no julgamento do paradigma REsp 1.112.886/SP, no Tema 156/STJ:
"Será devido o auxílio-acidente quando demonstrado o nexo de causalidade entre a redução de natureza permanente da capacidade laborativa e a atividade profissional desenvolvida, sendo irrelevante a possibilidade de reversibilidade da doença”.
Confira-se a respectiva ementa:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. REQUISITOS: COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE E DA REDUÇÃO PARCIAL DA CAPACIDADE DO SEGURADO PARA O TRABALHO. DESNECESSIDADE DE QUE A MOLÉSTIA INCAPACITANTE SEJA IRREVERSÍVEL. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PARECER MINISTERIAL PELO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Nos termos do art. 86 da Lei 8.213/91, para que seja concedido o auxílio-acidente, necessário que o segurado empregado, exceto o doméstico, o trabalhador avulso e o segurado especial (art. 18, § 1o. da Lei 8.213/91), tenha redução permanente da sua capacidade laborativa em decorrência de acidente de qualquer natureza.
2. Por sua vez, o art. 20, I da Lei 8.213/91 considera como acidente do trabalho a doença profissional, proveniente do exercício do trabalho peculiar à determinada atividade, enquadrando-se, nesse caso, as lesões decorrentes de esforços repetitivos.
3. Da leitura dos citados dispositivos legais que regem o benefício acidentário, constata-se que não há nenhuma ressalva quanto à necessidade de que a moléstia incapacitante seja irreversível para que o segurado faça jus ao auxílio-acidente.
4. Dessa forma, será devido o auxílio-acidente quando demonstrado o nexo de causalidade entre a redução de natureza permanente da capacidade laborativa e a atividade profissional desenvolvida, sendo irrelevante a possibilidade de reversibilidade da doença. Precedentes do STJ.
5. Estando devidamente comprovado na presente hipótese o nexo de causalidade entre a redução parcial da capacidade para o trabalho e o exercício de suas funções laborais habituais, não é cabível afastar a concessão do auxílio-acidente somente pela possibilidade de desaparecimento dos sintomas da patologia que acomete o segurado, em virtude de tratamento ambulatorial ou cirúrgico.
6. Essa constatação não traduz, de forma alguma, reexame do material fático, mas sim valoração do conjunto probatório produzido nos autos, o que afasta a incidência do enunciado da Súmula 7 desta Corte.
7. Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.112.886/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 25/11/2009, DJe de 12/2/2010, trans. em julgado 22/03/2010.)
Data do início do benefício
Nos termos do § 2º do art. 86 da LBPS, o auxílio-acidente tem como termo inicial o dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado.
Na hipótese de ausência de recebimento anterior de benefício por incapacidade ou de requerimento administrativo, o STJ já vinha adotando o entendimento de que a concessão deveria ser fixada na data da citação do INSS na ação previdenciária (AgRg no AREsp 145.255/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 27/11/2012, DJe 04/12/2012).
Essa compreensão sobre a definição da data de início do benefício (DIB) do auxílio-acidente foi pacificada pela Corte Superior no julgamento do REsp 1.786.736/SP, que firmou a tese do Tema 862/STJ: “O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observando-se a prescrição quinquenal da Súmula 85/STJ”.
Eis a ementa do acórdão:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. AUXÍLIO-ACIDENTE DECORRENTE DA CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. FIXAÇÃO DO TERMO INICIAL. PRECEDENTES DO STJ FIRMADOS À LUZ DA EXPRESSA PREVISÃO LEGAL DO ART. 86, § 2º, DA LEI 8.213/91. TESE FIRMADA SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NA PARTE CONHECIDA, PROVIDO.
I. Trata-se, na origem, de ação ajuizada pela parte ora recorrente em face do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, objetivando o recebimento de auxílio-acidente, com termo inicial a ser fixado na data de cessação do auxílio-doença que o precedeu. O Juízo de 1º Grau julgou procedente o pedido inicial, para condenar o réu à concessão do auxílio-acidente, a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, observada a prescrição quinquenal de parcelas do benefício. O Tribunal de origem - embora reconhecendo "comprovado o nexo causal e caracterizada a lesão física que acarreta redução parcial e permanente da capacidade laborativa" - no julgamento dos recursos de Apelação, interpostos por ambas as partes, e da Remessa Oficial, alterou o termo inicial do auxílio-acidente para a data da juntada do laudo pericial aos autos.
II. A controvérsia em apreciação cinge-se à fixação do termo inicial do auxílio-acidente decorrente da cessação do auxílio-doença, na forma dos arts. 23 e 86, § 2º, da Lei 8.213/91.
III. O art. 86, caput, da Lei 8.213/91, em sua redação atual, prevê a concessão do auxílio-acidente como indenização ao segurado, quando, "após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia".
IV. Por sua vez, o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91 determina que "o auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria".
V. Assim, tratando-se da concessão de auxílio-acidente precedido do auxílio-doença, a Lei 8.213/91 traz expressa disposição quanto ao seu termo inicial, que deverá corresponder ao dia seguinte ao da cessação do respectivo auxílio-doença, pouco importando a causa do acidente, na forma do art. 86, caput e § 2º, da Lei 8.213/91, sendo despiciendo, nessa medida, para essa específica hipótese legal, investigar o dia do acidente, à luz do art. 23 da Lei 8.213/91.
VI. O entendimento do STJ - que ora se ratifica - é firme no sentido de que o auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, mas, inexistente a prévia concessão de tal benefício, o termo inicial deverá corresponder à data do requerimento administrativo. Inexistentes o auxílio-doença e o requerimento administrativo, o auxílio-acidente tomará por termo inicial a data da citação. Nesse sentido: STJ, REsp 1.838.756/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/11/2019; AgInt no REsp 1.408.081/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 03/08/2017; AgInt no AREsp 939.423/SP, Rel. Ministra DIVA MALERBI (Desembargadora Federal Convocada do TRF/3ª Região), SEGUNDA TURMA, DJe de 30/08/2016; EDcl no AgRg no REsp 1.360.649/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/05/2015; AgRg no REsp 1.521.928/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/06/2015; AgRg no AREsp 342.654/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/08/2014; REsp 1.388.809/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/09/2013.
VII. Prevalece no STJ a compreensão de que o laudo pericial, embora constitua importante elemento de convencimento do julgador, não é, como regra, parâmetro para fixar o termo inicial de benefício previdenciário. Adotando tal orientação: STJ, REsp 1.831.866/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/10/2019; REsp 1.559.324/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 04/02/2019.
VIII. Tese jurídica firmada: "O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observando-se, se for o caso, a prescrição quinquenal de parcelas do benefício."
IX. Recurso Especial parcialmente conhecido, e, nessa extensão, provido, para, em consonância com a tese ora firmada, restabelecer a sentença.
X. Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC/2005 e art. 256-N e seguintes do RISTJ).
(REsp 1786736/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/06/2021, DJe 01/07/2021)
Em resumo, há três hipóteses para a fixação da DIB: (i) se há prévia concessão de auxílio-doença, a data de sua cessação marca o início do gozo do auxílio-acidente; (ii) caso não tenha havido gozo de auxílio-doença, a DIB será fixada na data do requerimento administrativo; (iii) por fim, ausentes o auxílio-doença e o requerimento administrativo, o termo inicial do auxílio-acidente será a data da citação do INSS.
Renda mensal inicial
Em sua redação original, previa o § 1º do art. 86 da LBPS que o auxílio-acidente correspondia a 30% (trinta por cento), 40% (quarenta por cento) ou 60% (sessenta por cento) do salário-de-contribuição do segurado vigente no dia do acidente.
A Lei 9.032/95 deu nova redação ao referido dispositivo, unificando o percentual devido ao segurado em 50% (cinquenta por cento) do salário-de-benefício.
A regra obedece ao princípio do tempus regit actum, atingindo apenas os benefícios devidos após a alteração legal.
Essa interpretação foi pacificada pela Corte Suprema sob a sistemática da repercussão geral, no julgamento do RE 613.033, sendo vedada a revisão do percentual dos benefícios já concedidos, conforme a tese do Tema 388/STF:
"É inviável a aplicação retroativa da majoração prevista na Lei nº 9.032/1995 aos benefícios de auxílio-acidente concedidos em data anterior à sua vigência". (Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Adm. STF, em 09/12/2015). (RE 613033 RG, Tribunal Pleno, publicado em 09/06/2011)
Noutro giro, a alteração do § 1º do art. 86 da LBPS, para fins de modificação na renda mensal inicial, estabelecida pela MP 905/2019, não prevalece, pois foi revogada pela MP 955/2020. Aplica-se à espécie o entendimento do STF de que as alterações veiculadas perderam a eficácia desde a edição da medida provisória revogada, na forma do art. 62, § 3º, da Constituição da República, com redação da EC 32/2001. Precedentes: ADI 5709, Rel. Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, j.27/03/2019, public. 28/06/2019; ADI 365 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, j. 07/11/1990, DJ 15/03/1991.
No que tange à acumulação de benefícios, é vedada a percepção de mais de um auxílio-acidente, na forma do art. 124, V, da LBPS, com redação da Lei 9.032/95.
A vedação foi ampliada pela MP 1.596-14/1997, convertida na Lei 9.528/1997, que deu nova redação ao § 3º do art. 86, ao prever que “o recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente”.
Assim, a cumulação entre os benefícios de auxílio-acidente e aposentadoria ficou restrita os casos anteriores à edição da referida medida provisória.
A questão foi pacificada pelo STJ na Súmula 507: “A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do art. 23 da Lei n. 8.213/1991 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho”. (Primeira Seção, j. 26/03/2014, DJe 31/03/2014).
Assim, após 11/11/1997, data do início da vigência da MP 1.596-14/1997, convertida na Lei 9.528/1997, passou a ser vedada a cumulação do auxílio-acidente com a aposentadoria.
Do caso em análise
A parte autora, gerente do Banco do Brasil à época do acidente, ensino superior completo, com 50 anos de idade na data da realização da perícia médica, em 13/12/2021, alega que, em 29/10/2016, foi vítima de acidente consubstanciado em "queda grave de escada, fraturando a perna esquerda, especificadamente a região do pilão tibial", do qual resultaram "limitações funcionais para a amplitude de movimento em tornozelo esquerdo, com dificuldades e muita dor para realizar simples atividades do cotidiano e laborais, como deambular ou realizar qualquer atividade que exigisse força da perna, como ficar em pé".
O extrato de consulta ao CNIS revela que a autora possui vínculo empregatício com o Banco do Brasil no período de 15/07/1993 a 03/2021, bem como que recebeu auxílio-doença previdenciário no período de 13/11/2016 a 29/04/2017 (Id 287119893 - Pág. 55).
A autora formulou requerimento administrativo de concessão do auxílio-acidente em 20/05/2021 (Id 287119926 - Pág. 48) e em 08/07/2021 (Id 287119926 - Pág. 44), cujo pedido foi indeferido pela autarquia previdenciária "tendo em vista que não foi constatada pela Perícia Médica do INSS a sequela definitiva que reduza a capacidade para o trabalho ou impossibilite o desempenho da atividade exercida à época do acidente" (Id 287119926 - Pág. 76).
A r. sentença findou-se procedente, para a concessão da benesse desde a cessação do auxílio-doença, com base nos seguintes fundamentos (Id 287120074):
"O Perito concluiu que a parte autora “teve fratura importante em tornozelo esquerdo (fratura de pilão), com osteossíntese realizada em período anterior, prosseguiu com tratamento clinico e fisioterápico, mas persiste limitação também importante neste seguimento”. Indica que a autora está “com sua capacidade laborativa reduzida, porém, não impedido de exercer a mesma atividade” (ID 239770537).
Após informações prestadas pelo Banco do Brasil, o Perito apresentou laudo complementar esclarecendo que “Após rever todo o exame físico da pericianda, onde se observou que a mesma teve importante fratura de tornozelo esquerdo, classificada como fratura de pilão tibial, comprometimento que causa dificuldade para apoiar peso e para deambular, verifica-se que a mesma tem limitações durante a marcha e para se manter em posição ortostática, mesmo que seja por pequenos períodos. Porém, considerando o que foi descrito acima, (Descrição das funções exercida pela pericianda junto ao Banco do Brasil), não se observou restrições que reduzam sua capacidade laboral” (ID 262718104).
Anexado aos autos pelo Banco do Brasil PPP da autora (ID 267679768) e ofício com informações (ID 270789714), o Perito respondeu aos quesitos apresentados pela autora reiterando a ausência de restrições nas funções por ela exercidas: “conforme observado no laudo, verifica-se que a pericianda teve importante fratura de tornozelo esquerdo, classificada como fratura de pilão tibial. Esta lesão causa repercussão durante a marcha, para permanecer até por pequenos períodos em posição ortostática, para subir/descer escadas, bem como para deambular grandes distâncias. Porém, para a função exercida pela pericianda (descritas acima) não se observou restrições” (ID 292199065).
Embora a conclusão do Perito Judicial, entendo que, do cotejo da própria prova pericial com as informações prestadas pelo Banco do Brasil em relação às atividades exercidas pela autora (ID 270789714), entendo que é impossível à autora exercer suas atividades (gerente de banco) sem qualquer prejuízo, vez que, conforme o próprio perito, a lesão por ela apresentada “causa repercussão durante a marcha, para permanecer até por pequenos períodos em posição ortostática, para subir/descer escadas”.
Não custa recordar que o Juiz é o peritus peritorum, o que significa que “não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos” (artigo 436, do Código de Processo Civil).
Comprovada portanto, incapacidade parcial e permanente decorrente de acidente de qualquer natureza."
O INSS aduz em seu apelo que a autora não teria sofrido perda ou redução de sua capacidade laborativa especificamente para a função habitual.
Consta do laudo médico (Id 287119932):
"(...) Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se:
Concluindo, trata se de paciente de anos que realizou nesta data exame de perícia médica oportunidade em que se observou dados da anamnese, relatórios de médicos assistentes, exames complementares e foi realizado exame físico da pericianda e a mesma informou que no dia 30/10/2016 sofreu acidente doméstico quando houve queda de escada com fratura de tornozelo esquerdo (fratura de pilão tibial fechada). A principio foi realizada redução com fixação externa para posteriormente osteossíntese com uso de placas e parafusos. Permaneceu com auxilio doença por 6 meses, retornando na função de gerente geral junto à agencia bancária. Prosseguiu realizando tratamento fisioterápico, tratamento que realiza até os dias atuais. Relata que frequentemente tem episódios de edema e algia, fazendo uso de analgésicos (dipirona e tramadol). Relata que tem dificuldades para exercer atividades onde tenha que permanecer grandes períodos sentada. Conseguiu trabalhar até março de 2021, quando pediu demissão diante das dificuldades de exercer suas funções. Atualmente exerce a função de vendedora autônoma, função que apesar das dificuldades esta conseguindo exercer.
Considerando as informações colhidas na anamnese, nos documentos apresentados e principalmente no exame físico da pericianda, observa-se que a mesma teve fratura importante em tornozelo esquerdo (fratura de pilão), com osteossíntese realizada em período anterior, prosseguiu com tratamento clinico e fisioterápico, mas persiste limitação também importante neste seguimento. Observa-se que a lesão sofrida, bem como o quadro clínico atual, se enquadra na relação das situações que dão direito ao auxílio acidente do anexo III, do decreto 3.048/99, Quadro 6 – alterações articulares – letra G (redução em grau médio ou superior dos movimentos das articulações coxofemural e/ou joelho, e/ou tíbio-társica, onde se observa a redução em grau médio em tíbio-tarsica)."
Em resposta aos quesitos complementares, o perito informou que a autora "está com sua capacidade laborativa reduzida, porém, não impedido de exercer a mesma atividade".
Complementando o laudo pericial, após análise das informações prestadas pelo Banco do Brasil (Id 287119955 - Pág. 1) sobre as atribuições laborais da autora na instituição, o expert concluiu (Id 287119960 - Pág. 3):
"(...) Após rever todo o exame físico da pericianda, onde se observou que a mesma teve importante fratura de tornozelo esquerdo, classificada como fratura de pilão tibial, comprometimento que causa dificuldade para apoiar peso e para deambular, verifica-se que a mesma tem limitações durante a marcha e para se manter em posição ortostática, mesmo que seja por pequenos períodos. Porém, considerando o que foi descrito acima, (Descrição das funções exercida pela pericianda junto ao Banco do Brasil), não se observou restrições que reduzam sua capacidade laboral."
Instado a prestar novos esclarecimentos, após a juntada do PPP pelo Banco do Brasil, o perito judicial respondeu (Id 287120067):
"(...) 6 - Diante da perícia, quais os prejuízos que a Demandante sofre em decorrência do acometimento de tais patologias em seu dia a dia, de ordem social e pessoal?
R: observa-se limitação de movimentos ao nível de tornozelo direito, com marcha claudicante.
7 - No primeiro laudo, o Nobre Expert fez menção a edemas e algias em caso de a Pericianda permanecer muito tempo sentada. Agora, no último laudo, houve somente menção a prejuízo em posição ortostática (em pé). Gostaríamos de esclarecimento do Nobre Perito se a permanência em situação estática também sentada por muito tempo poderia causar edemas e algias?
R: certamente permanecendo grande período em posição ortostática ou sentado por longo tempo, haverá edema da perna direita.
8 – Especificamente para fins de dirigir veículos, o Douto Expert entende por redução de capacidade funcional ou mesmo necessidade de maior esforço por parte da Pericianda?
R: para fins de condução de veículos de passeio, não se observou restrição importante, considerando que a pericianda tem CNH categoria C, renovada em 27/10/2021, sem anotação de restrições.
(...) 10 – Ante a nova prova trazida aos autos de que para realizar suas atribuições, a Pericianda precisava se locomover com frequência entre cidades e participar de eventos diversos, como audiências, reuniões, visitas a clientes e outras agências, o Nobre Perito entenderia por redução de capacidade funcional ou mesmo necessidade de maior esforço por parte da Pericianda para exercê-las?
R: a pericianda tem restrições para deambular grandes distâncias, permanecer em posição ortostáticas, subir e descer escadas e pegar / transportar objetos pesados, mas nada consta de informações sobre conduzir veículos. (...)"
Por fim, concluiu o perito judicial que "a pericianda teve importante fratura de tornozelo esquerdo, classificada como fratura de pilão tibial. Esta lesão causa repercussão durante a marcha, para permanecer até por pequenos períodos em posição ortostática, para subir/descer escadas, bem como para deambular grandes distâncias. Porém, para a função exercida pela pericianda (descritas acima) não se observou restrições."
Conforme se pode extrair das diversas manifestações do perito, a conclusão desta última citada está em contradição com o que fora anteriormente afirmado pelo expert.
Ora, ficou consignado pelo perito, e não foi desmentido em suas últimas manifestações, que a autora sente dores e certamente sofre inchaço na perna ao ficar muito tempo sentada, é certo que, mesmo que o seu trabalho fosse exercido somente à mesa de trabalho, estaria claramente configurada a restrição laborativa.
Também com relação ao transporte no âmbito de suas atribuições, ainda que não conste dos documentos juntados prova de que a autora conduzia veículo próprio para os deslocamentos inerentes à sua função, tal possibilidade de meio de locomoção há de ser considerada na avaliação das eventuais restrições decorrentes do acidente. E mais que isso, seja qual for o meio de transporte utilizado, em regra a pessoa transportada permanece sentada por longo período, de modo que a autora estaria sujeita às dores e edemas referidos pelo profissional que a avaliou.
Ainda, o expert afirmou que a autora apresenta "limitação importante de movimentos de tornozelo", marcha claudicante, e "tem restrições para deambular grandes distâncias, permanecer em posição ortostáticas, subir e descer escadas". Desse modo, tanto na hipótese de deslocamentos internos à agência bancária, quanto na de saída para eventos externos, fica nítido que há restrição para o trabalho exercido à época, mesmo que não haja impossibilidade total para o desempenho das funções.
O PPP apresentado pela instituição empregadora, informa que a autora tinha como atribuição a função de preposta do banco, o que leva à convicção de que participava de audiências, na qualidade de representante da instituição. Isso implica tanto em deslocamentos quanto em longo tempo na posição sentada.
Pois bem. É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial (art. 479 do CPC), mas deve levar em conta todo o conjunto probatório para formar sua convicção.
Do que consta dos autos, fica bem delineada a restrição laborativa da autora para as funções que desempenhava, em decorrência do acidente sofrido, de modo que faz jus ao auxílio-acidente.
O benefício há de ser concedido com início no dia seguinte à cessação do auxílio-doença decorrente da mesma causa, nos termos do que foi decidido no paradigma do Tema 862/STJ: “O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observando-se a prescrição quinquenal da Súmula 85/STJ.”
Para tanto, é despiciendo haver interregno de tempo entre a cessação de auxílio-doença e o requerimento administrativo do auxílio-acidente.
Por fim, não há que se falar em prescrição, tendo em vista que, entre o indeferimento administrativo, em 16/07/2021 (Id 287119893), e o ajuizamento da demanda, em 03/09/2021, não transcorreram cinco anos.
Consectários legais e honorários advocatícios
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução 784/2022 do CJF, o qual já contempla a aplicação da Selic, nos termos do art. 3º da EC 113/2021 (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora incidirão até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC; e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111/STJ).
Deve aplicar-se, também, a majoração dos honorários advocatícios, prevista no art. 85, § 11, do CPC, observados os critérios e percentuais estabelecidos nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo.
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais da parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei 9.289/96, art. 4º, I, e parágrafo único).
Dispositivo
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, fixando, de ofício, os consectários legais e os honorários advocatícios, na forma acima explicitada.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE. REDUÇÃO DA CAPACIDADE PARA A FUNÇÃO HABITUAL DEMONSTRADA. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A ausência de pedido de prorrogação do auxílio-doença previdenciário não retira o interesse de agir da parte autora, pois houve requerimento administrativo específico quanto ao auxílio-acidente, com DER em 20/05/2021, o que se deu antes da petição inicial, protocolizada em 03/09/2021. Logo, é inaplicável o óbice preliminar referente ao Tema 350/STF.
2. O benefício de auxílio-acidente está disciplinado no art. 86 da Lei 8.213/91 (LBPS), e consiste em indenização paga ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que reduzam a capacidade para o trabalho habitual.
3. Nos termos do § 2º do art. 86 da LBPS, o auxílio-acidente tem como termo inicial o dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado.
4. Conforme se pode extrair das diversas manifestações do perito, a conclusão apresentada na última delas está em contradição com o que fora anteriormente afirmado pelo expert.
5. Conforme os laudos técnicos do perito, a autora sente dores e certamente sofre inchaço na perna ao ficar muito tempo sentada. É certo que, mesmo que o seu trabalho fosse exercido somente à mesa de trabalho, estaria claramente configurada a restrição laborativa.
6. O expert afirmou que a autora apresenta "limitação importante de movimentos de tornozelo", marcha claudicante, e "tem restrições para deambular grandes distâncias, permanecer em posição ortostáticas, subir e descer escadas". Desse modo, tanto na hipótese de deslocamentos internos à agência bancária, quanto na de saída para eventos externos, fica nítido que há restrição para o trabalho exercido à época, mesmo que não haja impossibilidade total para o desempenho das funções.
7. Do que consta dos autos, fica bem delineada a restrição laborativa da autora para as funções que desempenhava, em decorrência do acidente sofrido, de modo que faz jus ao auxílio-acidente.
8. O benefício há de ser concedido com início no dia seguinte à cessação do auxílio-doença decorrente da mesma causa, nos termos do que foi decidido no paradigma do Tema 862/STJ.
9. Apelação não provida. Fixados, de ofício, os consectários legais e os honorários advocatícios.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
