
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001983-94.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA IZABEL DA SILVA PAES
Advogado do(a) APELADO: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001983-94.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA IZABEL DA SILVA PAES
Advogado do(a) APELADO: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Apelação interposta pelo INSS em face da sentença (ID 272367720 - Pág. 72/79), que julgou procedente o pedido nos seguintes moldes:
“Por todo o exposto, julgo PROCEDENTE a pretensão e condeno o INSS: a) a conceder a MARIA IZABEL DA SILVA PAES o benefício de aposentadoria por idade, com renda mensal de um salário mínimo; b) a pagar as prestações vencidas desde a data do requerimento administrativo, se houver, ou da citação, até a data de implementação efetiva do benefício, respeitada a prescrição quinquenal e descontados eventuais valores percebidos na seara administrativa ainda que em cumprimento de determinação judicial.
Sobre tais valores incidirão correção monetária segundo o INPC e juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (conforme Tema nº 905/STJ).
Concedo tutela de urgência à parte autora, para determinar ao requerido que estabeleça, em 30 (trinta) dias, o benefício determinado nesta decisão, devendo ser intimado para tanto o Gerente da Agência da Previdência Social de Atendimento de Demandas Judiciais, com os dados constantes da Recomendação Conjunta nº 04, do CNJ.
Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais (súm. 178 do STJ), bem como em honorários sucumbenciais ao patrono da parte autora, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data desta sentença (súm. 111 do STJ), atento ao grau de zelo, o local da prestação dos serviços e o tempo exigido para tanto, conforme preceitua o art. 85, §§ 2º e 3º, inc. I, do CPC.”
Em suas razões recursais (ID 272367720 - Pág. 88/94), o INSS de forma preliminar, requer seja recebido o recurso o no efeito suspensivo, para que sejam obstados os efeitos da tutela de urgência. No mérito, sustenta que a parte autora não comprovou o efetivo exercício de atividade rurícola por 180 meses, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, nem tem como fazê-lo por meio de prova exclusivamente testemunhal. Argumenta que o marido da autora, na maior parte do tempo, era empregado urbano, inclusive com vínculos como funcionário público. No presente caso, portanto, os documentos em nome do marido ou companheiro da autora não podem servir como início de prova material, já que o marido da autora sempre foi empregado, inclusive urbano - funcionário público, ou seja, não havia regime de economia familiar, de sorte que não é possível estender qualidade de segurado especial à autora, já que seu companheiro/marido nunca foi segurado especial.
Apresentadas contrarrazões (ID 272367720 - Pág. 99/101), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL LOUISE FILGUEIRAS:
Com a devida vênia à I. Desembargadora Federal relatora, divirjo sobre o julgamento de improcedência do pedido de reconhecimento de período rural, pois entendo que o pleito deve ser julgado extinto sem resolução do mérito.
Para demonstrar o alegado labor rural, a autora apresentou:
- Certidão de casamento celebrado em 1982 na qual consta a qualificação de seu marido a de lavrador e a sua como do lar (ID 272367715 - Pág. 18)
- Notas fiscais de produtor em nome de seu marido (ID 272367715 - Pág. 19/111; ID 272367716 - Pág. 1/54)
- Registro de imóvel (ID 272367716 - Pág. 55/57)
- Contrato em nome de seu marido (ID 272367716 - Pág. 58/60)
- Escritura pública de divisão amigável (ID 272367716 - Pág. 61/65)
- Memorial descritivo (ID 272367716 - Pág. 66/67)
- Declaração anual de produtor rural em nome de seu marido (ID 272367717 - Pág. 1/14)
- Contratos em nome de seu marido (ID 272367717 - Pág. 15/18).
Ora, os documentos apresentados em nome do marido da autora não são aptos a comprovar o exercício por ela de atividade rural, especialmente porque, conforme bem observado pela eminente Relatora, “conforme se depreende da certidão de casamento acostada aos autos, seu cônjuge encontra-se expressamente qualificado como professor, informação que se corrobora com os registros constantes no extrato do CNIS, os quais evidenciam a existência de diversos vínculos urbanos desde o ano de 1980 (ID 272367720 - Pág. 7)”.
Portanto, conclui-se que a autora não trouxe aos autos qualquer documento a servir-lhe como início de prova material de sua condição de trabalhadora rural, tampouco provas aptas a demonstrar que a despeito da atividade urbana de seu esposo, o trabalho rural era o principal meio de sobrevivência da família.
Outrossim, tem-se que é entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, exarado nos autos do REsp nº 1.352.721/SP, representativo de controvérsia, que, à míngua de elementos aptos à demonstração de início de prova material do exercício de atividade rurícola, deve o feito ser julgado extinto sem resolução do mérito, a fim de possibilitar ao segurado hipossuficiente, como é o caso do trabalhador rural, colher novas provas mais robustas à comprovação do seu direito, exatamente o caso destes autos.
Sobre o tema, trago os precedentes que seguem:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LEI 8.213/1991. AUSÊNCIA DE EFICAZ PRINCÍPIO DE PROVA MATERIAL DO LABOR CAMPESINO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ARTIGOS 485, IV, E 320, DO NCPC. - A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, cumprida a carência mínima, quando exigida, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. - O laudo apresentado considerou a parte autora total e permanentemente incapacitada para o desempenho de suas atividades habituais, por ser portadora de artrite reumatoide em estágio avançado. - A despeito da qualificação da autora na presente demanda como rurícola e dos depoimentos das testemunhas confirmando o exercício de atividade campestre desde longa data, nota-se que a promovente não trouxe aos autos qualquer início de prova material capaz de demonstrar o exercício de labor rural em período anterior ao início de suas contribuições como segurada facultativa, em 01/08/2007, de modo que o cumprimento dos requisitos pertinentes à carência e à qualidade de segurado não restou devidamente comprovado. - Não se pode olvidar do advento de precedente oriundo do colendo Superior Tribunal de Justiça (Resp 201202342171, Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - Corte Especial, DJE 28/04/2016), tirado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, precisamente o REsp nº 1.352.721/SP, no âmbito do qual se deliberou que a falta de eficaz princípio de prova material do labor campesino traduz-se em ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, abrindo ensejo à extinção do processo sem resolução de mérito. Entendimento que vem sendo adotado pela egrégia Terceira Seção desta Corte. - Extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 485, IV, e 320, do NCPC, restando prejudicada a apelação do INSS. (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2275097, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL ANA PEZARINI, Origem TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Órgão julgador NONA TURMA Data 01/08/2018 Data da publicação 15/08/2018 Fonte da publicação e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/08/2018).
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO PREJUDICADO. - São requisitos da aposentadoria por invalidez (artigo 42 da Lei nº 8.213/91): incapacidade total e permanente, qualidade de segurado e cumprimento de carência de 12 (doze) contribuições mensais; e para a concessão do auxílio-doença (artigo 59 da Lei nº 8.213/91): incapacidade total ou parcial e temporária, qualidade de segurado e cumprimento da carência de 12 (doze) contribuições mensais. - Para comprovar a sua condição de segurada especial/ trabalhadora rural, a autora trouxe os seguintes documentos: certidão de seu nascimento e certidões de nascimento de seus filhos, todos ocorridos na aldeia indígena Te'Yikuê, do município de Caarapó/MS, bem como certidão de "Registro Administrativo de Casamento de Índio", e declaração de residência emitida pela demandante - documentos estes os quais nada revelam a respeito do suposto labor agrícola noticiado na inicial. - Desse modo, não há nos autos documento que configure o início de prova material, nos termos da legislação de regência e da jurisprudência pátria, não restando comprovada a qualidade de segurada da autora, conforme entendeu acertadamente o Juízo "a quo". - Por outro lado, é entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, exarado nos autos do REsp nº 1.352.721/SP, representativo de controvérsia, que, à míngua de elementos aptos à demonstração de início de prova material do exercício de atividade rurícola, deve o feito ser julgado extinto sem resolução do mérito, a fim de possibilitar ao segurado hipossuficiente, como é o caso do trabalhador rural, colher novas provas mais robustas à comprovação do seu direito, exatamente o caso destes autos. - Processo julgado extinto, de ofício, sem resolução de mérito. Apelação da autora prejudicada. (APELAÇÃO CÍVEL nº 5001518-95.2017.4.03.9999, Relator Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI, TRF - TERCEIRA REGIÃO, 8ª Turma, D.J.U 15/12/2020).
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS. SÚMULA 149. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (RESP Nº 1.352.721/SP). - Não há nos autos provas suficientes que justifiquem o reconhecimento do exercício de atividade rural para efeito de aposentadoria por idade. - Cédula de identidade (nascimento em 03.09.1948). - Certidão de casamento em 16.12.1967, qualificando a autora como industriária e o marido como pedreiro. - Conta de luz Elektro, informando endereço no Sítio Barra do Braco, emissão em 13.02.2015. - Declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, não homologada pelo órgão competente, informando que a autora exerce atividade rural, em regime de economia familiar,"informação prestada pela segurada, conforme escritura pública de propriedade, ITR, nota fiscal de produtor e insumos." - A Autarquia juntou consulta efetuada ao Sistema Dataprev constando que o marido possui cadastro como contribuinte individual/empresário empregador, de 01.01.1985 a 31.01.1988, e como período de atividade de segurado especial, CAFIR, de 31.12.1993 a 22.06.2008, exerce atividade urbana, de 01.12.2008 a 30.04.2009. - Em nova consulta ao Sistema Dataprev consta nos detalhes de período CAFIR duas propriedades, O sítio Barra do Braco, com área de 67,00 hectares, módulos fiscais, 4,19, lugar onde reside a requerente, e o sítio Baixa do Sauhim, com área de 4,50 hectares. - Os documentos juntados não apresentam qualquer informação de que o requerente tenha desenvolvido o trabalho rural. - A certidão de casamento qualifica a requerente como industriária e o marido como pedreiro. - A declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, informando que a autora é trabalhadora rural, não foi homologada pelo órgão competente, portanto, não pode ser considerada como prova material da atividade rurícola alegada. - Há nos autos uma conta de luz informando a residência da autora no Sítio Barra do Braco, entretanto não há sequer um documento referente ao imóvel rural, quais sejam ITR, CCIR, escritura, matrícula, registro ou contrato de parceria agrícola. - Não foi apresentado qualquer documento em que se pudesse verificar a produção, como notas de insumos ou produção, e a existência, ou não de empregados da propriedade rural onde alega ter laborado. - Da consulta do extrato do Sistema Dataprev consta CAFIR de duas propriedades, O sítio Barra do Braco, com uma grande extensão com área de 67,00 hectares, módulos fiscais, 4,19, lugar onde reside a requerente e o sítio Baixa do Sauhim, com área de 4,50 hectares, entretanto, no depoimento pessoal da requerente informa que plantam para subsistência em sítio que tem energia elétrica e a água da fonte, recebem ajuda dos filhos e doação de roupas da igreja. - Os documentos juntados não trazem nenhum indício de que a autora tenha desenvolvido trabalho rural em regime de economia familiar e nem podem ser considerados como início de prova material e da consulta ao Sistema Dataprev não há a devida elucidação dos fatos. - Súmula 149, do S.T.J., "a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário". - Recurso Representativo de Controvérsia nº 1.352.721/SP, de Relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, firmou entendimento no sentido de que a ausência de prova material apta a comprovar o exercício de atividade rural, implica a extinção do processo, sem resolução de mérito, por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, possibilitando ao segurado o ajuizamento de nova demanda, caso reúna os elementos necessários à concessão do benefício. - De ofício, o processo foi extinto, sem resolução do mérito. - Prejudicada a apelação do INSS. - Tutela antecipada cassada. (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2293746 Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI Origem TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Órgão julgador OITAVA TURMA Data 11/06/2018 Data da publicação 25/06/2018 Fonte da publicação e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/06/2018).
Ademais, esta Corte também vem entendendo que a insuficiência da prova oral, deixando de corroborar a prova material trazida em juízo, é causa de extinção do processo sem resolução do mérito.
Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALH0 RURAL SEM REGISTRO. PROVA TESTEMUNHAL NÃO ALCANÇA O PERÍODO QUE SE QUER COMPROVAR. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. O labor rural deve ser comprovado por meio de início de prova material corroborada por idônea prova testemunhal. 2. Não se prestando a prova oral a corroborar o início de prova material apresentado, é de ser extinto o feito sem resolução do mérito, a fim de se oportunizar a realização de prova oral idônea. 4. Apelação prejudicada. (Processo nº 00283427920174039999 Classe APELAÇÃO CÍVEL - 2265116 (ApCiv) Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA Origem TRF - TERCEIRA REGIÃO Órgão julgador DÉCIMA TURMA Data 10/09/2019 Data da publicação 18/09/2019)
PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. CNIS. LONGO PERÍODO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. 1. A sentença recorrida foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, o qual afasta a submissão da sentença proferida contra a União e suas respectivas autarquias e fundações de direito público ao reexame necessário quando a condenação imposta for inferior a 60 (sessenta) salários mínimos (art. 475, inciso I e parágrafo 2º). Desta forma, considerando o valor do benefício e o lapso temporal desde a sua concessão, a hipótese dos autos não demanda reexame necessário. 2. O exercício de atividade urbana por longo período descaracteriza a condição de rurícola. 3. Ainda que assim não fosse, emerge dos autos que foi decretada a preclusão da prova testemunhal (fl. 67), não tendo as partes arrolado testemunhas no prazo fixado às fls. 61. O autor apresentou o rol somente em 26/11/2013, véspera da audiência, restando preclusa a prova oral, o que torna inviável a concessão do benefício pleiteado. 4. Assim, tendo a parte autora deixado de produzir prova oral para ampliar a eficácia probatória dos documentos referentes à atividade rural por ela exercida, não há como ser reconhecido o período de trabalho rural para fins previdenciários. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem resolução do mérito e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa. 6. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50. 7. Remessa oficial não conhecida. De ofício, processo extinto sem resolução do mérito. Prejudicada a apelação do INSS. (Processo nº 00111588120154039999, Classe APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2051885 (ApelRemNec) Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA Origem TRF - TERCEIRA REGIÃO Órgão julgador SÉTIMA TURMA Data 27/08/2018 Data da publicação 06/09/2018)
Portanto, a ausência de provas materiais ou orais nos autos tem por consequência a extinção do processo sem resolução do mérito em relação ao período rural.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, divirjo da i. Relatora para DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS e julgar extinto o feito sem resolução do mérito, nos termos da fundamentação.
Revogo a tutela antecipada concedida, nos termos do voto da e. Relatora.
É o voto.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001983-94.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA IZABEL DA SILVA PAES
Advogado do(a) APELADO: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Tempestivo o recurso e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria devolvida a esta Corte.
Aposentadoria por Idade
Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento da idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de contribuições para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48 e 142 da Lei 8.213/91.
Cumpre ressaltar que, com o advento da Lei nº 10.666, de 08 de maio de 2003, a perda da qualidade de segurado se tornou irrelevante para a concessão da aposentadoria por idade, desde que o segurado já conte com o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência, na data de requerimento do benefício.
"Art. 3º: A perda da qualidade do segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
§2º A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do §1º, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3º, caput e §2°, da Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991."
Muito embora o art. 3º, §1º, da Lei 10.666/2003 estabeleça que o segurado conte com no mínimo o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício, a Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça entende que a carência exigida deve levar em conta a data em que o segurado implementou as condições necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 142 DA LEI Nº 8.213/91. PERÍODO DE CARÊNCIA. PREENCHIMENTO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ATENDIMENTO PRÉVIO DOS REQUISITOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. Na forma da atual redação do art. 142 da Lei nº 8.213/91, alterado pela Lei nº 9.032/95, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela ali prevista, mas levando-se em consideração o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo.
2. Aplica-se ao caso o art. 102, § 1º, da Lei nº 8.213/91, que dispõe que a perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos segundo a legislação então em vigor (arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/91).
3. Recurso especial provido."
(REsp.nº 490.585/PR, Relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJU de 23/8/2005).
O artigo 24 da Lei nº 8.213/1991 dispõe que: "Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências."
Por seu turno, o art. 25, inciso II, da referida Lei estabelece que:
"A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)
II - aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria especial: 180 contribuições mensais."
Porém, para os segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, o art. 142 da Lei nº 8.213/1991, trouxe uma regra de transição, consubstanciada em uma tabela progressiva de carência, de acordo com o ano em que foram implementadas as condições para a aposentadoria por idade.
Deve-se observar que para aferir a carência a ser cumprida deverá ser levada em consideração a data em que foi implementado o requisito etário para a obtenção do benefício e não aquele em que a pessoa ingressa com o requerimento de aposentadoria por idade junto ao Instituto Nacional do Seguro Social.
Trata-se de observância do mandamento constitucional de que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, da Constituição Federal). Se, por exemplo, aquele que tivesse preenchido as condições de idade e de carência, mas que fizesse o requerimento administrativo posteriormente seria prejudicado com a postergação do seu pedido, já que estaria obrigado a cumprir um período maior de carência do que aquele que o fizesse no mesmo momento em que tivesse completado a idade mínima exigida, o que obviamente não se coaduna com o princípio da isonomia, que requer que pessoas em situações iguais sejam tratadas da mesma maneira.
Por outro lado, no caso de cumprimento do requisito etário, mas não da carência, o aferimento desta, relativamente à aposentadoria por idade, será realizado quando do atingimento da idade esperada, ainda que, naquele momento a pessoa não tivesse completado a carência necessária.
Nessa situação, o próprio adiamento da possibilidade de obtenção do benefício para o momento em que fosse cumprida a carência exigida no artigo 142 da Lei de Benefícios Previdenciários já estabeleceria diferença entre aquele que cumpriu a carência no momento em que completara a idade mínima, não havendo que se falar em necessidade de qualquer prazo adicional.
Corroborando este entendimento, cito a Súmula nº 02 da Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região, que assim dispôs: Para a concessão da aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos da idade e da carência sejam preenchidos simultaneamente.
Anoto, por oportuno, que a edição da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008, promoveu uma alteração no art. 48 da Lei 8.213/91, que possibilitou a contagem mista do tempo de labor rural e urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade, com a majoração do requisito etário mínimo para 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, respectivamente, para mulheres e homens.
Trago à colação a redação mencionada, in litteris:
"§2º: Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.
§3º: Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§4º: Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social." (g.n.)
A lei não faz distinção acerca de qual seria a atividade a ser exercida pelo segurado no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo, sendo irrelevante aferir se a atividade agrícola foi ou não exercida por último.
Verifico, ainda, que, por meio de acórdão publicado no DJe de 04/09/2019 (Resp 1.674.221/PR), a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese em relação ao Tema Repetitivo 1.007: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo".
Observe-se, por fim, que o C. STF concluiu, no dia 25/9/2020 (Plenário Virtual), o julgamento do Tema 1104 (RE 1.281.909), que discutia a questão dos requisitos para concessão da aposentadoria híbrida, tendo firmado a seguinte tese: “É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à definição e ao preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão de aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, § 3º da Lei nº 8.213/91.”
Desse modo, ausente repercussão geralda matéria, prevalece o entendimento adotado pelo C.STJ, ao julgar o Tema 1007.
Com relação ao labor rural, a jurisprudência do E. STJ firmou-se no sentido de que é insuficiente apenas a produção de prova testemunhal para a comprovação de atividade rural, na forma da Súmula 149 - STJ, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à com provação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário.".
Ainda de acordo com a jurisprudência, necessária demonstração razoável de início de prova material, a ser corroborada por prova testemunhal, atentando-se, dentre outros aspectos, que, em regra, são extensíveis aos postulantes rurícolas os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou os conviventes, aparecem qualificados como lavradores.
Vale destacar, por fim, que início de prova material não significa completude, mas elemento indicativo que permita o reconhecimento da situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.
Observe-se, por derradeiro, que o regime de economia familiar pressupõe a exploração de atividade primária pelo indivíduo, como principal forma de sustento, acompanhado ou não pelo grupo familiar, mas sem o auxílio de empregados (art. 11, VII, "a" e § 1º, da Lei 8.213/91). Assim, nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/91, consideram-se segurados especiais, em regime de economia familiar, os produtores, parceiros, meeiros, arrendatários rurais, pescadores artesanais e assemelhados, que exerçam atividades individualmente ou com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo, residindo na área rural ou em imóvel próximo ao local onde a atividade rural é exercida, em área não superior a quatro módulos fiscais e com participação significativa nas atividades rurais do grupo familiar.
Fixadas essas premissas, vamos ao caso dos autos.
Considerando que o autor atingiu a idade mínima necessária para a concessão do benefício, faz-se necessária a observância do requisito da carência.
Para demonstrar o alegado labor rural, a autora apresentou:
- Certidão de casamento celebrado em 1982 na qual consta a qualificação de seu marido a de lavrador e a sua como do lar (ID 272367715 - Pág. 18)
- Notas fiscais de produtor em nome de seu marido (ID 272367715 - Pág. 19/111; ID 272367716 - Pág. 1/54)
- Registro de imóvel (ID 272367716 - Pág. 55/57)
- Contrato em nome de seu marido (ID 272367716 - Pág. 58/60)
- Escritura pública de divisão amigável (ID 272367716 - Pág. 61/65)
- Memorial descritivo (ID 272367716 - Pág. 66/67)
- Declaração anual de produtor rural em nome de seu marido (ID 272367717 - Pág. 1/14)
- Contratos em nome de seu marido (ID 272367717 - Pág. 15/18)
Verifica-se que não há nos autos qualquer documento apto a qualificar a autora como trabalhadora rural.
Ademais, conforme se depreende da certidão de casamento acostada aos autos, seu cônjuge encontra-se expressamente qualificado como professor, informação que se corrobora com os registros constantes no extrato do CNIS, os quais evidenciam a existência de diversos vínculos urbanos desde o ano de 1980 (ID 272367720 - Pág. 7).
Nesse contexto, torna-se inviável o reconhecimento do alegado exercício de atividade rural em regime de economia familiar, ainda que eventualmente corroborado por prova testemunhal.
A improcedência do pedido inaugural, portanto, é medida que se impõe.
Condeno a autora ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, §§ 2º e 3º do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade de tal verba, na forma do artigo 98, § 3º, do CPC, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
Considerando que a autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício, a tutela anteriormente concedida deve ser revogada.
Comunique-se ao setor de demandas judiciais do INSS.
É o voto.
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR IDADE. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS EM NOME DO CÔNJUGE COM ATIVIDADE URBANA. RESP Nº 1.352.721/SP (TEMA REPETITIVO). EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO.
I. Caso em exame
- Ação previdenciária proposta por segurada em face do INSS, objetivando o reconhecimento de tempo de serviço rural e a consequente concessão de aposentadoria por idade.
- A sentença de origem julgou procedente o pedido, reconhecendo o período de labor rural de 15/07/1977 a 30/04/1988 e determinando a implantação do benefício desde o requerimento administrativo.
- O INSS apelou, alegando ausência de início de prova material e requerendo a reforma integral da sentença.
II. Questão em discussão
4. A questão em discussão consiste em saber se os documentos apresentados em nome do marido da autora podem ser considerados como início de prova material do labor rural por ela exercido, de modo a viabilizar o reconhecimento do período como tempo de serviço rural para fins previdenciários.
III. Razões de decidir
5. Os documentos apresentados — certidão de casamento, notas fiscais de produtor, registros imobiliários e contratos — encontram-se em nome do cônjuge da autora.
- Entretanto, o marido da autora está qualificado como professor na certidão de casamento e possui diversos vínculos urbanos no CNIS desde 1980, o que descaracteriza a condição de rurícola.
- Não há nos autos documento algum em nome da autora que demonstre o efetivo exercício de atividade rural no período alegado, inexistindo início de prova material de sua condição de segurada especial.
- Nos termos do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.352.721/SP (Tema Repetitivo), a ausência de início de prova material do labor campesino acarreta extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
- O entendimento foi reiterado em diversos precedentes desta Corte, reconhecendo que a insuficiência probatória (documental ou testemunhal) impõe a extinção do feito sem análise do mérito, permitindo ao segurado hipossuficiente a possibilidade de reunir novas provas e propor nova ação.
- Assim, diante da total ausência de início de prova material e da inconsistência das provas orais, impõe-se a extinção do processo, sem resolução do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento do período rural.
IV. Dispositivo e tese
- Apelação do INSS parcialmente provida, para extinguir o processo, sem resolução do mérito, em relação ao pedido de reconhecimento de tempo de serviço rural, com fundamento no art. 485, IV, do CPC, revogando-se a tutela antecipada anteriormente concedida.
Tese de julgamento:
“1. A ausência de início de prova material do labor rural implica a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC, conforme entendimento firmado no REsp nº 1.352.721/SP (Tema Repetitivo/STJ). 2. Documentos em nome de cônjuge com vínculos urbanos não se prestam, por si sós, à comprovação de atividade rural da parte autora.”
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, § 7º; Lei nº 8.213/1991, arts. 39, I, 55, § 3º e 106; CPC/2015, arts. 320 e 485, IV.
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp nº 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16.12.2015;
TRF3, AC nº 2275097, Rel. Des. Fed. Ana Pezarini, 9ª Turma, j. 01.08.2018;
TRF3, AC nº 5001518-95.2017.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Luiz de Lima Stefanini, 8ª Turma, j. 15.12.2020;
TRF3, AC nº 2293746, Rel. Des. Fed. Tania Marangoni, 8ª Turma, j. 11.06.2018.
ACÓRDÃO
Juíza Federal Convocada
