A Juíza Federal Convocada Dinamene Nascimento Nunes (Relatora):
Trata-se de apelação interposta em ação objetivando o reconhecimento de tempo especial de trabalho para fins previdenciários. A r. sentença julgou parcialmente procedente os pedidos para (1) reconhecer a especialidade de alguns períodos e (2) determinar sua averbação. Apelou o INSS sustentando a improcedência dos pedidos e a parte autora pugnando pela concessão do benefício de aposentadoria especial.
Não assiste razão à autarquia federal.
Conforme cópia da CTPS, verifica-se que a primeira atividade especial exercida pelo autor foi a de trabalhador rural. Tratando-se de atividade agropecuária, a contagem especial deve ser reconhecida, considerando sua previsão no código 2.2.1 do Decreto 53.831/1964, cabendo o reconhecimento da especialidade dos períodos de 26/08/1985 a 31/12/1985 e de 06/05/1986 a 11/09/1988, nos termos do enquadramento por categoria profissional.
Quanto ao exercício pelo autor das funções de soldador, o reconhecimento da especialidade laboral encontra amparo legal na regulamentação vigente à época. O item 2.5.2 do quadro anexo ao Decreto 53.831/1964 reconhece como especiais as categorias de trabalhadores nas indústrias metalúrgicas de vidro, de cerâmica e de plásticos-fundidores, laminadores, moldadores, refiladores e forjadores.
Da mesma forma, o item 2.5.1 do Anexo II do Decreto 83.080/1979 reconhece a especialidade para trabalhadores das indústrias metalúrgicas e mecânicas, incluindo fundidores, soldadores e outros profissionais que atuam em aciarias, fundições de ferro e metais não ferrosos.
A atividade como soldador equipara-se às dos trabalhadores de indústrias metalúrgicas e mecânicas e, por conseguinte, enquadra-se como especial com base no Anexo II, código 2.5.1 do Decreto 83.080/1979, cabendo a manutenção do dever do INSS de computar como atividade especial os períodos em que o autor laborou nessas funções.
Quanto à exposição ao agente nocivo ruído, a comprovação demanda avaliação técnica para aferir o nível em relação aos limites de tolerância estabelecidos nos diversos períodos. O Quadro Anexo do Decreto 53.831/1964, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Na vigência do Decreto 2.172/1997 e do Decreto 3.048/1999, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB. A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto 3.048/1999, Anexo IV, introduzida pelo Decreto 4.882/2003, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
A apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, considerando que a evolução tecnológica tende a reduzir as condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Quanto ao argumento sobre a metodologia utilizada, a legislação pertinente não exige que a nocividade do ambiente de trabalho seja aferida a partir de uma determinada metodologia específica. O artigo 58, §1º, da Lei 8.213/1991 exige que a comprovação do tempo especial seja feita por formulário, ancorado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual pode se basear em qualquer metodologia científica.
Não tendo a lei determinado que a aferição somente poderia ser feita por meio de uma metodologia específica, não se pode deixar de reconhecer o labor especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada em Instrução Normativa do INSS, pois isso representaria uma extrapolação do poder regulamentar da autarquia. Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal: ApCiv 5556028-30.2019.4.03.9999, Rel. Des. Fed. PAULO SERGIO DOMINGUES, DJe 03/11/2020.
Ressalta-se o entendimento vinculante da Corte Superior, que considera exigível o critério do Nível de Exposição Normalizado (NEN) para os casos de trabalho sujeito a ruído variável a partir da edição do Decreto 4.882/2003. Considerando que a documentação técnica aponta ruído não variável, desnecessária a observância obrigatória do método NEN.
Relativamente ao uso de EPI (equipamento de proteção individual), a desqualificação da especialidade dos períodos em decorrência de sua utilização requer prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não afastam o cômputo diferenciado.
Cabe ressaltar que a tese consagrada pelo STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais. Nesse sentido o entendimento deste Tribunal: AC 943.673, Rel. Hong Kou Hen, DJe 07/05/2008.
Tendo o autor comprovado que esteve exposto ao agente nocivo ruído acima dos limites legais em 06/05/1986 a 11/09/1988, 13/06/1989 a 16/09/1991, 21/11/1994 a 07/03/1995, 13/03/1999 a 07/06/2004, 11/05/2005 a 22/11/2007 e 03/03/2008 a 16/12/2009, cabe a reforma da sentença para o reconhecimento desses períodos de tempo de atividade especial.
Este Tribunal também tem considerado especial o labor desempenhado de forma habitual e permanente com exposição a agentes químicos, especificamente quanto aos agentes hidrocarbonetos e derivados e outros tóxicos inorgânicos, mediante análise meramente qualitativa, prescindindo de quantificação da concentração da substância para caracterização da especialidade da atividade, bastando a comprovação do contato físico com o agente nocivo durante o labor, com base no item 1.2.11 do Quadro do Decreto 53.831/1964; nos itens 1.2.10 e 1.2.11 do Anexo I do Decreto 83.080/1979 e do Anexo IV, do Decreto 3.048/1999.
Da mesma forma, tem considerado qualitativa a análise quanto a poeiras minerais (item 1.2.10 do Decreto 53.831/1964, item 1.2.12 do Quadro I, do Decreto 83.080/1979, e do Anexo IV do Decreto 3.048/1999), fumos metálicos (item 1.2.9 do Decreto 53.831/1964), óleos minerais, óleo solúvel, fluido de corte, querosene, óleo sintético, desengraxante e óleo lubrificante, o que permitiria o enquadramento especial do período nos itens 1.2.10, anexo I, do Decreto 83.080/1979, 13, anexo II, do Decreto 2.172, e XIII, anexo II, do Decreto 3.048/1999.
Importante destacar que no caso concreto o autor esteve exposto a agentes químicos durante todos os períodos em que laborou como soldador.
Assim, diferentemente do entendimento do Juízo de origem, cabe o reconhecimento do período especial postulado na exordial em relação aos períodos em que o autor esteve exposto aos supracitados agentes, conforme a jurisprudência deste Tribunal: ApCiv 5002268-09.2021.4.03.6103, Rel. Des. Fed. MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, DJe 02/10/2024; ApCiv 5000919-44.2021.4.03.6111, Rel. Des. Fed. MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, DJe 30/04/2024.
Por sua vez, assiste razão ao autor.
A aposentadoria especial foi originalmente prevista no artigo 31 da Lei 3.807/1960, sendo concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 anos de idade e 15 anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos. O artigo 162 do mesmo diploma previu o reconhecimento de atividade especial prestada anteriormente à sua edição, quando mais benéfico ao segurado.
A Lei 5.890/1973 disciplinou a matéria em seu artigo 9º, alterando apenas o período de carência de 15 para 5 anos de contribuição. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a aposentadoria especial passou a ser disciplinada no artigo 57 da Lei 8.213/1991, sendo devida ao segurado que trabalhasse durante 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais prejudiciais à saúde ou integridade física, assegurada a conversão em tempo de contribuição comum.
No caso em análise, verifica-se que o autor preencheu os requisitos para concessão do benefício de aposentadoria especial antes da entrada em vigor da EC 103/2019, sendo necessário que seja comprovado o tempo de atividade especial e a carência mínima de 180 meses.
Foram juntados nos autos cópia da CTPS, CNIS, e PPP, restando comprovados os seguintes períodos de tempo de atividade especial: 26/08/1985 a 31/12/1985, 06/05/1986 a 11/09/1988, 13/06/1989 a 16/09/1991, 01/11/1991 a 09/02/1993, 21/11/1994 a 07/03/1995, 15/03/1995 a 12/07/1995, 13/03/1999 a 07/06/2004, 01/11/2004 a 07/05/2005, 11/05/2005 a 22/11/2007 03/03/2008 a 16/12/2009 e 20/12/2011 a 25/08/2017.
Logo, verifica-se que na data da DER em 25/08/2017 o autor comprovou que tem direito ao benefício de aposentadoria especial, com fundamento no artigo 57 da Lei 8.213/1991, pois (i) cumpriu o requisito tempo especial com mais de 20 anos e (ii) cumpriu o requisito carência com mais de 180 meses.
Nesse caso é necessária a reforma da sentença para o reconhecimento dos períodos especiais supracitados e para concessão da aposentadoria especial desde a data da DER em 25/08/2017.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Os honorários advocatícios, a cargo do INSS, fixados em 10% do valor da condenação, excluídas as prestações vencidas após a prolação, nos termos da Súmula 111 e do Tema 1105, ambos do STJ.
Considerado o trabalho adicional realizado pelo advogado em decorrência da interposição da apelação, os honorários advocatícios a cargo do INSS, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1%, nos termos do artigo 85, §11, do CPC, observados os termos da Súmula 111 e o decidido no Tema 1105, ambos do STJ.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou provimento à apelação do autor para reforma da sentença nos termos supracitados.
É como voto.