
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5121127-91.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO RODRIGUES DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ANNA KAROLLINA CHAVES DE OLIVEIRA - SP357806-A, EDUARDA PASSARELLI DA SILVA - SP506050-N, MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5121127-91.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO RODRIGUES DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ANNA KAROLLINA CHAVES DE OLIVEIRA - SP357806-A, EDUARDA PASSARELLI DA SILVA - SP506050-N, MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qual a parte autora busca o reconhecimento de atividade especial, com vistas à revisão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou procedente o pedido para:
"A) RECONHECER como atividade especial, os períodos de 14/03/1994 a 22/02/1996, 03/05/2004 a 01/12/2004, 11/04/2005 a 29/11/2005, 02/04/2007 a 21/12/2007, 01/04/2008 a 24/12/2008, 06/03/2009 a 31/01/2010, 02/05/2013 a 09/10/2015 e 01/07/2016 a 28/05/2017, laborados pelo autor ANTONIO RODRIGUES DA SILVA em atividade especial, determinando que o requerido proceda à averbação necessária; B) CONDENAR o requerido a conceder ao autor o benefício em aposentadoria especial, desde a data da entrada do requerimento administrativo (18/11/2018), convertendo o benefício anteriormente concedido com pagamento das parcelas vencidas e vincendas em virtude da presente decisão de uma só vez, incidindo correção monetária e juros de mora desde a data da citação, nos termos da Lei 11.960/09, e modulação decidida pelo C. STF, observada a prescrição quinquenal..."
Inconformada, a autarquia interpôs apelação. Invocou, inicialmente, efeito suspensivo ativo nos termos do art. 1.012, §3º, I, do CPC e a inviabilidade do pleito revisional sob o argumento de violação a ato jurídico perfeito e inaplicabilidade da tese do “melhor benefício”. No mérito, sustentou a impossibilidade do enquadramento efetuado, à míngua de comprovação. Alegou, ainda, a necessidade de apresentação de declaração de não acumulação de benefícios, nos termos do artigo 24, §§ 1º e 2º, da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019.
No que se refere aos consectários legais, requereu alteração do termo inicial, a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a isenção do pagamento das custas processuais e a compensação dos valores eventualmente pagos na esfera administrativa ou por força de tutela antecipada.
Ao final, prequestionou a matéria para fins recursais, com vistas a possível manejo de recursos aos tribunais superiores.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5121127-91.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO RODRIGUES DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ANNA KAROLLINA CHAVES DE OLIVEIRA - SP357806-A, EDUARDA PASSARELLI DA SILVA - SP506050-N, MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
De início, não se cogita de efeito suspensivo ativo da decisão recorrida, à míngua dos pressupostos necessários do § 1º do art. 1.012 do CPC.
Outrossim, afasto a alegação de que com a concessão do benefício operou-se ato jurídico perfeito, porquanto o segurado não tem obrigação alguma de saber qual espécie de benefício faz jus por ocasião do pleito administrativo, se aposentadoria por tempo ou aposentadoria especial, haja vista caber ao órgão técnico ancilar da previdência a apuração da prestação mais vantajosa.
É o que preconiza o art. 687 da IN n. 77/2015:
"Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido".
Nos termos do princípio tantum devolutum quantum appellatum, passo à análise das questões efetivamente impugnadas.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema n. 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da natureza especial da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se promover o enquadramento, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada;
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI;
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data de vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento do caráter nocente da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso.
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos citados Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a prejudicialidade do ofício, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
Analisados os autos, é possível reconhecer a natureza especial dos interstícios de:
(i) 14/3/1994 a 22/2/1996, 2/5/2013 a 9/10/2015 e 1º/7/2016 a 28/5/2017 - a parte autora logrou demonstrar, via laudo pericial por similaridade, exposição habitual e permanente a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância previstos na legislação previdenciária, durante a ocupação como "auxiliar de produção" e "operador de motosserra", fato que autoriza a contagem diferenciada pretendida em conformidade com os códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964, 1.1.5 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999.
Com efeito, a perícia judicial por similaridade foi realizada de forma escorreita, atestando efetivamente a presença de ruído nas funções do demandante. Foi elaborada por perito imparcial da confiança do Juízo e equidistante dos interesses das partes, sob o crivo do contraditório, sendo que a análise técnica dos ambientes de trabalho merece fé de ofício.
Ademais, a perícia por similaridade é aceita pela jurisprudência como meio adequado de fazer prova da condição de trabalho especial na hipótese de a empresa da prestação laboral encontrar-se inativa (vide REsp 1.370.229/RS, MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/2/2014; REsp 1.656.508/PR, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA: 2/5/2017).
(ii) 3/5/2004 a 1º/12/2004, 11/4/2005 a 29/11/2005, 2/4/2007 a 21/12/2007, 1º/4/2008 a 24/12/2008, 6/3/2009 a 31/1/2010 - depreende-se dos documentos coligidos aos autos, em especial PPP, laudo de terceiros nas mesmas ocupação e empresa e laudo judicial, sob o contraditório, o exercício das funções de "trabalhador rural no corte de cana" da parte autora no setor sucroalcooleiro (plantio, carpa, queima e colheita de cana-de-açúcar), atividade que comporta o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmado nesta Nona Turma (proferido nos autos n. 5062336-76.2018.4.03.9999), em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.
Sobre o tema, reporto-me a elucidativo artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho: De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.
Assim, afigura-se plausível o enquadramento especial dessa atividade, seja em razão da extrema penosidade da função seja em virtude da sujeição a agentes insalutíferos carcinogênicos.
Insta salientar, por fim, que diante das circunstâncias que envolvem a prestação laboral em exame, impõe-se reconhecer que a utilização do EPI não se revela apta a eliminar ou neutralizar, de forma eficaz, a nocividade dos agentes a que o trabalhador se encontrava exposto.
Tal constatação harmoniza-se com a prova dos autos e foi expressamente ressaltada na sentença, a qual destacou a insuficiência do EPI como medida de proteção plena diante da natureza do risco inerente à atividade desenvolvida.
Da Aposentadoria Especial
Somados os períodos de atividade especial reconhecidos judicial e administrativamente, a parte autora não completou os 25 (vinte e cinco) anos de tempo especial exigidos para a concessão da aposentadoria especial pleiteada.
Nesse aspecto, a contagem da parte autora em que estima pouco mais de 25 anos de atividade nocente na DER 12/11/2018 não prospera, sobretudo por não restarem comprovados os "lapsos incontroversos" de 11/10/2001 a 8/5/2003, de 4/2/2010 a 30/8/2011 e de 3/9/2012 a 31/12/2012, consoante análise administrativa indeferitória (ID 332324592 - Pág. 111).
Desse modo, não faz jus à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991, cabendo, tão somente, a revisão da renda mensal inicial - RMI do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição para computar o acréscimo resultante da conversão dos períodos especiais em comum, pelo fator 1,4.
Confira-se:
Demais Questões
Considerada a comprovação efetiva da natureza especial da função no curso desta ação, no que tange ao termo inicial dos efeitos financeiros da condenação, a questão foi submetida ao rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para resolução da seguinte controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo n. 1.124 (Recursos Especiais n. 1.905.830/SP, 1.912.784/SP e 1.913.152/SP – data da afetação: 17/12/2021):
“Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
Há determinação de suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal (art. 1.037, II, do CPC).
Não obstante, esta Nona Turma tem entendido não haver óbice ao prosseguimento da marcha processual, por ser possível a identificação da parte incontroversa e da parte controvertida da questão afetada, sendo o alcance dos efeitos financeiros uma das consequências da apreciação de mérito, passível de ser tratada na fase de cumprimento do julgado.
Esse entendimento favorece a execução e a expedição de ofício requisitório ou precatório da parte incontroversa do julgado, nos termos do artigo 535, § 4º, do CPC e do Tema n. 28 da Repercussão Geral (RE n. 1.205.530).
Destarte, fixo o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remeto à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Tendo em vista as disposições da EC n. 103/2019 sobre acumulação de benefícios em regimes de previdência social diversos (§§ 1º e 2º do art. 24), é necessária a apresentação de declaração, nos moldes do Anexo I da Portaria PRES/INSS n. 450/2020, na fase de cumprimento do julgado.
Ademais, possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados nesse momento.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, nos termos da fundamentação, rejeito a matéria preliminar e dou parcial provimento à apelação para fixar o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) desde a citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5121127-91.2025.4.03.9999 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | ANTONIO RODRIGUES DA SILVA |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. EPI. RUÍDO. ATIVIDADE RURAL NO CORTE DE CANA-DE-AÇÚCAR. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. REVISÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
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Apelação interposta pelo INSS contra sentença que reconheceu períodos de atividade especial do segurado, determinando a revisão de benefício previdenciário. O autor requereu o enquadramento de interstícios laborais como especiais, para fins de concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, revisão da aposentadoria por tempo de contribuição.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
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Há três questões em discussão:
(i) definir se os períodos laborados devem ser reconhecidos como de atividade especial, em razão da exposição a ruído e a agentes nocivos no corte de cana-de-açúcar;
(ii) estabelecer se o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) descaracteriza ou não a insalubridade das funções desempenhadas;
(iii) determinar as consequências do reconhecimento parcial do tempo especial quanto à concessão de aposentadoria especial ou revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, especialmente no que toca ao termo inicial dos efeitos financeiros.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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O segurado não está vinculado ao ato jurídico perfeito pela espécie de benefício inicialmente concedida, competindo ao INSS a concessão do benefício mais vantajoso (IN n. 77/2015, art. 687).
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A caracterização da atividade especial segue a legislação vigente à época da prestação do serviço, sendo possível a conversão de tempo especial em comum até a EC n. 103/2019 (art. 25, § 2º), conforme orientação dos Temas 422 e 546 do STJ.
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A ausência de recolhimento da contribuição adicional não impede o reconhecimento do tempo especial, à luz dos princípios da solidariedade e automaticidade das contribuições (Lei n. 8.212/1991, art. 30, I).
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Nos termos do Tema 555 do STF e do Tema 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI não descaracteriza o tempo especial quando: (i) houver exposição a ruído acima do limite legal; (ii) tratar-se de agentes biológicos, cancerígenos ou periculosos; ou (iii) subsistirem dúvidas quanto à eficácia do equipamento.
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A perícia judicial por similaridade é meio idôneo para comprovar a exposição nociva, quando a empresa está inativa, conforme precedentes do STJ (REsp 1.370.229/RS; REsp 1.656.508/PR).
-
No caso, restou comprovada a exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites legais e a penosidade do trabalhador rural à frente do corte de cana de açúcar, autorizando o reconhecimento dos períodos especiais indicados.
-
A soma dos períodos especiais, contudo, não alcança 25 anos, inviabilizando a concessão de aposentadoria especial, sendo devida apenas a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, com acréscimo do fator de conversão 1,4.
-
Quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros, a questão está submetida ao Tema Repetitivo 1.124 do STJ. Diante disso, fixa-se provisoriamente a citação como marco inicial, ressalvado o que for decidido no repetitivo.
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Honorários advocatícios ficam diferidos para a fase de cumprimento do julgado, nos termos da Súmula 111 do STJ.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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Matéria preliminar rejeitada. Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento:
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A concessão do benefício previdenciário deve observar o princípio do melhor benefício, competindo ao INSS orientar o segurado quanto à prestação mais vantajosa.
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A ausência de contribuição adicional pelo empregador não impede o reconhecimento do tempo de serviço especial.
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O uso de EPI não descaracteriza, por si só, o tempo especial, cabendo ao segurado demonstrar sua ineficácia ou, havendo dúvida razoável, aplicar-se a presunção de nocividade.
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É válida a prova pericial por similaridade quando a empresa está inativa, desde que realizada sob contraditório judicial.
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Reconhecido tempo especial insuficiente para aposentadoria especial, é devida a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição mediante conversão pelo fator 1,4.
-
O termo inicial dos efeitos financeiros, em casos pendentes de definição no Tema n. 1.124 do STJ, deve ser fixado na citação, ressalvado o entendimento futuro do repetitivo.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 195, § 5º; EC n. 103/2019, arts. 19, § 1º, I, e 25, § 2º; CPC, arts. 1.012, § 1º, 1.037, II, e 535, § 4º; Lei n. 8.212/1991, art. 30, I; Lei n. 8.213/1991, arts. 57 e 58.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 04.12.2014 (Tema 555); STJ, REsp 1.870.793/SP, REsp 1.904.123/SP e REsp 1.902.156/SP, 1ª Seção, j. 09.12.2021 (Tema 1.090); STJ, REsp 1.370.229/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. 25.02.2014; STJ, REsp 1.656.508/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 02.05.2017.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
