
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003358-35.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HENRIQUE JOSE DIAS
Advogados do(a) APELADO: CASSIO GUSMAO DOS SANTOS - SP374404-A, DENIS GUSTAVO PEREIRA DOS SANTOS - SP329972-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003358-35.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HENRIQUE JOSE DIAS
Advogados do(a) APELADO: CASSIO GUSMAO DOS SANTOS - SP374404-A, DENIS GUSTAVO PEREIRA DOS SANTOS - SP329972-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento de período(s) trabalhado(s) em atividades especiais, a partir da DER ou com reafirmação da DER, ou aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou procedente o pedido para condenar o requerido a: 1) reconhecer e averbar o(s) período(s) de trabalho da parte requerente em condições especiais, de 07/02/1994 a 20/09/2019; 2) pagar-lhe o benefício de aposentadoria especial, previsto no artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, sem as alterações da EC nº 103/2019, desde a data de entrada do requerimento administrativo (20/09/2019), observada a prescrição quinquenal, descontando-se eventuais valores pagos administrativamente ou por força de tutela provisória. Determinou que a correção monetária dos valores em atraso, aplicável desde a data do vencimento de cada prestação, bem como os juros de mora, incidentes a partir da citação até a expedição do ofício requisitório, serão calculados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente na data de início da liquidação/cumprimento do julgado. Condenou o requerido a pagar honorários advocatícios ao advogado da parte requerente, nos percentuais mínimos referidos no artigo 85, §§ 3º, 4º e 5º, do Código de Processo Civil, sobre o valor da condenação, assentando, contudo, que não serão incluídas na base de cálculo as parcelas que se vencerem após a prolação desta sentença, conforme intelecção do enunciado da súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça. Custas na forma da lei. Determinou, a requerimento da parte, com fundamento no artigo 497 do Código de Processo Civil, que o requerido iniciasse o pagamento do benefício objeto da condenação, no prazo de até 45 dias, a partir de comunicação oficial, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 100,00, e que os valores em atraso serão pagos após o trânsito em julgado.
Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, sustentando que o laudo somente avaliou o período de 07/02/94 a 30/11/94, eficácia do EPI, e não configuração de habitualidade e permanência. Caso mantida a procedência do pedido, requer a restituição de valores recebidos indevidamente a título de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada e que o termo inicial do efeito financeiro da condenação seja fixado na data da juntada do laudo pericial em juízo.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos ao Tribunal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003358-35.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HENRIQUE JOSE DIAS
Advogados do(a) APELADO: CASSIO GUSMAO DOS SANTOS - SP374404-A, DENIS GUSTAVO PEREIRA DOS SANTOS - SP329972-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Aposentadoria Especial
A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Prevê ainda, o mencionado diploma legal, no art. 162, o reconhecimento de atividade especial prestada em data anterior à sua edição, na hipótese de seu cômputo ser mais benéfico ao segurado.
Como assentado pelas Cortes Superiores "tal hipótese, apesar de similar, não se confunde com a questão da legislação aplicável ao caso de concessão de aposentadoria, tampouco com aquela que diz respeito à possibilidade de aplicação retroativa da lei nova que estabeleça restrição ao cômputo do tempo de serviço. (...) Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado, sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercida depois da Lei nº 3.807/60, desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal situação, porém em data anterior à lei de regência" (Ag Rg no REsp nº 1015694, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, DJe 01/02/2011)
Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.
Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.
Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).
As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.
Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.
Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.
Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
Nos termos da Súmula nº 68 da TNU, “o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado”. A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica."(Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014); “inexiste exigência legal de contemporaneidade dos documentos técnicos que comprovam o exercício de labor especial” (8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008647-15.2021.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 09/08/2022, DJEN DATA: 12/08/2022).
Da vedação prevista no art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91
O Plenário do E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 709 de repercussão geral (RE nº 791.961-PR, j.08.06.2020), em que se discute, à luz dos arts. 5º, XIII; 7º, XXXIII, e 201, § 1º, da Constituição Federal, a constitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, que veda a percepção do benefício da aposentadoria especial pelo segurado que continuar exercendo atividade ou operação nociva à saúde ou à integridade física, firmou a seguinte tese: “I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão”.
Em 24.02.2021, o Pleno do STF, por maioria, acolheu parcialmente os embargos de declaração, para: “a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas; b) alterar a redação da tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida: “4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: ‘(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.’”; c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento; e d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento, nos termos do voto do Relator.”
Em 04.10.2021, o Pleno retomou a análise da matéria em sede de embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal para modular os efeitos, excepcionalmente e temporalmente, da incidência do acórdão, no tocante aos profissionais de saúde constantes do rol do art. 3º-J da Lei nº 13.979/2020, e que estejam trabalhando diretamente no combate à pandemia do COVID-19, ou prestando serviços de atendimento a pessoas atingidas pela doença em hospitais ou instituições congêneres, públicos ou privados, ficando suspensos os efeitos do acórdão proferido nos autos, enquanto estiver vigente a referida lei, que dispõe sobre as medidas de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do vírus SARS-COV2, rejeitando os aclaratórios opostos pelo Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios, Derivados de Petróleo e Combustíveis de Santos e Região.
Depreende-se assim, que o exercício da atividade especial pelo segurado durante o trâmite do processo administrativo ou judicial, seja de concessão ou de revisão, não altera o seu direito à percepção do benefício e dos efeitos financeiros decorrentes. Apenas com a implantação efetiva do benefício é que se lhe aplica a vedação do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, cabendo ao INSS, dentro das suas atribuições, fiscalizar o afastamento do segurado das atividades a partir de então.
Agentes Biológicos
Os Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79, em seus respectivos quadros anexos, elencam ambos os agentes biológicos nocivos à saúde que determinam o reconhecimento da especialidade de atividades profissionais com exposição e contato direto a germes infecciosos e com doentes ou materiais infecto-contagiantes.
Por sua vez, os Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99 estabelecem também a nocividade da exposição a microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas nas atividades em estabelecimentos de saúde que venham a ter contato com paciente portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados, com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos, em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo-histologia, de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados, em galerias, fossas e tanques de esgoto, bem como esvaziamento de biodigestores e coleta e industrialização do lixo.
Portanto, a aferição da insalubridade decorrente da exposição a agentes biológicos exige a descrição das atividades e do ambiente de trabalho pelos meios de prova exigidos nos respectivos períodos, quais sejam: formulários SB-40, DIRBEN 8030, PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário.
No entanto, inúmeras questões foram surgindo nos tribunais no pertinente ao reconhecimento da especialidade, notadamente aquelas relacionadas ao local da prestação de serviços, necessidade da atividade estar efetivamente elencada nos decretos legais, habitualidade e permanência da exposição ao agente infeccioso ou nocivo e, até mesmo, a questão relacionada ao risco potencial de contaminação, mesmo nas hipóteses em que não se comprova a efetiva exposição.
Visando dirimir tais questionamentos, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), em sede de julgados representativos de controvérsia, firmou os Temas 205 e 211, cujos enunciados devem nortear o magistrado, conforme transcrição in verbis:
Tema 205: “a) para reconhecimento da natureza especial de tempo laborado em exposição a agentes biológicos não é necessário o desenvolvimento de uma das atividades arroladas nos Decretos de regência, sendo referido rol meramente exemplificativo; b) entretanto, é necessária a comprovação em concreto do risco de exposição a microorganismos ou parasitas infectocontagiosos, ou ainda suas toxinas, em medida denotativa de que o risco de contaminação em seu ambiente de trabalho era superior ao risco em geral, devendo, ainda, ser avaliado, de acordo com a profissiografia, se tal exposição tem um caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independentemente de tempo mínimo de exposição durante a jornada” (Tema 211/TNU). (publicado em 16/03/2020)
Tema 211: “Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.” (publicado em 17/12/2019)
Vale dizer, no que diz respeito à habitualidade e permanência, que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que a aferição da exposição aos agentes biológicos deve observar o critério qualitativo, e não quantitativo (STJ, REsp 1.468.401, Primeira Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 27/3/2017).
Embora o PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário aponte a eficácia dos equipamentos de proteção individual, tal informação não obsta a efetiva exposição aos agentes nocivos, notadamente os infecciosos, que deve ser interpretada como potencialmente insalubre e perigosa, porquanto a simples afirmação acerca de sua eficácia não reflete, por si só, a comprovação de que o emprego do equipamento se deu de forma constante e fiscalizada, tampouco que frequentemente neutralizou o agente nocivo.
Da sentença trabalhista para fins previdenciários
A sentença proferida no âmbito da Justiça do Trabalho não configura prova absoluta do período de trabalho, nos casos em que a ação termina em acordo homologado. Nem o INSS, nem o Judiciário Federal, devem ser obrigados a acolher sem ressalvas esse tipo de documento, uma vez que tal procedimento serve, em muitos casos, tão somente como instrumento de simulações por meio da utilização da Justiça do Trabalho. Afinal, uma ação dessa natureza acaba por ter efeito semelhante ao que teria uma declaração do empregador - apenas, tem também uma homologação de um Juiz. Porém, essa sentença serve como início de prova do exercício de atividade urbana, na condição de empregado.
Por outro lado, nos casos em que há análise de controvérsia em juízo, com julgamento do mérito, aumenta a força probante da sentença trabalhista transitada em julgado. Não perde ela, contudo, o caráter de início de prova material, devendo ser analisada em consonância com o conjunto probatório, para reconhecimento da atividade laboral. É de se atentar, inclusive, para as dificuldades decorrentes das hipóteses em que na sentença constar expressamente determinação para regularização dos recolhimentos previdenciários, tendo em vista a não participação do INSS no conflito.
Neste sentido:
"PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NO JULGADO. INCONFORMAÇÃO COM A TESE ADOTADA PELA SEGUNDA TURMA. 1. O embargante, inconformado, busca efeitos modificativos com a oposição destes embargos declaratórios, uma vez que pretende ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com sua tese. 2. A omissão, contradição e obscuridade suscetíveis de serem afastadas por meio de embargos declaratórios são as contidas entre os próprios termos do dispositivo ou entre a fundamentação e a conclusão do acórdão embargado, o que não ocorre neste caso. 3. O STJ entende que a sentença trabalhista , por se tratar de uma verdadeira decisão judicial, pode ser considerada como início de prova material para a concessão do benefício previdenciário, bem como para revisão da Renda Mensal Inicial, ainda que a Autarquia não tenha integrado a contenda trabalhista. 4. A alegada existência de contradição não procede, uma vez que ficou demasiadamente comprovado o exercício da atividade na função e os períodos alegados na ação previdenciária. Embargos de declaração rejeitados."
(EAARESP 201200102256, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, STJ - Segunda Turma, DJE 30/10/2012)
"PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO EMPREGADO. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. RESPONSABILIDADE. EMPREGADOR. REVISÃO DE BENEFÍCIO. INCLUSÃO DE VERBAS RECONHECIDAS EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. TERMO INICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DECRETO N. 3.048/1999, ARTIGO 144. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Em se tratando de segurado empregado, cumpre assinalar que a ele não incumbe a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições. Nessa linha de raciocínio, demonstrado o exercício da atividade vinculada ao Regime Geral da Previdência, nasce a obrigação tributária para o empregador. 2. Uma vez que o segurado empregado não pode ser responsabilizado pelo não recolhimento das contribuições na época própria, tampouco pelo recolhimento a menor, não há falar em dilatação do prazo para o efetivo pagamento do benefício por necessidade de providência a seu cargo. 3. A interpretação dada pelas instâncias ordinárias, no sentido de que o segurado faz jus ao recálculo de seu benefício com base nos valores reconhecidos na justiça obreira desde a data de concessão não ofende o Regulamento da Previdência Social. 4. Recurso especial improvido."
(RESP 200802791667, Rel. Min. JORGE MUSSI, STJ - Quinta Turma, DJE 03.08.2009.).
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ART. 557, §1º, DO CPC. AUXÍLIO-RECLUSÃO. SENTENÇA TRABALHISTA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL DA ATIVIDADE REMUNERADA. QUALIDADE DE SEGURADO.
I - É assente o entendimento esposado pelo E. STJ no sentido de que a sentença trabalhista constitui início de prova material de atividade remunerada para a concessão do benefício previdenciário.
II - No caso dos autos, o último contrato de trabalho foi registrado em CTPS em decorrência de acordo judicial homologado pela Justiça do Trabalho de Birigui/SP, pelo qual restou reconhecido o vínculo empregatício com o empregador Revital Ind. e Com., período compreendido entre 01.02.2009 e 30.10.2009, com valor correspondente a R$ 600,00.
III - Realizado o recolhimento das contribuições previdenciárias na demanda trabalhista, pertinentes ao período reconhecido na Justiça do Trabalho, mantem-se o equilíbrio atuarial e financeiro previsto no art. 201 da Constituição da República, não existindo justificativa para a resistência do INSS em reconhecê-los para fins previdenciários, ainda que não tenha integrado aquela lide.
IV - Agravo do INSS desprovido (art. 557, §1º, do CPC)".
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Sergio Nascimento, Proc. n.º 0050235-05.2012.4.03.9999/SP, DJ 13/08/2013)
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, CPC/1973. REVISÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CÁLCULO DE RENDA MENSAL. INCLUSÃO DE VERBAS RECONHECIDAS EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A decisão agravada está em consonância com o disposto no art. 557 do CPC/1973, visto que supedaneada em jurisprudência consolidada.
2. Inexiste óbice para que a sentença prolatada em sede trabalhista, transitada em julgado, constitua início razoável de prova material atinente à referida atividade laboral, de modo que o período ali reconhecido possa ser utilizado, inclusive, para fins previdenciários, ainda mais quando da referida sentença constar obrigação para regularização dos recolhimentos previdenciários devidos.
3. E no que concerne ao pagamento das respectivas contribuições, relativamente ao interregno do labor reconhecido, é de se ressaltar que compete ao empregador a arrecadação e o recolhimento do produto aos cofres públicos, a teor do artigo 30, inciso I, "a" e "b" da Lei 8.212/91 e ao Instituto Nacional da Seguridade Social a arrecadação, fiscalização, lançamento e recolhimento de contribuições, consoante dispõe o artigo 33 do aludido diploma legal, não podendo ser penalizado o empregado pela ausência de registro em CTPS, quando deveria ter sido feito em época oportuna, e muito menos pela ausência das contribuições respectivas, quando não deu causa.
4. E, no caso dos autos, houve a determinação de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, conforme observado dos termos da cópia da reclamação trabalhista apresentada pela parte autora, com a exordial.
5. Observa-se que nos termos do inciso I, art. 28, da Lei nº 8.212/91, o salário-de-contribuição é remuneração efetivamente recebida ou creditada a qualquer título, inclusive ganhos habituais sob a forma de utilidades, ressalvando o disposto no § 8º e respeitados os limites dos §§ 3º, 4º e 5º deste artigo. Assim, para o cálculo da renda mensal inicial, respeitados os limites estabelecidos, as horas-extras decorrentes de decisão trabalhista devem integrar os salários-de-contribuição que foram utilizados no período básico de cálculo.
6. Destarte, em suma, as verbas reconhecidas em sentença trabalhista após concessão do benefício devem integrar os salários-de-contribuição utilizados no período base de cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição, para fins de apuração de nova renda mensal inicial. Ademais, verifica-se que a autora verteu a contribuição ao RGPS relativa à competência de janeiro/2005, devendo ser confirmada a sua inclusão no período básico de cálculo, conforme reconhecido pela r. sentença.
7. Todavia, cumpre fixar a data de início dos pagamentos da revisão de benefício previdenciário a partir da data da citação (21/05/2008), ocasião em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão ora deduzida, cabendo determinar a reforma da r. sentença, neste ponto.
8. Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora na esfera administrativa.
9. As razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum.
10. Agravo legal improvido."
(TRF 3ª Região, AC nº 0003027-61.2008.4.03.6120, Sétima Turma, Rel. Des. Fed. TORU YAMAMOTO, j. 08/08/16)
Acresça-se que, em julgamento ocorrido em 17/08/16, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) decidiu que a ação reclamatória trabalhista será válida como início de prova material em duas situações: quando for fundamentada em documentos que comprovem o exercício da atividade na função com os períodos alegados, satisfatoriamente complementado por prova testemunhal; e quando o seu ajuizamento seja contemporâneo ao término do pacto laboral(Processo nº 2012.50.50.002501-9).
Comprovado o vínculo empregatício, o empregado não pode ser penalizado pela ausência de registro em CTPS, que deveria ter sido feito em época oportuna, e muito menos pela ausência das contribuições respectivas ou seu recolhimento a menor, quando não deu causa, competindo ao empregador a arrecadação e o recolhimento das contribuições aos cofres públicos, a teor do artigo 30, inciso I, "a" e "b" da Lei 8.212/91, bem como art. 276 do Decreto nº 3.048/99 e ao Instituto Nacional da Seguridade Social a arrecadação e fiscalização.
Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.
O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp n. 1.889.768/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 10/12/2021; REsp n. 1.800.908/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/4/2019, DJe de 22/5/2019; REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).
Fonte de custeio
Quanto à alegação de necessidade de prévio custeio, cumpre ressaltar inexistir vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa/nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, eis que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 não demandam tal exigência, que constituiria encargo para o empregador, não podendo o empregado ser por isso prejudicado.Assim já definiu o C. STF, ao apreciar o tema em repercussão geral ARE nº 664.335/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 09/12/2014, DJE 27/03/2015.
Caso concreto - elementos probatórios
Atividade especial
O(s) período(s) de 01/12/94 a 31/10/2009 e 01/11/2009 a 30/04/2019 deve(m) ser considerado(s) como trabalhado(s) em condições especiais, porquanto restou comprovada a exposição habitual e permanente a agentes biológicos (microorganismos), enquadrando-se no código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 3.048/99, conforme o PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário de ID 299968176 - Pág. 24/27.
O(s) período(s) de 07/02/1994 a 30/11/1994 deve(m) ser considerado(s) como trabalhado(s) em condições especiais, porquanto restou comprovada a exposição habitual e permanente a agentes biológicos (microorganismos), enquadrando-se no código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 3.048/99, conforme o laudo pericial de ID 299969304 - Pág. 1/21.
A soma do(s) período(s) especial(ais) reconhecido(s) totaliza mais de 25 anos de tempo de serviço especial (v. tabela abaixo), o que autoriza a concessão da aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
Assim, de rigor a manutenção da sentença recorrida, bem como da antecipação da tutela, tendo em vista o caráter alimentar das prestações vindicadas.
No que tange aos efeitos financeiros da concessão ou revisão do benefício, considerando que o reconhecimento das atividades especiais decorreu de produção de prova realizada na esfera judicial, a hipótese do caso se amolda à previsão do Tema 1.124 do C. Superior Tribunal de Justiça, e, portanto, deve seguir o quanto vier a ser definido quando do julgamento dos recursos representativos de controvérsia Resp. 1905830/SP, 1912784/SP e 1913152/SP, afetados em 17/12/2021.
Contudo, embora haja determinação de suspensão de todos os recursos que versam sobre a matéria no âmbito dos tribunais, entendo que a questão terá impactos apenas na fase de liquidação da sentença, não havendo prejuízos processuais às partes a solução dos demais pontos dos recursos por esta Corte já neste momento, priorizando, assim, o princípio da celeridade processual, cabendo ao juiz da execução determinar a observância do quanto decidido pela Corte Superior quando da feitura dos cálculos do montante do crédito devido ao beneficiário.
Considerando o parcial provimento do recurso do INSS, incabível a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Precedente do STJ (AgInt nos EREsp n. 1.539.725/DF, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 9/8/2017, DJe de 19/10/2017.)
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para ressaltar que, em relação ao termo inicial dos efeitos financeiros caberá ao juiz da execução determinar a observância do quanto decidido pela Corte Superior quando da feitura dos cálculos do montante do crédito devido ao beneficiário.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA ESPECIAL. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTES BIOLÓGICOS. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS. TEMA 1124/STJ. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. MANUTENÇÃO.
1. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua demonstração.
2. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 11/12/97).
3. Condição especial de trabalho configurada. Exposição habitual e permanente a agentes biológicos (microorganismos - código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 3.048/99).
4. A soma dos períodos redunda no total de mais de 25 anos de tempo de serviço especial, o que autoriza a concessão da aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
5. No que tange aos efeitos financeiros da concessão ou revisão do benefício, considerando que o reconhecimento das atividades especiais decorreu de produção de prova realizada na esfera judicial, a hipótese do caso se amolda à previsão do Tema 1.124 do C. Superior Tribunal de Justiça, e, portanto, deve seguir o quanto vier a ser definido quando do julgamento dos recursos representativos de controvérsia Resp. 1905830/SP, 1912784/SP e 1913152/SP, afetados em 17/12/2021.
6. Contudo, embora haja determinação de suspensão de todos os recursos que versam sobre a matéria no âmbito dos tribunais, a questão terá impactos apenas na fase de liquidação da sentença, não havendo prejuízos processuais às partes a solução dos demais pontos dos recursos por esta Corte já neste momento, priorizando, assim, o princípio da celeridade processual, cabendo ao juiz da execução determinar a observância do quanto decidido pela Corte Superior quando da feitura dos cálculos do montante do crédito devido ao beneficiário.
7. Inaplicável a sucumbência recursal, considerando o parcial provimento do recurso. Honorários de advogado mantidos.
8. Apelação parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
