
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005477-03.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EDIVALDO MUNIZ DE MELO
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO FERREIRA DOS SANTOS - SP268187-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005477-03.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EDIVALDO MUNIZ DE MELO
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO FERREIRA DOS SANTOS - SP268187-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face de sentença (proferida em 31/8/2022) que, ao julgar procedente pedido de reconhecimento de tempo de atividade especial (de 6/3/1997 a 7/4/2009 e de 1º/10/2010 a 30/6/2011), deferiu ao autor aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos do regramento anterior à Reforma da Previdência (artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998), desde a data do requerimento administrativo formulado (DER: 20/1/2021).
Em suas razões recursais, a autarquia previdenciária aduz, preliminarmente, a necessidade de submeter-se o julgado a reexame necessário. No mérito, alega, em síntese, não comprovada parte do tempo de serviço especial admitido (de 19/11/2003 a 7/4/2009). Requer a reforma da sentença, decretando-se a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, suscita prescrição quinquenal e insurge-se contra a maneira como, na decisão recorrida, foram arbitrados os honorários advocatícios sucumbenciais. Pugna pela isenção de custas. Finalmente, aponta a necessidade de a parte autora apresentar declaração sobre cumulação entre benefícios de regimes diversos, em razão do disposto no artigo 24, §§ 1º e 2º, da Emenda Constitucional n. 103/2019. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005477-03.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EDIVALDO MUNIZ DE MELO
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO FERREIRA DOS SANTOS - SP268187-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade, daí por que dele se conhece.
Persegue-se o reconhecimento de tempo de serviço especial e a correlata concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição.
O pedido secundário foi julgado procedente em primeiro grau.
Com isso não se conforma o INSS, o qual desfia as razões de recurso que a seguir serão examinadas.
De saída, aprecio a questão preliminar levantada no apelo autárquico.
Do reexame necessário
A hipótese não engendra reexame necessário.
O artigo 496, § 3º, I, do Código Processo Civil afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico perseguido for inferior a 1.000 (um mil) salários mínimos. Comparece, no caso, a certeza matemática de que a condenação que se objetiva não será superior ao limite legal estabelecido, razão pela qual aqui não se aplica o teor da Súmula nº 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Isso considerado, analisam-se as questões de fundo trazidas a julgamento.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
No período anterior à Emenda Constitucional n. 20/98, para a obtenção de aposentadoria integral, exigia-se tempo mínimo de sujeição ao regime geral de previdência (35 anos para o homem e 30 anos para a mulher), levando-se em conta somente o tempo de serviço, sem imposição de idade ou pedágio, nos termos do artigo 201, parágrafo 7o., I, da CF.
Confirmando-o, a modificação constitucional referida deixou manifesta, em seu artigo 3º, a possibilidade de deferir-se aposentadoria proporcional aos que tivessem cumprido os requisitos para essa modalidade de benefício até 16/12/1998. Para isso, impunha-se apenas o requisito temporal, ou seja, 30 anos de trabalho no caso do homem e 25 anos em se tratando de mulher, requisitos a adimplir até a data da publicação da referida emenda, independentemente de qualquer outra exigência.
É dizer, no regime anterior à transformação constitucional mencionada a aposentadoria por tempo de contribuição oferecia-se à/ao segurada/segurado que tivesse trabalhado por 25/30 anos (proporcional) ou 30/35 anos (integral), desde que cumprida a carência de 180 (cento e oitenta) contribuições (arts. 25, II, 52 e 53 da Lei n. 8.213/91 e 201, par. 7o., da CF), observada a regra de transição prevista no artigo 142 da Lei n. 8.213/91, para os filiados à Previdência Social até 25/07/1991.
A seguir, a Emenda Constitucional nº 20, publicada em 16 de dezembro de 1998, estabeleceu diretriz aplicável aos filiados à Previdência Social antes de sua publicação, mas que somente implementariam os requisitos legais para concessão do benefício após aquela data. A regra de transição contemplava dois novos requisitos: (i) idade mínima de 53 anos (homens) e de 48 anos (mulheres) e (ii) adicional de 20% (vinte por cento) do tempo de contribuição faltante quando da publicação da sobredita emenda, no caso de aposentadoria integral, e de 40% (quarenta por cento), em hipótese de aposentadoria proporcional.
Já a Emenda Constitucional nº 103/2019, no que respeita ao benefício que se tem em apreço, lança regras de transição, a abranger diferentes situações, nos seguintes termos:
“Art. 15. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, fica assegurado o direito à aposentadoria quando forem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - somatório da idade e do tempo de contribuição, incluídas as frações, equivalente a 86 (oitenta e seis) pontos, se mulher, e 96 (noventa e seis) pontos, se homem, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a pontuação a que se refere o inciso II do caput será acrescida a cada ano de 1 (um) ponto, até atingir o limite de 100 (cem) pontos, se mulher, e de 105 (cento e cinco) pontos, se homem.
§ 2º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se referem o inciso II do caput e o § 1º.
§ 3º Para o professor que comprovar exclusivamente 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, se mulher, e 30 (trinta) anos de contribuição, se homem, em efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o somatório da idade e do tempo de contribuição, incluídas as frações, será equivalente a 81 (oitenta e um) pontos, se mulher, e 91 (noventa e um) pontos, se homem, aos quais serão acrescidos, a partir de 1º de janeiro de 2020, 1 (um) ponto a cada ano para o homem e para a mulher, até atingir o limite de 92 (noventa e dois) pontos, se mulher, e 100 (cem) pontos, se homem.
§ 4º O valor da aposentadoria concedida nos termos do disposto neste artigo será apurado na forma da lei”.
“Art. 16. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional fica assegurado o direito à aposentadoria quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - idade de 56 (cinquenta e seis) anos, se mulher, e 61 (sessenta e um) anos, se homem.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade a que se refere o inciso II do caput será acrescida de 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem.
§ 2º Para o professor que comprovar exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o tempo de contribuição e a idade de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão reduzidos em 5 (cinco) anos, sendo, a partir de 1º de janeiro de 2020, acrescidos 6 (seis) meses, a cada ano, às idades previstas no inciso II do caput, até atingirem 57 (cinquenta e sete) anos, se mulher, e 60 (sessenta) anos, se homem.
§ 3º O valor da aposentadoria concedida nos termos do disposto neste artigo será apurado na forma da lei”.
“Art. 17. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional e que na referida data contar com mais de 28 (vinte e oito) anos de contribuição, se mulher, e 33 (trinta e três) anos de contribuição, se homem, fica assegurado o direito à aposentadoria quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - cumprimento de período adicional correspondente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, faltaria para atingir 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem.
Parágrafo único. O benefício concedido nos termos deste artigo terá seu valor apurado de acordo com a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991”.
“Art. 20. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se voluntariamente quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 57 (cinquenta e sete) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem;
II - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem;
III - para os servidores públicos, 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que se der a aposentadoria;
IV - período adicional de contribuição correspondente ao tempo que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, faltaria para atingir o tempo mínimo de contribuição referido no inciso II.
§ 1º Para o professor que comprovar exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio serão reduzidos, para ambos os sexos, os requisitos de idade e de tempo de contribuição em 5 (cinco) anos”.
Do tempo de serviço especial
No tocante ao pedido de reconhecimento de tempo de serviço especial, condições especiais de trabalho são aquelas às quais o segurado se acha sujeito, ao ficar exposto, no exercício do trabalho, a agentes químicos, físicos e biológicos, sós ou combinados, capazes de prejudicar a saúde ou a integridade física do obreiro.
Lado outro, agentes nocivos são aqueles, existentes no ambiente de trabalho, que podem provocar dano à saúde ou à integridade física do segurado, tendo em vista sua natureza, concentração, intensidade ou fator de exposição.
Com relação ao reconhecimento da atividade exercida em condições especiais – e sobre isso não há mais questionamento –, interessa a lei vigente à época em que prestada, em respeito ao direito adquirido do segurado.
Sob tal moldura, ressalte-se que, para o tempo de labor efetuado até 28/04/95, quando vigente a Lei nº 3.807/60 e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/91, em sua redação original, a simples prova, por qualquer meio em Direito admitido, de que a atividade profissional enquadra-se no rol dos Decretos nos 53.831/64 ou 83.080/79 (seja por agente nocivo, seja por categoria profissional) é suficiente para a caracterização da atividade como especial, exceto para ruído, frio e calor, sempre exigentes de aferição técnica.
Com a vigência da Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao § 3º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, passou a ser necessária a comprovação da real exposição de forma habitual (não ocasional) e permanente (não intermitente) aos agentes nocivos à saúde ou integridade física do segurado, independentemente da profissão exercida. Exige-se, para tanto, a apresentação de formulário para todo e qualquer agente nocivo, o qual não precisa estar embasado, porém, em laudo técnico, ressalvadas as hipóteses de exposição a ruído, frio e calor (PET 9.194 – STJ; AREsp 2070641, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 13/09/2023).
Desde 06/03/97, com a entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei nº 8.213/91 pela MP nº 1596-14 (convertida na Lei nº 9.528/97), a comprovação da exposição às condições especiais passou a ser realizada mediante a apresentação de laudo técnico (AREsp nº 1.963.281, Ministro Francisco Falcão, DJe de 22/06/2023).
A partir de 01/01/2004, o único documento exigido para comprovação da exposição a agentes nocivos é o PPP, documento que substituiu o formulário anterior e o laudo técnico pericial (artigo 256, inciso IV, e artigo 272, § 1º, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010).
Por outra via, não tem lugar limitação à conversão de tempo especial em comum, mesmo que posterior a 28/05/98, segundo o decidido no REsp nº 956.110/SP.
A conversão de tempo de atividade em condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a tabela prevista no artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999.
Mas com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019 ficou vedada a conversão em tempo de serviço comum do tempo especial, para fim de concessão de aposentadoria. É o que se extrai de seu artigo 25, §2°, a seguir copiado:
“Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal.
(...)
§ 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data”.
Sobre ruído, cabe considerar especial a atividade exposta permanentemente a ruído acima de 80 dB, consoante o anexo do Decreto nº 53.831/64 (item 1.1.6), para os períodos laborados até 05/03/1997, véspera da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997. Este último diploma passou a exigir a exposição a nível superior a 90 dB, nos termos do seu anexo IV. E a partir de 19/11/2003, com a vigência do Decreto nº 4882/03, que alterou o anexo IV do Decreto nº 3.048/1999, o limite de exposição ao agente ruído foi diminuído para 85 dB.
Recapitulando: acima de 80 decibéis até 05/03/1997, superior a 90 decibéis de 06/03/1997 a 18/11/2003 e superior a 85 decibéis a partir de 19/11/2003, encontrando-se a questão pacificada no âmbito do E. STJ (Tema 694 daquela Corte).
No que se refere à utilização de EPI – equipamento de proteção individual –, o STJ, julgando o Tema 1090 dos Recursos Repetitivos, por acórdão publicado em 22/04/2025, firmou a seguinte tese:
“I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido.
II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI.
III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor”.
O que se tem, então, é que a anotação no PPP da existência de EPI eficaz, em princípio, descaracteriza o tempo especial.
Note-se que a exposição a agentes nocivos é fato constitutivo do direito ao reconhecimento do tempo especial, de modo que o ônus de demonstrar a inveracidade de informação constante do PPP incumbe ao autor/segurado, nos termos do artigo 373, I, do CPC.
De qualquer forma, a orientação estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal é de que em "caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial" (Tema 555 da Repercussão Geral, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014).
Seja visto, entretanto, que a exposição ao agente físico ruído põe-se ao largo da tese assentada no Tema 1090/STJ. Neste caso, o uso de EPI, ainda que eficaz pelos padrões técnicos normalmente exigidos, não teria o condão de descaracterizar a atividade especial. Em se tratando de ruído, a presunção é de ineficácia do EPI, pelos malefícios que acarreta no organismo humano que vão além da audição. Assim, permanece atual a tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 555/STF:
“I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;
II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”.
O mesmo raciocínio vale para agentes biológicos (item 3.1.5 do Manual de Aposentadoria Especial editado pelo próprio INSS, em 2017), agentes químicos reconhecidamente cancerígenos (Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS de 2015) e no caso de periculosidade.
Quadra acrescer que, nas linhas da Súmula nº 87 da TNU, “a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida antes de 03/12/1998, data de início da vigência da MP 1.729/98, convertida na Lei nº 9732/98”.
Não custa deixar remarcada, ainda neste capítulo, a desnecessidade de prévia fonte de custeio (para reconhecimento de tempo de trabalho especial) quando se tratar de benefício diretamente criado pela Constituição Federal, como no caso se dá (STF – ADI 352-6, Plenário, Rel. o Min. Sepúlveda Pertence, j, de 30/10/1997). De fato, inexiste vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa/nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, pois o empregado não pode ser por isso prejudicado (TRF3, ApCiv 5021082-28.2018.4.03.6183, Rel. o Desembargador Federal Marcelo Vieira de Campos, 7ª Turma, julgado em 22/02/2024, DJEN DATA: 27/02/2024).
Do caso concreto
Na hipótese vertente, analisada a prova carreada aos autos, sobre o período controverso, durante o qual a parte autora teria exercido atividades especiais, tem-se o seguinte:
Período: de 19/11/2003 a 7/4/2009
Empresa: ESTEVES S/A
Função/atividade: Operador de máquinas e Líder de macharia
Agentes nocivos: Ruído (91,9 db) e Agentes químicos (a saber: sílica livre)
Prova: PPP (id. 266583812, ps. 30/31)
CONCLUSÃO: ESPECIALIDADE COMPROVADA
Há especialidade pela exposição habitual e permanente do autor a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância previstos nas normas de regência à época da prestação do serviço.
Fundamento legal do enquadramento: código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64; código 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79; código 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e código 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99.
Retenha-se que a jurisprudência desta Corte já se assentou no sentido de que, provindo do empregador e baseado o PPP em laudo técnico elaborado por médico do trabalho ou por engenheiro de segurança do trabalho, não pode o empregado ser prejudicado pela ausência de indicação ou pela utilização de técnica de medição apodada de inapropriada. Assim, constatada a exposição do segurado a níveis de ruído superiores ao patamares legais de tolerância, cabe ao INSS demonstrar o desacerto dos valores indicados no PPP. Alegação genérica de utilização de metodologia diversa de aferição de ruído não basta para descaracterizar especialidade (conforme ApCiv nº 5000214-54.2018.4.03.6110, Relator Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, TRF3, 7ª Turma, DJEN: 13/10/2022; ApCiv 5005276-90.2019.4.03.6126, Relator Desembargador Federal HERBERT CORNELIO PIETER DE BRUYN JUNIOR, TRF3, 8ª Turma, DJEN DATA: 10/04/2023).
Outrossim, nocividade também avulta da sujeição do requerente à sílica livre (poeira mineral), elemento potencialmente letal.
Fundamento legal do enquadramento: códigos 1.2.10 do anexo do Decreto n. 53.831/1964; 1.2.12 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.18 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Sublinhe-se que referido agente químico integra o Grupo 1 (agentes confirmados como carcinogênicos para humanos) do Anexo da Portaria Interministerial MPS/MTE/MS nº 09/2014 - LINACH.
Nesse contexto, é importante registrar que os riscos ambientais gerados pela exposição a tais agentes químicos não requerem a análise quantitativa de concentração ou intensidade, mas sim qualitativa. O próprio INSS, no Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/INSS (item 1, "d"), prescreve que a utilização de EPC e/ou EPI não elide a exposição aos agentes comprovadamente cancerígenos, ainda que considerados eficazes.
Nessa esteira: TRF3 - ApCiv 5001524-75.2017.4.03.6128, Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, 9ª Turma, Intimação via sistema DATA: 9/8/2019; TRF3 - AC 00053494220174039999, Desembargadora Federal Tani Marangoni, 8ª Turma, e-DJF3: 9/5/2017; TRF1 - AC 00170917220094013800, Juiz Federal José Alexandre Franco, 1ª Câmara Regional Previdenciária de Juiz de Fora, e-DJF1: 8/11/2016.
Nessas circunstâncias, somado o período especial acima destacado (devidamente convertido pelo fator de conversão 1,4) ao tempo contributivo incontroverso, o autor faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição pretendida, nos termos delineados na r. sentença.
Não há cogitar de prescrição quinquenal, pois entre o requerimento administrativo e o ajuizamento da causa não decorreu intervalo superior a 5 (cinco) anos.
Considerado o efeito devolutivo da apelação, em extensão e profundidade, reduzo a verba honorária fixada em desfavor do INSS para 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante § 2º do artigo 85 do CPC, orientação desta Turma e redação da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Indene de custas a autarquia previdenciária, na forma do artigo 4º, I, da Lei nº 9.289/96.
Não prospera a alegação do INSS quanto à necessidade de apresentação da “Autodeclaração” prevista no Anexo I, da Portaria INSS nº 450, de 03/04/2020 e artigo 24, §§1º e 2º, da EC nº 103/2019, por se tratar de procedimento a ser realizado unicamente na seara administrativa.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou parcial provimento ao apelo do INSS para, na forma da fundamentação: (i) reduzir a verba honorária; (ii) desobrigá-lo do pagamento das custas processuais.
É como voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5005477-03.2022.4.03.6183 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | EDIVALDO MUNIZ DE MELO |
EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ISENÇÃO DE CUSTAS. RECURSO ADMITIDO E PROVIDO EM PARTE.
I. Caso em exame
1. Recurso de apelação interposto pelo INSS em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial.
2. A controvérsia gravita em torno da possibilidade de reconhecimento de tempo de serviço especial, com a correlata concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição.
II. Questão em discussão
3. Verificar a possibilidade de reconhecimento de tempo de serviço especial, com a correlata concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição.
III. Razões de decidir
4. O artigo 496, § 3º, I, do Código Processo Civil afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico perseguido for inferior a 1.000 (um mil) salários mínimos. Comparece, no caso, a certeza matemática de que a condenação que se objetiva não será superior ao limite legal estabelecido, daí por que aqui não se aplica o teor da Súmula nº 490 do Superior Tribunal de Justiça.
5. Conjunto probatório apto ao enquadramento do período controvertido.
6. A exposição habitual e permanente a ruído - em patamares superiores aos limites de tolerância - e a agentes químicos reconhecidamente cancerígenos, mediante prova técnica apropriada, autoriza o reconhecimento de tempo especial.
7. A jurisprudência desta Corte já se assentou no sentido de que, provindo do empregador e baseado o PPP em laudo técnico elaborado por médico do trabalho ou por engenheiro de segurança do trabalho, não pode o empregado ser prejudicado pela ausência de indicação ou pela utilização de técnica de medição apodada de inapropriada. Assim, constatada a exposição do segurado a níveis de ruído superiores ao patamares legais de tolerância, cabe ao INSS demonstrar o desacerto dos valores indicados no PPP. Alegação genérica de utilização de metodologia diversa de aferição de ruído não basta para descaracterizar especialidade.
8. A sílica livre integra o Grupo 1 (agentes confirmados como carcinogênicos para humanos) do Anexo da Portaria Interministerial MPS/MTE/MS nº 09/2014 - LINACH.
9. Os riscos ambientais gerados pela exposição a tais agentes químicos não requerem a análise quantitativa de concentração ou intensidade, mas sim qualitativa. O próprio INSS, no Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/INSS (item 1, "d"), prescreve que a utilização de EPC e/ou EPI não elide a exposição aos agentes comprovadamente cancerígenos, ainda que considerados eficazes.
10. Satisfeitos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral requerida, nos termos do regramento anterior à EC n. 103/2019 (artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998).
11. Não há que se falar em prescrição quinquenal, pois entre o requerimento administrativo e o ajuizamento da causa não decorreu lapso superior a 5 (cinco) anos.
12. Considerado o efeito devolutivo da apelação, em extensão e profundidade, reduzo a verba honorária fixada em desfavor do INSS para 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante § 2º do artigo 85 do CPC, orientação desta Turma e redação da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
13. Indene de custas a autarquia previdenciária, na forma do artigo 4º, I, da Lei nº 9.289/96.
14. Não prospera a alegação do INSS quanto à necessidade de apresentação da “Autodeclaração” prevista no Anexo I, da Portaria INSS nº 450, de 03/04/2020 e artigo 24, §§1º e 2º, da EC nº 103/2019, por se tratar de procedimento a ser realizado unicamente na seara administrativa.
15. Ausência de contrariedade à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
IV. Dispositivo e tese
16. Matéria preliminar rejeitada.
17. Recurso de apelação admitido e provido em parte.
Tese de julgamento: 1. "A exposição habitual e permanente a ruído - em patamares superiores aos limites de tolerância - e a agentes químicos reconhecidamente cancerígenos, mediante prova técnica apropriada, autoriza o reconhecimento de tempo especial". 2. "O direito à aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos do regramento anterior à EC n. 103/2019 (artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998) deve ser reconhecido, porquanto satisfeitos os requisitos legais à correlata concessão".
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, §7º; EC nº 20/1998; EC nº 103/2019, arts. 15 a 25; Lei nº 8.213/91, arts. 25, 52, 53, 57 e 58; CPC, arts. 373, I, 85, §2º, e 496, §3º, I; Lei nº 9.289/96, art. 4º, I.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 664.335 (Tema 555, Repercussão Geral); STJ, REsp 956.110/SP; STJ, AREsp 1.963.281; STJ, AREsp 2.070.641; STJ, Tema 1090 (Recursos Repetitivos).
ACÓRDÃO
Desembargador Federal
