
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000119-09.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: ROSANGELA DE FATIMA PALOTTA BALDERRAMA
Advogado do(a) REU: MARIO GARRIDO NETO - SP167429
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000119-09.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: ROSANGELA DE FATIMA PALOTTA BALDERRAMA
Advogado do(a) REU: MARIO GARRIDO NETO - SP167429
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Trata-se de ação ordinária ajuizada por segurada em face da autarquia previdenciária, objetivando a concessão de benefício por incapacidade (auxílio-doença ou, alternativamente, aposentadoria por invalidez), sob alegação de incapacidade decorrente de transtorno afetivo bipolar e episódio depressivo grave, com sintomas psicóticos.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS a conceder o auxílio-doença, a partir da data da perícia judicial (10/11/2015), até a reabilitação, a cessação da incapacidade ou eventual concessão de aposentadoria por invalidez. O INSS foi também condenado ao pagamento das parcelas vencidas e de honorários advocatícios fixados em 15% sobre as prestações vencidas até a sentença (ID: 275651640 - fls. 33).
O INSS interpôs apelação, sustentando: (i) inexistência da qualidade de segurada especial, em razão do patrimônio imobiliário da família, incompatível com o regime de economia familiar; (ii) indevida imposição de reabilitação profissional, por se tratar de competência exclusiva da autarquia, nos termos do art. 101 da Lei nº 8.213/1991; e (iii) necessidade de fixação de prazo de cessação do benefício, em consonância com a perícia que apontou incapacidade temporária de quatro meses (ID: 275651640 - fls. 40).
A parte autora apresentou recurso adesivo, pugnando pela concessão de aposentadoria por invalidez ou, subsidiariamente, pela fixação da DIB (data de início do benefício) na data do requerimento administrativo (19/09/2011), e não da perícia judicial (ID: 275651640 - fls. 108).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Eg. Tribunal.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000119-09.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: ROSANGELA DE FATIMA PALOTTA BALDERRAMA
Advogado do(a) REU: MARIO GARRIDO NETO - SP167429
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado, mostra-se formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
O art. 201, inc. I, da CF/1988, em sua redação original, previa a cobertura dos eventos doença e invalidez. Com a Emenda Constitucional nº 103/2019, os benefícios passaram a ser denominados auxílio por incapacidade temporária e aposentadoria por incapacidade permanente. Todavia, até que sobrevenha alteração legislativa, permanecem aplicáveis as disposições da Lei nº 8.213/1991 - Lei de Benefícios.
São requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: qualidade de segurado, carência e incapacidade laborativa.
Nos termos do art. 42 da referida lei, a aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta subsistência. Já o auxílio-doença é devido ao segurado temporariamente incapacitado, conforme o art. 59 da mesma lei.
A aposentadoria por invalidez (atual aposentadoria por incapacidade permanente) está prevista nos arts. 42 a 47 da Lei nº 8.213/1991 e exige: qualidade de segurado, carência (salvo hipóteses legais de dispensa) e incapacidade total e permanente.
Para o auxílio-doença (atual auxílio por incapacidade temporária), exige-se incapacidade temporária ou, se permanente, que seja parcial para a atividade habitual, sendo possível, nos termos dos arts. 59 e 62 da Lei nº 8.213/1991, a reabilitação para outra atividade.
Quanto ao requisito da incapacidade para o trabalho, cabe ao segurado comprovar, por perícia médica judicial, a impossibilidade de exercer atividade laboral, seja de forma permanente (para aposentadoria por incapacidade permanente), seja por período superior a quinze dias consecutivos (para o auxílio por incapacidade temporária).
No caso concreto, a controvérsia recursal envolve: (i) a qualidade de segurada da autora; (ii) a natureza e extensão da incapacidade; (iii) a fixação da DIB; e (iv) a fixação de termo final ou revisão periódica do benefício.
No tocante à qualidade de segurada, a sentença reconheceu o labor rurícola em regime de economia familiar, com início de prova material corroborado por prova testemunhal, em consonância com o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula 149/STJ e Súmula 34 da TNU. Os documentos juntados (declaração de produtor, notas fiscais, contratos de parceria agrícola) e os depoimentos colhidos em audiência confirmam o exercício da atividade rural. A mera existência de registros imobiliários em nome da família não descaracteriza, por si só, a condição de segurada especial, ausente prova de que o labor rural fosse dispensável à subsistência do núcleo.
Quanto à incapacidade, os laudos periciais apresentaram conclusões divergentes. O último exame, aliado aos documentos médicos recentes, evidenciou que a autora é portadora de transtorno psiquiátrico grave, com internações recorrentes e prognóstico incerto. Embora em alguns momentos a perícia tenha indicado incapacidade temporária, o histórico clínico revela agravamento e prolongamento da moléstia. A conjugação da prova médica com os fatores pessoais (baixa escolaridade, histórico de labor exclusivamente rural e ausência de condições de reabilitação para outra atividade) conduz ao reconhecimento da incapacidade total e definitiva, nos termos do art. 42 da Lei nº 8.213/1991.
Outrossim, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é clara ao estabelecer que a análise da incapacidade deve considerar, além da prova pericial, os aspectos socioeconômicos, culturais e profissionais do segurado (STJ, AgRg no REsp 1.338.869/DF, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, j. 29.11.2012), como segue:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE. 1. A concessão da aposentadoria por invalidez deve considerar, além dos elementos previstos no art. 42 da Lei nº 8.213/91, os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido. (Acórdão 2012.01.27179-2 - Classe AGRESP - Agravo Regimental no Recurso Especial - 1338869 - relator CASTRO MEIRA - Origem STJ - Órgão julgador Segunda Turma - Data 20/11/2012 - Data da publicação 29/11/2012 - Fonte da publicação DJE Data 29/11/2012) (grifos nossos)
Assim, merece provimento o recurso adesivo da autora para conceder-lhe aposentadoria por invalidez, em substituição ao auxílio-doença.
Quanto à DIB, assiste razão à apelante adesiva ao requerer a fixação na data do requerimento administrativo (19/09/2011), uma vez que já naquela ocasião os documentos médicos e a prova testemunhal atestavam a incapacidade, sendo que o indeferimento administrativo decorreu exclusivamente de parecer contrário da perícia do INSS.
Ainda, a alegação do INSS relativa à fixação de prazo de cessação resta prejudicada, diante do reconhecimento da natureza definitiva da incapacidade.
Desse modo, o reconhecimento da qualidade de segurada especial exige início de prova material corroborada por testemunhas, não sendo descaracterizada pela mera existência de patrimônio em nome da família. A concessão de aposentadoria por invalidez deve considerar não apenas o laudo médico, mas também as condições pessoais e socioeconômicas da segurada, devendo a DIB ser fixada na data do requerimento administrativo (19/09/2011), pois demonstrado que a incapacidade já estava presente à época.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou provimento ao recurso adesivo da parte autora, para: a) reconhecer a incapacidade total e definitiva da segurada e condenar o INSS a conceder-lhe aposentadoria por invalidez, em substituição ao auxílio-doença; b) fixar a DIB em 19/09/2011 (data do requerimento administrativo indeferido); c) manter os consectários legais da sentença, observando-se, quanto à correção monetária e aos juros de mora, o Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à época da liquidação. Majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento), nos termos do art. 85, parágrafo 11, do CPC.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. TRANSTORNO PSIQUIÁTRICO GRAVE. INCAPACIDADE TOTAL E DEFINITIVA. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. FIXAÇÃO DA DIB NA DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação do INSS contra sentença que concedeu auxílio-doença à segurada rural, reconhecendo incapacidade decorrente de transtorno afetivo bipolar.
2. O recurso do INSS questiona: (i) a qualidade de segurada especial da autora; (ii) a imposição de reabilitação profissional; e (iii) a necessidade de prazo de cessação do benefício.
3. Recurso adesivo da autora postula: (i) a concessão de aposentadoria por invalidez; ou (ii) subsidiariamente, a fixação da DIB na data do requerimento administrativo (19/09/2011).
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
4. Há quatro questões em discussão: (i) saber se restou comprovada a qualidade de segurada especial da autora, mesmo diante da existência de patrimônio familiar; (ii) saber se a incapacidade é temporária ou definitiva; (iii) saber se é devida aposentadoria por invalidez em substituição ao auxílio-doença; e (iv) saber se a DIB deve ser fixada na data da perícia judicial ou do requerimento administrativo.
III. RAZÕES DE DECIDIR
5. A prova documental e testemunhal comprova o exercício de labor rural em regime de economia familiar. A mera existência de registros imobiliários não descaracteriza, por si só, a condição de segurada especial.
6. O laudo médico, conjugado com documentos clínicos e fatores pessoais, demonstra incapacidade total e definitiva, nos termos do art. 42 da Lei nº 8.213/1991.
7. A concessão de aposentadoria por invalidez deve considerar, além do exame pericial, os aspectos socioeconômicos e profissionais do segurado, conforme jurisprudência do STJ (AgRg no REsp 1.338.869/DF).
8. A DIB deve ser fixada na data do requerimento administrativo (19/09/2011), pois já naquela ocasião a incapacidade estava configurada.
9. Fica prejudicada a alegação do INSS sobre a fixação de termo final, em razão do reconhecimento da incapacidade definitiva.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Apelação do INSS não provida. Recurso adesivo da autora provido.
Tese de julgamento: “1. A qualidade de segurado especial pode ser reconhecida com início de prova material corroborada por testemunhas, não sendo afastada pela mera existência de patrimônio familiar. 2. A concessão de aposentadoria por invalidez exige a análise conjunta da prova médica e das condições pessoais e socioeconômicas do segurado. 3. A DIB deve ser fixada na data do requerimento administrativo quando comprovado que a incapacidade já estava presente na ocasião.”
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, I; Lei nº 8.213/1991, arts. 42, 55, § 3º, 59 e 62; CPC, art. 85, § 11.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1.338.869/DF, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, j. 29/11/2012; Súmula 149/STJ; Súmula 34/TNU.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
