
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015072-51.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MIGUEL PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: ALTEVIR NERO DEPETRIS BASSOLI - SP160800-N
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015072-51.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MIGUEL PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: ALTEVIR NERO DEPETRIS BASSOLI - SP160800-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Na origem, o autor pleiteou o reconhecimento de períodos de atividade rural, de tempo urbano sem registro e de atividade especial, com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença reconheceu o exercício de atividade rural no período de 01/01/1965 a 30/11/1975, com fundamento em início de prova material, corroborado por prova testemunhal considerada uníssona e coerente, destacando que a ausência de recolhimento de contribuições não prejudica o reconhecimento do tempo de serviço. Por outro lado, rejeitou o pedido de reconhecimento da especialidade das atividades exercidas como mecânico, ao fundamento de que a função não se encontra expressamente prevista nos decretos regulamentadores, além da ausência de documentos que comprovassem a efetiva exposição a agentes nocivos, ressaltando ainda a desistência do autor da realização de perícia em uma das empresas. Da mesma forma, afastou o reconhecimento de vínculo urbano não registrado, por insuficiência probatória.
Com o tempo rural reconhecido, somado ao tempo já computado administrativamente, concluiu o magistrado que o autor alcançou mais de 35 anos de contribuição, motivo pelo qual lhe concedeu aposentadoria por tempo de contribuição, determinando a imediata implantação do benefício por tutela provisória e a condenação do INSS ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas de correção monetária desde o vencimento de cada parcela e juros de mora a partir da citação, em conformidade com as diretrizes adotadas por esta E. Corte. Reconheceu-se, por fim, a sucumbência recíproca, condenando cada parte ao pagamento dos honorários de seus respectivos patronos.
Irresignado, o INSS interpõe apelação, sustentando em síntese: a) ausência de prova material contemporânea e idônea a comprovar todo o período rural, sendo insuficiente a prova exclusivamente testemunhal (art. 106 da Lei 8.213/91); b) impossibilidade de computar o tempo de atividade rural anterior a novembro de 1991 para efeito de carência, à luz dos artigos 24 e 55 da Lei 8.213/91; c) necessidade de recolhimento mediante indenização das contribuições previdenciárias correspondentes, caso mantido o reconhecimento do período rural; d) impossibilidade de contagem recíproca de tempo rural e urbano sem a comprovação do recolhimento das contribuições.
O autor, por sua vez, interpõe recurso adesivo, no qual, em preliminar, requer a anulação da sentença por cerceamento de defesa, ao argumento de que não foi produzida a prova pericial necessária à comprovação das condições especiais de trabalho. No mérito, subsidiariamente, pugna pela reforma da sentença a fim de: a) reconhecer também o tempo de serviço urbano sem registro, correspondente ao período de 11/10/1977 a 29/02/1980; b) reconhecer a especialidade das atividades exercidas nos períodos de 01/12/1975 a 26/11/1983, por enquadramento por categoria profissional, e nos períodos de 20/10/2003 a 10/10/2005, 13/10/2005 a 17/03/2007 e 18/06/2007 a 17/12/2008, com fundamento nos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, invocando laudo técnico que indicaria exposição a níveis de ruído superiores aos limites legais, para fins de conversão em tempo comum.
Nas contrarrazões, o autor defende a manutenção da sentença que lhe concedeu a aposentadoria por tempo de contribuição, argumentando que comprovou o trabalho rural com início de prova material (inclusive documentos em nome de seu pai) e prova testemunhal, além de defender que o tempo de serviço prestado antes dos 14 anos de idade deve ser computado para fins previdenciários, refutando a necessidade de recolher contribuições para esses períodos, uma vez que a Constituição Federal assegura a contagem desse tempo de serviço como uma garantia do trabalhador.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015072-51.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MIGUEL PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: ALTEVIR NERO DEPETRIS BASSOLI - SP160800-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Recebo ambos os recursos por atenderem os requisitos de admissibilidade.
Da apelação interposta pelo INSS
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que reconheceu o período de atividade rural do autor, concedendo-lhe aposentadoria por tempo de contribuição.
A apelação do INSS merece provimento.
O cerne da controvérsia reside na comprovação do período de trabalho rural de 01/01/1965 a 30/11/1975. A sentença de primeira instância reconheceu o referido período com base em "início de prova escrita", corroborada por prova testemunhal considerada "uníssona e coerente".
No entanto, a análise do conjunto probatório revela diversas inconsistências que comprometem a validade da decisão.
Primeiramente, a "prova material" que sustentou a sentença é frágil e equivocada. O juízo de origem considerou como início de prova a escritura de aquisição de imóvel rural, alegando que o documento qualificava o autor como lavrador (Num. 85405425 - Pág. 78). Contudo, a escritura é de 1954 e foi registrada em nome de "Miguel Dias da Silva", e não do autor. À época da aquisição do imóvel, o requerente nem sequer era nascido.
Ademais, conforme a análise documental, não há início de prova material em nome do pai do autor, "Cezário José Pereira", o que torna impertinente o que foi alegado nas contrarrazões, visto que os documentos apresentados estão em nome do próprio autor ou de terceiros.
Dessa forma, o "início de prova material" restante seria o título de eleitor de 1973 e o certificado de reservista de 1974, que qualificam o autor como "lavrador". Embora válidos, esses documentos, por si só, são insuficientes para a comprovação de todo o período, exigindo uma prova testemunhal robusta.
É aqui que reside a mais grave inconsistência, pois a prova testemunhal, ao invés de corroborar a tese do autor, a contradiz de forma fatal. As três testemunhas, de forma unânime, afirmaram que o autor trabalhava com seu pai, mas o identificaram como "Benedito Pereira". No entanto, a certidão de casamento, o título de eleitor e o certificado de reservista do autor demonstram inequivocamente que o nome de seu genitor é "Cezário José Pereira".
Essa contradição substancial anula a credibilidade dos depoimentos. Se as testemunhas não conseguem sequer identificar corretamente o nome do pai do autor, a narrativa de que trabalharam com ele por um período extenso perde totalmente a força probatória.
A inconsistência da prova oral não se limita ao erro na identificação do genitor do autor. Os depoimentos também se contradizem quanto ao término do vínculo laboral na propriedade de "Miguel Dias da Silva", visto que uma testemunha menciona a saída em 1975, enquanto a outra a situa, de forma genérica, na década de 1970. Ademais, a testemunha Benedito Agostinho Neto é igualmente imprecisa, visto que afirma um período de trabalho de "cerca de vinte anos" com o pai do autor, o que contradiz o lapso de tempo de 10 anos pleiteado na inicial. Assim, torna-se insubsistente a declaração firmada por "Miguel Dias da Silva", na qual afirmou ter o autor laborado em sua propriedade de 1965 a 1975 (Num. 85405423 - Pág. 1).
Por fim, os depoimentos descrevem o trabalho do autor não em "regime de economia familiar", mas sim como "boia-fria" ou "meeiro", o que também é uma contradição. O regime de "boia-fria" exige a comprovação do trabalho, ainda que precária, o que não foi apresentado.
Em suma, a sentença se baseou em uma "prova material" que não pertence ao autor e em uma "prova testemunhal" que se mostrou inconsistente e contraditória nos pontos centrais do litígio. Diante da fragilidade e da falta de idoneidade do conjunto probatório, não há como manter o reconhecimento do tempo de serviço rural.
Portanto, o apelo do INSS deve ser provido para reformar a sentença, afastando o reconhecimento do período de atividade rural do autor. Sem este tempo de contribuição, o autor não preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
Do recurso adesivo interposto pelo autor
A alegação de cerceamento de defesa não prospera. O autor postulou a produção de prova pericial a fim de demonstrar a especialidade das atividades exercidas como mecânico, inclusive em período urbano sem registro em CTPS (11/10/1977 a 29/02/1980). Todavia, ausentes elementos mínimos de prova do próprio vínculo de trabalho, não se justifica a realização de perícia em ambiente laboral, sob pena de transformar a diligência em verdadeira atividade investigatória do juízo. Ademais, quanto a outro período, o próprio autor desistiu da realização da prova técnica, não podendo agora alegar prejuízo.
Além disso, a documentação que veio aos autos foi resultado da intervenção do magistrado que, diligentemente, a requisitou aos empregadores do autor por meio de ofício. Se a prova documental sobre a especialidade não foi a contento, a responsabilidade se deve também ao autor, que deixou de examinar os documentos juntados em cumprimento à ordem judicial.
Não se verifica a ocorrência do alegado cerceamento de defesa.
No que se refere ao pedido de reconhecimento do período urbano de 11/10/1977 a 29/02/1980, o recurso adesivo não merece acolhida. O art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91 exige início razoável de prova material, não admitindo a comprovação exclusivamente testemunhal. No caso, não foram juntados documentos contemporâneos que demonstrem o vínculo alegado, razão pela qual a prova oral isolada não se presta a fundamentar o reconhecimento do tempo de serviço urbano. Nesse ponto, portanto, deve ser mantida a sentença e resta prejudicado o pleito de reconhecimento da especialidade sobre ele.
Passo a analisar o pleito de reconhecimento da especialidade da atividade de mecânico registrada em CTPS para os períodos de 01/12/1975 a 10/10/1977 e de 01/03/1980 a 26/11/1983, 20/10/2003 a 10/10/2005, 13/10/2005 a 17/03/2007 e 18/06/2007 a 17/12/2008.
Não reconheço a especialidade do período de 01/12/1975 a 10/10/1977, em que o autor trabalhou como Auxiliar de Forjaria, e também não a reconheço para o período de 01/03/1980 a 26/11/1983, por ter o autor estabelecido vínculos contratuais com pessoas físicas. Registre-se que tais atividades são passíveis de enquadramento pela categoria profissional no código 2.5.2 do Decreto nº 53.831/64 e nos códigos 2.5.1 e 2.5.3 do Anexo II do Decreto 83.080/79, quando exercidos no âmbito de indústrias metalúrgicas.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SENTENÇA CONDICIONAL. NULIDADE. ATIVIDADES ESPECIAIS COMPROVADAS. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
(...)
III. Razões de decidir
3. Inicialmente, na hipótese em análise, a sentença condicional implica negativa de prestação jurisdicional adequada, ocasionando sua nulidade, uma vez que a r. sentença, concedeu "benefício que lhe for mais benéfico, nos termos da lei, caso a medida preconizada no item (i) implicar a existência de tempo mínimo relativo ao benefício, desde a data em que a parte autora implementou os requisitos para aposentar-se."
4. Sendo assim, deve ser declarada a nulidade da sentença.
5. Entretanto, tendo em vista que o feito se encontra devidamente instruído e em condições de imediato julgamento, impõe-se a apreciação, por este Tribunal, da matéria discutida nos autos, nos moldes do artigo 1.013, §3º, inciso II, do CPC.
6. No presente caso, da análise dos Perfis Profissiográfico Previdenciários e laudo técnico judicial acostados aos autos (ID310962874), de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividade especial nos seguintes períodos:
- de 01/09/1987 a 10/09/1988, vez que trabalhou como "serviços gerais", ficando exposto de modo habitual e permanente a produtos químicos: poeiras minerais nocivas, enquadrada pelo código 1.2.11, Anexo III do decreto nº 53.831/64; código 1.2.10, Anexo I do decreto nº 83.080/79; código 1.0.17 do Anexo IV do decreto nº 2.172/97 e 1.0.17 do Anexo IV do decreto nº 3.048/99 (laudo técnico, ID 310962874)
- de 01/02/1989 a 30/11/1993, uma vez que trabalhou como 'ferramenteiro', na empresa Manzato & Machini Ltda., atividade enquadrada por equiparação, na categoria profissional do código 2.5.2 do Decreto nº 53.831/64, item 2.5.1 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e item 2.5.3 do Anexo II do Decreto 83.080/79, bem como nos termos da Circular nº 15 do INSS, de 08/09/1994, a qual determina o enquadramento das funções de ferramenteiro, torneiro mecânico, fresador e retificador de ferramentas, no âmbito de indústrias metalúrgicas, no código 2.5.3 do anexo II do Decreto n. 83.080/79 (CTPS - id 310962836 - Pág. 6).
- e de 01/06/1998 a 12/08/2019, vez que trabalhou como "ferramenteiro" realizando as mesmas funções por todo período decorrido, ficando exposto de modo habitual e permanente a produtos químicos (hidrocarbonetos) graxa óleo mineral, entre outros, enquadrada pelo código 1.2.11, Anexo III do decreto nº 53.831/64; código 1.2.10, Anexo I do decreto nº 83.080/79; código 1.0.17 do Anexo IV do decreto nº 2.172/97 e 1.0.17 do Anexo IV do decreto nº 3.048/99 (Num. 3139218 - Pág. 1/3). (laudo técnico, fls. 32/35)
7. Desta forma, computando-se os períodos de atividade especial ora reconhecidos, até o requerimento administrativo (20/08/2019), perfazem-se mais de 25 (vinte e cinco) anos de atividades exclusivamente especiais, suficientes ao exigido pelo artigo 57 da Lei nº 8.213/91.
(...)
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5010632-77.2025.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 25/03/2025, DJEN DATA: 01/04/2025)
(grifei)
Além de pedir o enquadramento por categoria profissional, o recurso adesivo argumenta que o período de trabalho como mecânico deve ser considerado especial com base na exposição a ruído acima dos limites de tolerância.
Vamos à análise das provas acerca da especialidade, para verificar se é possível, nos termos em que requerido pelo autor, efetuar o enquadramento da especialidade em razão de sua exposição ao ruído que alega ter sido nociva em conformidade com a legislação de regência.
No que diz respeito ao período de 20/10/2003 a 10/10/2005, em que o autor trabalhou na empresa E K Transportes LTDA - ME, a especialidade não pode ser reconhecida. Isso porque, para este período, é indispensável a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos, o que não ocorreu, especialmente considerando que o próprio autor desistiu da realização da perícia judicial para esse fim.
No que diz respeito ao período de 13/10/2005 a 17/03/2007, a especialidade não pode ser reconhecida. Os Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) apresentados nos autos não estão em conformidade com as exigências legais, pois carecem da indicação do responsável pelos registros ambientais, da data de emissão, do NIT e da identificação do representante legal da empresa. Mesmo que tais questões fossem superadas, os documentos não contêm qualquer mensuração do ruído, inviabilizando, de qualquer modo, o reconhecimento da especialidade para este período.
Por último, no tocante ao período de 18/06/2007 a 17/12/2008, a especialidade da atividade não pode ser reconhecida. Conforme o laudo técnico do período, a exposição do autor ao agente físico ruído foi de 84,7 dB(A), valor que não ultrapassou o limite de tolerância de 85 dB(A), estabelecido no Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
Consequências da reforma que recaiu sobre a sentença
Considerando que a presente ação foi ajuizada em 27/01/2009, não se aplicam as exigências de prévio requerimento administrativo e de esgotamento da via administrativa, conforme a modulação de efeitos estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 350.
Contudo, em razão do teor deste julgamento, o autor não alcançou os necessários 35 anos exigidos para obter a aposentadoria por tempo de contribuição, impondo a revogação da tutela que determinou a implantação, de forma indevida, do benefício.
A devolução da quantia recebida em razão da tutela revogada é obrigatória, conforme o Tema 692/STJ. Isso se deve ao fato de que o autor tinha, ou deveria ter, ciência do caráter precário desses valores, o que inviabiliza qualquer argumento de boa-fé ou de natureza alimentar para justificar a não devolução.
Com relação ao período para o qual se postulou o reconhecimento da atividade rural, fica extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do Tema 629/STJ, em razão da ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo por insuficiência de provas materiais e inconsistência da prova testemunhal.
Conclusão
Ante o exposto, dá-se provimento à apelação do INSS para não reconhecer a atividade rural no período de 01/01/1965 a 30/11/1975 e, de ofício, extinguir o processo sem resolução de mérito quanto a este ponto, nos termos do Tema 629/STJ. Nego provimento ao recurso adesivo interposto pelo autor. Resta prejudicada a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição e, consequentemente, revogada a tutela que determinou a sua implantação.
Sucumbente, fica o autor condenado no pagamento da verba honorária fixada em 10% sobre o valor da causa, de suspensa exigibilidade em decorrência da justiça gratuita que lhe foi concedida.
Oficie-se.
É o voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL E CONTRADIÇÕES NA PROVA TESTEMUNHAL. ATIVIDADE URBANA SEM REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ATIVIDADE ESPECIAL COMO MECÂNICO. EXPOSIÇÃO A RUÍDO ABAIXO DO LIMITE DE TOLERÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. REVOGAÇÃO DA TUTELA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. RECURSO DO INSS PROVIDO. RECURSO ADESIVO DO AUTOR NÃO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
- Apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e recurso adesivo do autor contra sentença que reconheceu o período de atividade rural de 01/01/1965 a 30/11/1975, concedendo aposentadoria por tempo de contribuição. O INSS sustenta ausência de prova material idônea e impossibilidade de contagem de tempo rural sem contribuições, enquanto o autor, em recurso adesivo, alega cerceamento de defesa pela falta de perícia e requer o reconhecimento de tempo urbano sem registro e de atividade especial exercida como mecânico.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
- Há quatro questões em debate:
(i) se o conjunto probatório é suficiente para o reconhecimento do período de atividade rural alegado;
(ii) se o indeferimento da prova pericial caracteriza cerceamento de defesa;
(iii) se é possível reconhecer tempo de serviço urbano sem registro com base apenas em prova testemunhal;
(iv) se as atividades exercidas como mecânico podem ser consideradas especiais, seja por categoria profissional ou exposição a ruído nocivo.
III. RAZÕES DE DECIDIR
- O reconhecimento do tempo de serviço rural depende de início de prova material contemporânea, corroborada por prova testemunhal idônea (Lei nº 8.213/91, art. 55, §3º). No caso, os documentos apresentados são frágeis e não pertencem ao autor, sendo insuficientes para comprovar o labor rural no período de 1965 a 1975.
- As contradições nas provas orais — especialmente quanto à identificação do pai do autor e ao período de labor — comprometem a credibilidade dos depoimentos. A prova testemunhal não apenas diverge quanto aos fatos essenciais, como também descreve o autor como “boia-fria” e não como trabalhador em regime de economia familiar, o que afasta o reconhecimento pretendido.
- Em razão da ausência de provas materiais e da inconsistência das testemunhas, aplica-se o entendimento do Tema 629/STJ, segundo o qual a falta de início de prova documental impede o exame do mérito quanto ao tempo rural, impondo a extinção do processo sem resolução de mérito neste ponto.
- O alegado cerceamento de defesa é afastado. O autor desistiu da perícia judicial e não apresentou elementos mínimos que justificassem a sua realização. O juiz diligenciou para obter documentos junto aos empregadores, cumprindo seu dever instrutório, não havendo nulidade processual.
- O pedido de reconhecimento do tempo urbano sem registro (11/10/1977 a 29/02/1980) não pode ser acolhido. A comprovação de vínculo de trabalho urbano exige início razoável de prova material, sendo vedada a comprovação exclusivamente testemunhal, conforme art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91.
- Quanto ao reconhecimento de tempo especial, as atividades exercidas como mecânico não se enquadram por categoria profissional, pois os vínculos ocorreram com pessoas físicas e sem comprovação de exercício em ambiente industrial. Também não restou demonstrada exposição habitual e permanente a agentes nocivos, pois os PPPs juntados estão incompletos e sem medições válidas de ruído.
- Para o período de 18/06/2007 a 17/12/2008, o laudo técnico apontou exposição a ruído de 84,7 dB(A), abaixo do limite de 85 dB(A) previsto no Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, afastando a caracterização da especialidade.
- A reforma da sentença implica a revogação da tutela de urgência que determinou a implantação da aposentadoria. Os valores recebidos indevidamente devem ser restituídos, conforme Tema 692/STJ, uma vez que o autor tinha ciência do caráter provisório do benefício.
IV. DISPOSITIVO E TESE
- Apelação do INSS provida para afastar o reconhecimento da atividade rural e extinguir o processo, sem resolução de mérito, quanto a este ponto, nos termos do Tema 629/STJ. Recurso adesivo do autor não provido. Revogada a tutela que concedeu a aposentadoria e determinada a restituição dos valores recebidos indevidamente.
Teses de julgamento:
- O reconhecimento do tempo de serviço rural exige início de prova material contemporânea, sendo insuficiente a prova exclusivamente testemunhal.
- Contradições relevantes nos depoimentos das testemunhas afastam a validade da prova oral.
- A ausência de vínculo formal e de prova documental impede o reconhecimento de tempo urbano não registrado.
- O enquadramento de atividade especial por exposição a ruído requer medição técnica válida constante de PPP ou laudo ambiental.
- Não há cerceamento de defesa quando o indeferimento da perícia decorre da ausência de elementos mínimos que a justifiquem.
- A revogação de tutela antecipada acarreta a obrigação de restituição dos valores indevidamente recebidos.
Dispositivos relevantes: Lei nº 8.213/91, arts. 24, 55, §3º, e 106; Decreto nº 3.048/99, Anexo IV.
Jurisprudência relevante: STJ, Tema 629; STJ, Tema 692; STF, Tema 350; TRF3, ApCiv nº 5010632-77.2025.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, j. 25/03/2025.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
