O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103 (EC n. 103/2019), publicada em 13/11/2019:
"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I -cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)".
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.
Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho mas, à luz do disposto no artigo 59 da mesma lei, a incapacidade se refere "não para quaisquer atividades laborativas, mas para aquela exercida pelo segurado (sua atividade habitual)" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, pág. 128).
Além da incapacidade laboral, são necessárias à concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil. Porém, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 47 da TNU: "Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez".
Súmula 53 da TNU: "Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social".
Súmula 77 da TNU: "O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual".
No caso dos autos, a perícia médica judicial de 30/8/2024 constatou a incapacidade laboral total e permanente do autor (nascido em 1965 e qualificado como trabalhador rural), em razão de quadro de epilepsia CID G 40, retardo mental grave CID F 72 e transtorno mental CID F 06.
A perita fixou a data de início da incapacidade em 15/2/2019, "baseada na data de documentos contidos nos autos" e acrescentou haver "incapacidade para atividades de vida civil e vida independente".
Ressalte-se: o julgador não está vinculado às conclusões da perícia, mas, nestes autos, não há elementos probatórios suficientes para infirmar o laudo pericial, inclusive no tocante à data de início da incapacidade fixada (DII 15/2/2019).
Resta verificar, entretanto, os demais requisitos para a concessão do benefício - filiação e carência - quando deflagrada a incapacidade apontada.
A qualidade de segurado mantém-se com a filiação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), ou seja, com o exercício de atividade remunerada ou com o recolhimento de contribuições previdenciárias.
Entretanto, a lei estabelece um lapso temporal, denominado "período de graça", no qual o segurado, ainda que não esteja exercendo atividade remunerada ou efetuando o recolhimento de contribuições, não perde a sua qualidade de segurado, fazendo jus a benefício previdenciário, consoante o disposto no artigo 15 da Lei n. 8.213/1991 (redação anterior à MP n. 905/2019):
"Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
"Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
A teor dos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), o autor manteve vínculo trabalhista de 7/2002 a 4/2004 e efetuou o recolhimento de intermitentes contribuições previdenciárias, como segurado facultativo, (i) de 5/2012 a 4/2013; (ii) 6/2013 a 7/2018, (iii) 4/2021 a 6/2021 e (iv) de 8/2021 a 12/2022.
Assim, verifica-se que à época do início da incapacidade laboral o autor já não mais detinha a qualidade de segurado, por ter sido expirado o "período de graça" de seis meses previsto no artigo 15, VI, da Lei n. 8.213/1991 após a cessação do último recolhimento que antecedeu a data de início da incapacidade, qual seja, a de 7/2018.
Operou-se, portanto, a caducidade dos direitos inerentes à qualidade de segurado da parte autora, nos termos do disposto no artigo 102 da Lei n. 8.213/1991.
Registre-se não ser possível a extensão do período de graça previsto no §1º do artigo 15 da Lei n. 8.213/1991, pois o autor não possui mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais ininterruptas, sem perda da qualidade de segurado.
Ademais, conforme ainda consignado pelo douto Magistrado a quo, grande parte recolhimentos efetuados pelo autor não foram validados/homologados pelo INSS, havendo indicadores de pendência "IREC-FBR-IND - Recolhimento facultativo baixa renda indeferido/inválido".
A opção de contribuição como segurado facultativo pertencente à família de baixa renda, no percentual reduzido de 5%, depende da comprovação dos seguintes requisitos: a) que o segurado não possua renda própria; b) que o segurado se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência; c) que o segurado pertença a família de baixa renda, assim considerado aquele cuja família esteja inscrita no Cadastro único para Programas Sociais do Governo Federal CadÚnico, cuja renda mensal seja de até dois salários mínimos (artigo 21, § 4º, da Lei n. 8.212/1991).
No caso dos autos, não houve a comprovação do preenchimento dos requisitos legais.
Dessa forma, é inviável a concessão dos benefícios pleiteados, sendo impositiva a manutenção da sentença.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.