
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002849-90.2023.4.03.6123
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: JOSIL DA ROCHA PALMEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SABRINA PEREIRA ARRUDA PROENCA - SP312426-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOSIL DA ROCHA PALMEIRA
Advogado do(a) APELADO: SABRINA PEREIRA ARRUDA PROENCA - SP312426-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002849-90.2023.4.03.6123
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: JOSIL DA ROCHA PALMEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: SABRINA PEREIRA ARRUDA PROENCA - SP312426-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOSIL DA ROCHA PALMEIRA
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RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, objetivando a revisão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 169.541.285-8 - DIB 23/09/2014), mediante o reconhecimento de atividade especial nos períodos de 13/01/1982 a 16/12/1983 e de 06/03/1997 a 23/09/2014, com a conversão em atividade comum para majoração da renda mensal inicial.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar como especiais os períodos de 13/01/1982 a 16/12/1983, 06/03/1997 a 20/07/1999, 01/07/2001 a 29/08/2002, 20/01/2005 a 13/10/2006, 18/10/2007 a 25/10/2012 e 16/10/2013 a 03/06/2019; com a consequente conversão em tempo comum, bem como determinar que o INSS proceda à revisão do benefício da parte autora e, com isso, majorar a RMI do benefício desde a data do requerimento administrativo de revisão (23/11/2020). Condenou o INSS ao pagamento das parcelas vencidas desde a DIB, decorrentes da revisão do benefício, acrescidas de correção monetária e juros de mora (pro rata inclusive), conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal - autorizada a compensação com os valores pagos administrativamente. Condenou o INSS, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez) por cento do valor apurado na condenação.
Apelou o INSS, alegando, em suma, que não restou comprovada a exposição a agentes nocivos de forma habitual e permanente no tocante aos períodos de 06/03/1997 a 20/07/1999, 01/07/2001 a 29/08/2002, 20/01/2005 a 13/10/2006, 18/10/2007 a 25/10/2012 e 16/10/2013 a 03/06/2019. Sustenta que não foram preenchidos os requisitos necessários para a revisão. Observa a vedação de conversão de tempo especial em comum para períodos após a EC 103/19. Requer a reforma da r. sentença, com a improcedência do pedido. Se esse não for o entendimento, requer a incidência de prescrição quinquenal; a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020; a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; a declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; e o desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada.
Por sua vez, a parte autora interpôs apelação, alegando, preliminarmente, a nulidade da r. sentença por cerceamento de defesa, requerendo a realização de prova pericial. Se esse não for o entendimento, requer a reforma da sentença para reconhecer como especiais os períodos de 21/07/1999 a 30/06/2001, 30/08/2002 a 19/01/2005, 14/10/2006 a 17/10/2007 e 26/10/2012 a 15/10/2013, uma vez que comprovada a exposição a agentes químicos de forma habitual e permanente. Por fim, requer a majoração da verba honorária.
Sem as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002849-90.2023.4.03.6123
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: JOSIL DA ROCHA PALMEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS
Advogado do(a) APELANTE: SABRINA PEREIRA ARRUDA PROENCA - SP312426-N
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VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado se mostra formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
De início, cumpre reconhecer a ocorrência de julgamento ultra petita, uma vez que o pedido formulado na inicial se refere aos períodos de 13/01/1982 a 16/12/1983 e de 06/03/1997 a 23/09/2014, ao passo que a r. sentença reconheceu o tempo especial até 03/06/2019.
Dessa forma, reduzo a sentença aos limites do pedido, para afastar o reconhecimento do tempo especial no período de 24/09/2014 a 03/06/2019, visto que não fora objeto do pedido formulado na inicial.
Rejeito a preliminar arguida pela parte autora.
Cumpre afastar a alegação de cerceamento de defesa e a necessidade de produção de prova pericial, uma vez que consta dos autos PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário no período indicado na apelação, elaborado por responsável técnico, além de diversos Laudos Técnicos das Condições Ambientais de Trabalho – LTCATs e Programas de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRAs, sendo desnecessária a produção de outras provas para satisfazer o requerimento do autor, tendo sido possível ao magistrado “a quo” formar seu convencimento através dos documentos juntados na inicial.
A decisão pela necessidade, ou não, da produção de prova é uma faculdade do magistrado, a quem caberá avaliar se há nos autos elementos e provas suficientes para formar sua convicção, a teor do que dispõe os artigos 370, 371 e 464, § 1º, do CPC. Nesse sentido, os seguintes julgados desta E. Turma: AI 00132847020114030000, Des. Fed. MARIANINA GALANTE, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/07/2012; AC nº 2001.61.83.004094-2, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, j. 23/04/2007, DJU 16/05/2007, p. 460.
Passo ao exame do mérito.
Considerando que a parte autora já recebe aposentadoria por tempo de contribuição, resta incontroverso o cumprimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.213/91.
Da mesma forma, resta incontroverso o reconhecimento de atividade especial no período de 13/01/1982 a 16/12/1983, diante da ausência de impugnação da autarquia em sede de apelação, estando a matéria acobertada pela coisa julgada.
A controvérsia nos presentes autos refere-se, portanto, ao reconhecimento do exercício de atividades especiais nos períodos compreendidos entre 06/03/1997 e 23/09/2014.
Atividade Especial
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei nº 3.807/60.
Dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
O critério de especificação da categoria profissional com base na penosidade, insalubridade ou periculosidade, definidas por Decreto do Poder Executivo, foi mantido até a edição da Lei nº 8.213/91, ou seja, as atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo seriam consideradas penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico, bastando, assim, a anotação da função em CTPS ou a elaboração do então denominado informativo SB-40.
O Poder Executivo baixou os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, relacionando os serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos.
Embora o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 tenha limitado a aposentadoria especial às atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, o critério anterior continuou ainda prevalecendo.
De notar que, da edição da Lei nº 3.807/60 até a última CLPS, que antecedeu à Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço especial foi sempre definido com base nas atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo, como penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico.
A própria Lei nº 8.213/91, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu, em seu artigo 152, que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, prevalecendo, até então, a lista constante da legislação em vigor para aposentadoria especial.
Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no Decreto nº 2.172, de 05/03/1997 (art. 66 e Anexo IV), mas por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei n 9.528, de 10/12/1997.
Destaque-se que o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, deixou de fazer alusão a serviços considerados perigosos, insalubres ou penosos, passando a mencionar apenas atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, sendo que o artigo 58 do mesmo diploma legal, também em sua redação original, estabelecia que a relação dessas atividades seria objeto de lei específica.
A redação original do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 foi alterada pela Lei nº 9.032/95 sem que até então tivesse sido editada lei que estabelecesse a relação das atividades profissionais sujeitas às condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, não havendo dúvidas até então que continuavam em vigor os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência: STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482.
A atividade especial somente pode ser considerada por presunção legal até 28/04/1995, ocasião em que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 foram alterados pela Lei nº 9.032/95. A partir de então, o reconhecimento da atividade especial apenas se dá caso seja demonstrada a exposição, de forma habitual e permanente, a agentes nocivos à saúde ou à integridade física, sendo que após 10/12/1997 - data da vigência da Lei nº 9.528/97 - passou a ser necessária a apresentação de laudo técnico para comprovação à exposição a agentes nocivos à saúde.
Registro que o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP substitui o laudo técnico, sendo documento suficiente para aferição das atividades nocivas a que esteve sujeito o trabalhador. E também não obsta o reconhecimento de tempo de trabalho em condições especiais à extemporaneidade de documento, pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual à constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica.
O artigo 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, exige que a comprovação do tempo especial seja feita por formulário, ancorado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual, portanto, pode se basear em qualquer metodologia científica. Não tendo a lei determinado que a aferição só poderia ser feita por meio de uma metodologia específica, não se pode deixar de reconhecer o labor especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada na Instrução Normativa do INSS, pois isso representaria uma extrapolação do poder regulamentar da autarquia.
É de se ressaltar, quanto ao nível de ruído, que a jurisprudência já reconheceu que o Decreto nº 53.831/64 e o Decreto nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, ou seja, não houve revogação daquela legislação por esta, de forma que, constatando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado (STJ - REsp. n. 412351/RS; 5ª Turma; Rel. Min. Laurita Vaz; julgado em 21.10.2003; DJ 17.11.2003; pág. 355).
O Decreto nº 2.172/97, que revogou os dois outros decretos anteriormente citados, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 dB(A) como prejudicial à saúde.
Por tais razões, até ser editado o Decreto nº 2.172/97, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 dB(A) como agente nocivo à saúde.
Todavia, com o Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível voltou a ser de 85 dB(A) (art. 2º do Decreto nº 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Houve, assim, um abrandamento da norma até então vigente, a qual considerava como agente agressivo à saúde a exposição acima de 90 dB(A), razão pela qual vinha adotando o entendimento segundo o qual o nível de ruídos superior a 85 dB(A) a partir de 05/03/1997 caracterizava a atividade como especial.
Ocorre que o C. STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo 543-C do CPC, decidiu não ser possível a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, de modo que no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, em consideração ao princípio tempus regit actum, a atividade somente será considerada especial quando o ruído for superior a 90 dB(A) (STJ, REsp 1398260/PR, Primeira Seção, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 05/12/2014).
Mais recentemente, o C. STJ, em 09/04/2025, ao apreciar o Tema nº 1.090 em sede de recursos repetitivos (REsp 2082072/RS, REsp 1828606/RS, REsp 2080584/PR e REsp 2116343/RJ), de Relatoria da Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, firmou a seguinte tese:
“I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido; II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI; III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor.”
Contudo, há situações em que há risco evidente de contato com agentes nocivos, nos quais a simples utilização de EPI, por si só, é insuficiente para a neutralização do risco, quais sejam:
a) atividades em que há exposição a níveis de ruído superiores aos limites previstos na legislação previdenciária (Tema nº 555 do C. STF, ARE 664335, Rel. Min. Luiz Fux);
b) atividades em que há exposição a agentes biológicos nocivos, notadamente quando envolve o contato com materiais infecto-contagiantes (médicos, enfermeiros, coletores de lixo, etc), uma vez nenhum EPI é suficiente para evitar completamente a contaminação por tais agentes;
c) atividades em que há exposição a agentes químicos cancerígenos, tendo em vista o alto grau de nocividade;
d) atividades que envolvam contato com eletricidade ou materiais explosivos, visto que a simples periculosidade já se revela suficiente para caracterizar a especialidade.
Com relação aos agentes químicos considerados cancerígenos, vale dizer que o artigo 68, §4º, do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo Decreto nº 8.123/13, disciplinava que a mera presença de tais agentes no ambiente de trabalho seria suficiente para a comprovação da efetiva exposição do trabalhador.
Ocorre que o Decreto nº 10.410/2020, publicado em 01/07/2020, alterou a redação do artigo. 68, §4º do Decreto 3.048/99, passando a prever a possibilidade de descaracterização da especialidade, desde que comprovada a adoção de medidas de controle que eliminem a nocividade, nos seguintes termos:
"§ 4º Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição.".
Sendo assim, antes da edição do Decreto nº 10.410/2020, não havia qualquer restrição ao reconhecimento do tempo especial com base na exposição aos agentes químicos considerados cancerígenos.
Diante disso, até o advento do Decreto nº 10.410/2020, a utilização de EPI não possui o condão de descaracterizar a especialidade da atividade quando houver exposição a um dos agentes químicos constantes de qualquer um dos Grupos que integram a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos – LINACH.
Logo, quanto aos agentes químicos dessa natureza, somente para os períodos trabalhados após o Decreto nº 10.410/2020, a utilização de EPI eficaz deve ser avaliada concretamente para a comprovação do tempo de serviço especial.
De todo modo, para aqueles agentes constantes do grupo 1 da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos - LINACH, ou seja, agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, a mera utilização de EPI não se mostra suficiente para neutralizar a real nocividade do agente.
No mais, a especialidade da atividade pode ser caracterizada também quando houver nos autos elementos que permitam contrariar eventual anotação no PPP quanto à eficácia do EPI fornecido pela empresa.
Assim, a possibilidade de afastamento do tempo especial em razão da utilização de EPI deve ser avaliada de forma casuística.
Destaco, ainda, que inexiste vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa, ou nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, eis que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 não demandam tal exigência, que constituiria encargo para o empregador, não podendo o empregado ser por isso prejudicado.
Por seu turno, o recebimento de adicional de insalubridade ou de pagamento da taxa SAT (com indicação de IEAN no CNIS) não implica necessariamente no reconhecimento de exercício de atividade especial, que tem que ser comprovada pelos meios estabelecidos na legislação vigente.
Quanto à possibilidade da contagem do tempo em gozo de auxílio-doença como atividade especial, o julgamento proferido em sede de repetitivo (Tema repetitivo n. 998), fixou da seguinte tese: “O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial”.
No presente caso, da análise do PPP, elaborado em 03/06/2019 (ID 335025331) e dos LTCATs e PPRAs trazidos aos autos (IDs 335025398 e seguintes), e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividade especial no período de 06/03/1997 a 23/09/2014, uma vez que exposta de modo habitual e permanente aos agentes químicos inerentes às atividades desenvolvidas (óleo composto de hidrocarboneto aromático, graxa, óleo lubrificante/térmico/BPF, solvente, querosene, thinner, tinta), nos termos dos códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.17 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e dos códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.17 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
Cumpre observar que entre 06/03/1997 e 23/09/2014 a parte autora exerceu a mesma função de líder de manutenção, razão pela qual se pode concluir que a sua exposição aos agentes químicos se deu em todo o período.
Assim, o fato de o PPP ter apontado em parte dos períodos apenas a exposição a ruído não descaracteriza a atividade especial.
Além disso, o autor trouxe aos autos LTCATs e PPRAs emitidos pela empresa, os quais apontam que no setor de manutenção mecânica, onde ele trabalhava, havia a manipulação de graxas e óleos compostos de hidrocarbonetos aromáticos.
No mais, considerando que parte dos agentes químicos mencionados contém benzeno em sua composição, não há que se falar em descaracterização da atividade especial pela simples anotação de utilização de EPI.
Vale dizer, ainda, que a exposição a hidrocarbonetos prescinde de quantificação para configurar condição especial de trabalho, pois a análise da exposição a esse fator agressivo é qualitativa, e não quantitativa.
Nesse sentido, vem entendo esta E. Corte:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTES QUÍMICOS. REVISÃO. DOS JUROS DE MORA E DA CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS. APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Recebida a apelação interposta pelo autor, já que manejada tempestivamente, conforme certificado nos autos, e com observância da regularidade formal, nos termos do Código de Processo Civil/2015.
2. O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
3. É reconhecido como especial o período de trabalho em que o indivíduo fica exposto, de forma habitual e permanente, ao agente químico hidrocarboneto e outros compostos de carbono, consoante disposto nos códigos 1.2.11, do Quadro do Decreto nº 53.831/64, e 1.2.10, do Anexo I do Decreto nº 83.080/79.
4. Neste caso, o PPP revela que, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, o autor trabalhou exposto, de forma habitual e permanente, ao agente nocivo "fumos metálicos", o que significa dizer que o intervalo em destaque deve ser reconhecido como especial.
5. Vale dizer que, segundo o Anexo 13, da NR-15 do Ministério do Trabalho, a exposição do trabalhador a agentes químicos à base de hidrocarboneto s tem sua intensidade medida a partir de análise qualitativa, bastando apenas o contato físico para caracterização da especialidade do labor. Precedente.
6. Fica condenado o INSS a averbar o período de 06/03/1997 a 18/11/2003 como especial e proceder à revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 143.932.944-0, desde a DER (09/05/2007).
7. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral.
8. De acordo com a decisão do Egrégio STF, os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
9. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
10. Apelação do INSS parcialmente provida.
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2274848 - 0034675-47.2017.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA, julgado em 10/12/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/12/2018 )
Logo, considerando que em todo o período de 06/03/1997 a 23/09/2014 o autor exerceu a mesma função de mecânico/líder de manutenção, reconheço todo o período como especial.
Sendo o requerimento do benefício posterior à Lei Federal nº 8.213/91, deve ser aplicado o fator de conversão de 1,40, mais favorável ao segurado, como determina o artigo 70 do Decreto Federal nº. 3048/99, com a redação dada pelo Decreto Federal nº. 4.827/03.
Desse modo, a parte autora faz jus à majoração da renda mensal inicial do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição a partir da data do requerimento administrativo de revisão (23/11/2020), momento em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão.
Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observado o quanto decidido pelo C. STF por ocasião do julgamento do RE 870947, sendo que a partir da promulgação da EC 113/2021, publicada em 09/12/2021, haverá a incidência da taxa Selic para fins de atualização monetária e compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente.
O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, inclusive honorários periciais (Res. CJF nºs. 541 e 558/2007), além de reembolsar custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, ante a gratuidade processual concedida (art. 4º, I e parágrafo único, da Lei 9.289/1996, art. 24-A da Lei 9.028/1995, n.r., e art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/1993).
O INSS deve arcar com a verba honorária de sucumbência, no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme entendimento desta Turma (artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil/2015), aplicada, nos termos do julgamento do Tema Repetitivo 1105, a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidirão sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença ou, na hipótese de a pretensão do segurado somente ser deferida em sede recursal, não incidirão sobre as parcelas vencidas após a prolação da decisão ou acórdão.
O eventual pagamento de benefício previdenciário na via administrativa, seja ele total ou parcial, após a citação válida, não tem o condão de alterar a base de cálculo para os honorários advocatícios fixados na ação de conhecimento, que será composta pela totalidade dos valores devidos.
No tocante ao pedido para obrigar a parte autora a firmar a referida autodeclaração, trata-se de procedimento da entidade autárquica no âmbito administrativo, para o qual dispensa-se a determinação judicial.
Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora na esfera administrativa.
Diante do exposto, de ofício, reduzo a r. sentença aos limites do pedido, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer o exercício de atividade especial nos períodos de 21/07/1999 a 30/06/2001, 30/08/2002 a 19/01/2005, 14/10/2006 a 17/10/2007 e 26/10/2012 a 15/10/2013 e determinar a revisão do benefício, e dou parcial provimento à apelação do INSS, apenas para fixar os consectários legais, mantida, no mais, a r. sentença, nos termos da fundamentação.
É como voto.
EMENTA
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. JULGAMENTO ULTRA PETITA. EXCLUSÃO, DE OFÍCIO. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. EXPOSIÇÃO A AGENTES QUÍMICOS. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA. MAJORAÇÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. APELAÇÕES DA PARTE AUTORA E DO INSS PARCIALMENTE PROVIDAS.
I. Caso em exame
1. Trata-se de ação previdenciária ajuizada, objetivando a revisão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 169.541.285-8 - DIB 23/09/2014), mediante o reconhecimento de atividade especial nos períodos de 13/01/1982 a 16/12/1983 e 06/03/1997 a 23/09/2014, com a conversão em atividade comum para majoração da renda mensal inicial.
2. II. Questão em discussão
2. Questões em discussão: (i) preliminar de cerceamento de defesa; (ii) possibilidade (ou não) de manutenção do reconhecimento de atividade especial efetuado em primeiro grau; (iii) implementação dos requisitos necessários à benesse vindicada e fixação do termo inicial dos efeitos financeiros; e (iv) aplicação da Súmula 111/STJ.
III. Razões de decidir
3. Cumpre reconhecer a ocorrência de julgamento ultra petita, uma vez que o pedido formulado na inicial se refere aos períodos de 13/01/1982 a 16/12/1983 e de 06/03/1997 a 23/09/2014, ao passo que a r. sentença reconheceu o tempo especial até 03/06/2019. Dessa forma, reduzida a sentença aos limites do pedido, para afastar o reconhecimento do tempo especial no período de 24/09/2014 a 03/06/2019, visto que não fora objeto do pedido formulado na inicial.
4. Cumpre afastar a alegação de cerceamento de defesa e a necessidade de produção de prova pericial, uma vez que consta dos autos PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário no período indicado na apelação, elaborado por responsável técnico, além de diversos Laudos Técnicos das Condições Ambientais de Trabalho – LTCATs e Programas de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRAs, sendo desnecessária a produção de outras provas para satisfazer o requerimento do autor, tendo sido possível ao magistrado “a quo” formar seu convencimento através dos documentos juntados na inicial. A decisão pela necessidade, ou não, da produção de prova é uma faculdade do magistrado, a quem caberá avaliar se há nos autos elementos e provas suficientes para formar sua convicção, a teor do que dispõe os artigos 370, 371 e 464, § 1º, do CPC. Nesse sentido, os seguintes julgados desta E. Turma: AI 00132847020114030000, Des. Fed. MARIANINA GALANTE, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/07/2012; AC nº 2001.61.83.004094-2, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, j. 23/04/2007, DJU 16/05/2007, p. 460.
5. Resta incontroverso o reconhecimento de atividade especial no período de 13/01/1982 a 16/12/1983, diante da ausência de impugnação da autarquia em sede de apelação, estando a matéria acobertada pela coisa julgada. A controvérsia nos presentes autos refere-se ao reconhecimento do exercício de atividade especial, no período de 06/03/1997 a 23/09/2014.
6. No presente caso, da análise do PPP, elaborado em 03/06/2019 (ID 335025331) e dos LTCATs e PPRAs trazidos aos autos (IDs 335025398 e seguintes), e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividade especial no período de 06/03/1997 a 23/09/2014, uma vez que exposta de modo habitual e permanente aos agentes químicos inerentes às atividades desenvolvidas (óleo composto de hidrocarboneto aromático, graxa, óleo lubrificante/térmico/BPF, solvente, querosene, thinner, tinta), nos termos dos códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.17 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e dos códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.17 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
7. A parte autora faz jus à majoração da renda mensal inicial do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição a partir da data do requerimento administrativo de revisão (23/11/2020), momento em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão.
8. Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observado o quanto decidido pelo C. STF por ocasião do julgamento do RE 870947, sendo que a partir da promulgação da EC 113/2021, publicada em 09/12/2021, haverá a incidência da taxa Selic para fins de atualização monetária e compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente.
9. O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, inclusive honorários periciais (Res. CJF nºs. 541 e 558/2007), além de reembolsar custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, ante a gratuidade processual concedida (art. 4º, I e parágrafo único, da Lei 9.289/1996, art. 24-A da Lei 9.028/1995, n.r., e art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/1993).
10. A verba honorária de sucumbência a cargo do INSS incide no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme entendimento desta Turma (artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil/2015), aplicada, nos termos do julgamento do Tema Repetitivo 1105, a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidirão sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença ou, na hipótese de a pretensão do segurado somente ser deferida em sede recursal, não incidirão sobre as parcelas vencidas após a prolação da decisão ou acórdão.
11. Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora na esfera administrativa.
IV. Dispositivo e tese
12. De ofício, reconhecido o julgamento ultra petita. Matéria preliminar rejeitada. Apelações da parte autora e do INSS parcialmente providas.
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Dispositivos relevantes citados: L. 8.213/91, arts. 57 e 58.
Jurisprudência relevante citada: TRF3: AI 00132847020114030000, Des. Fed. MARIANINA GALANTE, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/07/2012; AC nº 2001.61.83.004094-2, Rel. Des. Fed. MARIANINA GALANTE, j. 23/04/2007, DJU 16/05/2007, p. 460.
ACÓRDÃO
Desembargador Federal
