Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000369-47.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/07/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 05/08/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO DOENÇA/APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP.
1. Conforme entendimento firmando nos tribunais superiores, a ausência de prova material apta a
comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito
2. Honorários de advogado fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo
85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita
que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de
Processo Civil/2015..
3. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação da parte autora prejudicada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000369-47.2020.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: BENEDITA CARDOSO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELANTE: VITOR HUGO VENDRAMEL NOGUEIRA - SP255283-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000369-47.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: BENEDITA CARDOSO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELANTE: VITOR HUGO VENDRAMEL NOGUEIRA - SP255283-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou benefício
previdenciário de auxílio doença.
A sentença prolatada em 26/07/2019 (fls.6 – ID125059483) julgou improcedente o pedido, com
fundamento na falta de qualidade de segurado. Honorários advocatícios fixados em 15% do
valor da causa, observada a gratuidade da justiça.
Apela a parte autora sustenta, em síntese, que preenche os requisitos para a concessão do
benefício.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000369-47.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: BENEDITA CARDOSO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELANTE: VITOR HUGO VENDRAMEL NOGUEIRA - SP255283-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária,
se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo
segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de
previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de
segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça,
durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado
segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições
previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador
desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a
necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o
Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei
Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá
ser suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem
aptas a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo
no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de
competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de
segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o
término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus
dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do
tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário,
conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível
a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o
período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Acresça-se, também, que será garantida a condição de segurado ao trabalhador rural que não
tiver vínculo de emprego devidamente registrado em CTPS desde que comprovado o labor
mediante ao menos início de prova documental, consoante estabelecido na Súmula nº 149 do
STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é
imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o
documento. (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).
Também é pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos
trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa
ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel.
Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Por fim, quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a
concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º
8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias
do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência,
ressalvado o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze)
contribuições mensais;".
No caso concreto.
A parte autora, trabalhadora rural, 55 anos de idade no momento da perícia médica, afirma ser
portadora de patologias cardiovasculares, estando incapacitada para o trabalho.
Para demonstrar sua condição de trabalhador rural, consta dos autos os seguintes documentos:
- Certidão de casamento da autora, realizado em 28/10/1980, ocasião em que o cônjuge foi
qualificado como lavrador.
- CTPS com registro de vínculo empregatício, mantido pela autora, no período de 01/08/2000 a
23/04/2005, em atividade rural.
- CTPS com registros de vínculos empregatícios mantidos pelo cônjuge, de forma descontínua,
entre 1989 a 31/01/2014, em atividade rural.
Não foram ouvidas testemunhas.
O laudo pericial médico realizado em 30/01/2017 (fls.117 – ID125059491), complementado em
26/06/2018 (fls.204 – ID125059491) atesta que a parte autora é portadora de coronariopatia
com sequela de infarto do miocárdio. Relata que acompanhou o marido nas lides rurais até
2008. Conclui pela incapacidade parcial e permanente para o trabalho. Indica o início da
incapacidade em 2012, quando sofreu o infarto.
A aferição da qualidade de segurado na condição de trabalhador rural, desguarnecida da devida
contribuição previdenciária, requer um robusto conjunto probatório harmônico e coerente que
não se afigura neste feito.
O contrato de parceria agrícola e a CTPS do cônjuge, que, em tese, serviria como início de
prova material, não demonstra o labor rural no período de doze meses anteriores à data de
início da incapacidade estabelecida no laudo pericial, e contradiz as alegações da própria
autora, que afirmou, por ocasião da perícia, que trabalhou nas lides rurais até 2008.
O extrato do sistema Dataprev (fls.51 – ID125059491), indica que a parte autora ingressou no
RGPS em 2000, mantendo vínculo empregatício no período de 01/08/2000 a 23/04/2005, o que
lhe garantiu a qualidade de segurado até 15/06/2007, já considerada a extensão do período de
graça em razão do desemprego. Considerando o início da incapacidade em 2012, não mais
ostentava a qualidade de segurado.
Tendo em vista que o conjunto probatório foi insuficiente para a comprovação da atividade rural
pelo período necessário, de acordo com a técnica processual vigente, de rigor seria a
improcedência da ação.
Entretanto, o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1352721/SP,
processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que a ausência de prova no
processo previdenciário, no qual se pleiteia benefícios previdenciário para rurícolas, implica em
extinção do processo sem resolução de mérito, proporcionando ao trabalhador rural a
possibilidade de ingressar com nova ação caso obtenha início de prova material suficiente à
concessão do benefício pleiteado.
Confira-se:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE
DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO
ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os
seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas
previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em
conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto
social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais
da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da
Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido
de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe
garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na
hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna,
a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental
à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística
civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar
prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas
demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual
garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir
como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo
certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente
dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura
previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela
via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
Portanto, considerando o entendimento atual do STJ exarado em sede de recurso repetitivo, em
que pese a posição contrária deste relator o processo deve ser extinto sem resolução do mérito.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado, que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do
Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que
lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de
Processo Civil/2015.
Diante do exposto, de ofício, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do
artigo 485, IV, do CPC/2015, ante a insuficiência de início de prova material do labor rural
(REsp 1352721/SP), restando prejudicada a apelação da parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO DOENÇA/APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP.
1. Conforme entendimento firmando nos tribunais superiores, a ausência de prova material apta
a comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito
2. Honorários de advogado fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do
artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária
gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do
Código de Processo Civil/2015..
3. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação da parte autora prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, julgar extinto o processo sem resolução de mérito, restando
prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
