
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5063460-55.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: ANTONIA OSMARINA DA SILVA BALDUINO
Advogado do(a) APELANTE: SANDRO FABRIZIO PANAZZOLO - SP193197-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5063460-55.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: ANTONIA OSMARINA DA SILVA BALDUINO
Advogado do(a) APELANTE: SANDRO FABRIZIO PANAZZOLO - SP193197-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a concessão de aposentadoria por idade rural, sobreveio sentença de improcedência do pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos deduzidos na petição inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC. Diante da sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios do procurador da parte adversa que, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, observando-se, contudo, o disposto no artigo 98, §3º, do mesmo Codex, haja vista a autora ser beneficiária da gratuidade da justiça, cf. se depreende da decisão de fl. 131. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as formalidades legais.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, pugnando pela integral reforma da sentença, para que seja julgado procedente o pedido, sustentando a comprovação da atividade rural, e, por conseguinte, dos requisitos necessário à concessão do benefício pleiteado.
Sem as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5063460-55.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: ANTONIA OSMARINA DA SILVA BALDUINO
Advogado do(a) APELANTE: SANDRO FABRIZIO PANAZZOLO - SP193197-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Recebo o recurso de apelação da parte autora, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo.
Postula a parte autora a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo.
A aposentadoria por idade é devida aos trabalhadores rurais, referidos no artigo 11, inciso I, alínea a, inciso V, alínea g, e incisos VI e VII, da Lei nº 8.213/91, aos 55 (cinquenta e cinco) à mulher e aos 60 (sessenta) anos ao homem (artigo 48, § 1º, do mesmo diploma legal), mediante a comprovação do trabalho rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, cumprindo-se o número de meses exigidos nos art. 25, inciso II, ou o número de meses exigidos no art. 142 da Lei 8.213/91, a depender do ano de implemento do requisito etário, dispensando-se, assim, a comprovação do efetivo recolhimento das contribuições mensais nesse período.
Oportuno observar que a norma expressa nos artigos 2º e 3º da Lei nº 11.718/08 apenas estabelece novas regras para a comprovação do tempo de atividade rural por aqueles que implementaram a idade após 31/12/2010. Com efeito, referidas regras não implicam fixação de prazo decadencial para a obtenção de aposentadoria por idade rural após da data citada.
Ressalta-se que a norma prevista nos artigos acima citados são inaplicáveis aos segurados especiais, sendo que, após 31/12/2010, continuarão a fazer jus ao benefício em questão, em virtude do disposto nos artigos 26, inciso III, 39, inciso I, e 48, §2º, da Lei de Benefícios. Somente o segurado especial que desejar usufruir benefícios outros e em valor diverso a um salário mínimo é que deve comprovar haver contribuído para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social, a teor do inciso II do art. 39 da referida Lei.
Ainda, quanto ao empregado rural e ao contribuinte individual, conclui-se pela aplicação das novas regras e, portanto, pela necessidade de contribuições previdenciárias, a partir de 01/01/2011, uma vez que o prazo de 15 (quinze) anos previsto no artigo 143 da Lei de Benefícios exauriu-se, conforme o disposto no artigo 2º da Lei 11.718/08.
Contudo, necessário observar que não se transfere ao empregado a obrigação de comprovar os recolhimentos das contribuições do período laborativo anotado na carteira profissional, uma vez que é de responsabilidade exclusiva do empregador a anotação do contrato de trabalho em CTPS, o desconto e o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social, não podendo o segurado ser prejudicado pela conduta negligente do empregador, que efetuou as anotações dos vínculos empregatícios, mas não recolheu as contribuições. Precedente do STJ: REsp 566405/MG, Relatora Ministra Laurita Vaz, j.18/11/03, DJ 15/12/03, p 394.
Por fim, impossível afirmar que o diarista, boia-fria ou volante é contribuinte individual, porquanto possua a natureza jurídica de empregado rural, considerando as condições em que realiza seu trabalho, sobretudo executando serviços sob subordinação, de caráter não eventual e mediante remuneração. Ademais, a própria autarquia previdenciária, a teor do que consta da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 128/2022 (inciso XXIV do artigo 45), qualifica o trabalhador volante como empregado.
Assim, evidenciando-se as diretrizes que regem o sistema previdenciário instituído pela Constituição de 1988 (artigos 1º, 3º, 194 e 201), especialmente a proteção social, a universalidade da cobertura e do atendimento, a uniformidade, isonomia e a equivalência dos benefícios, norteadas à luz do caráter protetivo social da Previdência Social e somadas à informalidade própria das atividades desenvolvidas pelos rurícolas, não se pode exigir do trabalhador rural, à exceção do contribuinte individual, o recolhimento de contribuições previdenciárias.
Ressalte-se que a Emenda Constitucional nº 103/2019 manteve a concessão da aposentadoria por idade ao trabalhador rural, segurado especial, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, consoante redação dada ao inciso II do § 7º do artigo 201 da Constituição Federal.
No presente caso, tendo a parte autora nascido em 17/08/1953 completou a idade acima referida em 17/08/2008.
Nos termos do artigo 55, § 3.º, da Lei 8.213/91 e do entendimento jurisprudencial consubstanciado na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, para a comprovação do trabalho rural é necessária a apresentação ao menos de início de prova material, corroborável por prova testemunhal. Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.
Em consonância com referido entendimento está o decidido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 10/10/2012, em sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 554 - Recurso Especial Repetitivo 1.321.493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin), que firmou orientação no sentido de que:
“Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.”
Ainda, observo o julgado no REsp 1.348.633/SP que, submetido ao rito do artigo 543-C do CPC/1973, no Superior Tribunal de Justiça, fixou entendimento de que o início de prova material da atividade rural possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto posterior à data do documento, desde que corroborado por prova testemunhal.
Outrossim, início de prova material não indica completude de prova material, conforme a própria expressão o diz, mas sim o seu começo, princípio de prova, elemento indicativo que permite o reconhecimento da situação jurídica discutida, a qual deverá ser associada a outros elementos probatórios.
Mesmo se entendendo constituir início de prova material da condição de rurícola da autora, a cópia de certidão de casamento, celebrado em 1972, e certidão de nascimento do filho, nascido em 1974, nas quais o cônjuge foi qualificado profissionalmente como lavrador (Id. 261706351 - Pág. 12/13, além de cópia de Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, com anotação de trabalho rural por curto período, em 1992 e 2014, isto é mesmo considerando extensível a qualificação profissional do cônjuge à esposa, verifica-se que a prova testemunhal não corroborou referido início de prova material, uma vez que se mostrou frágil e inconsistente (Id. 268112488).
Com efeito, a testemunha, ouvida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, embora tenha afirmado que a autora trabalhava na lavoura, mostrou-se vaga e imprecisa quanto ao efetivo exercício da atividade desempenhada pela autora durante todo o período necessário para a concessão do benefício, fornecendo informações genéricas a respeito da atividade exercida, declarando não saber informar qual a atividade exercida pela autora a partir de 1980, não sendo possível identificar com segurança os períodos que o autor efetivamente trabalhou.
Ademais, a própria autora, em depoimento pessoal, diz não se recordar até quando trabalhou na roça, uma vez que teria deixado a atividade rural há muito tempo, bem como declarou ter parado de trabalhar em 1998 e, ainda, que ficou muito tempo sem trabalhar (Id. 268112487).
Outrossim, ante a precariedade do início de prova material, somada à fragilidade da prova testemunhal, impossível concluir com segurança acerca da atividade rural alegada.
Ressalte-se que esta Turma, seguindo a jurisprudência do E. STJ, adota posicionamento no sentido de que o disposto no § 1º do artigo 3º da Lei nº 10.666/03 traz regramento exclusivo à aposentadoria por idade urbana, não se aplicando ao caso dos autos, eis que, nos termos do § 2º do artigo 48 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 11.718/08, para fazer jus ao benefício o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual à carência exigida.
A respeito da matéria, firmou-se orientação no sentido de que o segurado especial deve estar trabalhando no campo quando do preenchimento do requisito etário, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese em que, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade, conforme tese firmada, transitada em julgado, na Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 09/09/2015, em sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 642 - Recurso Especial Repetitivo 1.354.2908/sp, Rel. Min. Mauro Campbell Marques):
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil. (STJ - Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 10/02/2016).
Nesse passo, não comprovado o exercício pela parte autora de atividade rurícola no período equivalente à carência e imediatamente anterior ao ajuizamento da demanda, impossível a concessão da aposentadoria rural por idade pleiteada.
Em razão da sucumbência recursal, mantenho a condenação da parte autora nos termos fixados na r. sentença e majoro os honorários advocatícios em 1% (um por cento), observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 4º, III, 5º, 11, do CPC/2015 e o regime jurídico da assistência judiciária gratuita.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA e arbitro honorários advocatícios recursais, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ART. 48, § 1º, DA LEI 8.213/91. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. NÃO COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL. BENEFÍCIO INDEVIDO. APELAÇÃO DESPROVIDA.
I. CASO EM EXAME
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Apelação interposta pela parte autora contra sentença que indeferiu o pedido de aposentadoria por idade rural, ao fundamento de ausência de comprovação do exercício de atividade rurícola no período de carência.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
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Há duas questões em discussão: (i) definir se os documentos apresentados constituem início de prova material válido para a comprovação da atividade rural; (ii) estabelecer se a prova testemunhal é idônea para corroborar o início de prova material e comprovar o exercício do labor rural no período exigido pela legislação.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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O art. 48, § 1º, da Lei 8.213/91 prevê a aposentadoria por idade rural ao trabalhador que comprovar o exercício da atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, em número de meses equivalente à carência legal.
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O art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91 e a Súmula 149 do STJ exigem a apresentação de início de prova material corroborado por prova testemunhal, não se admitindo prova exclusivamente testemunhal.
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Ainda que haja início de prova material, a prova testemunhal colhida mostrou-se frágil e insuficiente para corroborar os documentos, pois não comprovou o efetivo exercício do labor rural nos períodos alegados.
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Diante da fragilidade da prova testemunhal, não restou caracterizado o trabalho rurícola no período de carência, inviabilizando a concessão do benefício pleiteado.
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Em razão da sucumbência recursal, mantém-se a condenação da parte autora nos termos fixados pela sentença, com majoração dos honorários advocatícios em 1% (um por cento), nos termos do art. 85, §§ 3º, 4º, III, 5º e 11, do CPC/2015, observada a gratuidade de justiça.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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Apelação desprovida.
Tese de julgamento:
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A concessão da aposentadoria por idade rural exige início de prova material corroborado por prova testemunhal idônea, não sendo suficiente a mera existência de documentos desacompanhados de prova oral consistente.
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A fragilidade da prova testemunhal inviabiliza a comprovação do exercício de atividade rural no período de carência, ainda que exista início de prova material.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
