A Juíza Federal Convocada Dinamene Nascimento Nunes (Relatora):
A aposentadoria por tempo de contribuição, conforme regulamentação anterior à EC 103/2019 e ao Decreto 10.410/2020, exige a comprovação de carência de 180 contribuições mensais (antiga redação do artigo 25, II, da Lei 8.213/1991), e 35 anos de contribuição, se homem, ou 30 anos de contribuição, se mulher, conforme redação anterior dos artigos 201, § 7º, I, da CF, e 56 do Decreto 3.048/1999.
A controvérsia restringe-se ao cômputo: (1) do exercício de trabalho rural entre 18/08/1974 e 30/04/1982; (2) possibilidade de cômputo, para fins de aposentadoria, do período de trabalho rural sem contribuições, anterior à Lei 8.213/1991; e (3) suficiência dos PPPs apresentados para o reconhecimento do trabalho especial.
Para prova do tempo de serviço rural, o autor apresentou:
1 - Extratos de IPTR, em nome do pai, referente aos anos de 1969, 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1976, 1979, 1982 (ID 266830822, f. 76; ID 266830823, f. 1, 3-9, 12, 14);
2 - Nota fiscal de produtor, em nome do pai, emitida em 1972 (ID 266830823, f. 2);
3 - Recibo das taxas de conservação da estrada, em nome do pai, referentes ao imóvel Chácara Monteiro, nos anos de 1978, 1979 (ID 266830823, f. 10-11); e
4- Registro de aquisição de imóvel rural pelo pai em 11/05/1981, constando a profissão de lavrador e a doação aos filhos em 31/05/1999 (ID 266830823, f. 13).
Os documentos de terceiro são aptos a constituir início de prova material, porém, demandam prova testemunhal idônea e robusta apta a ampliar sua eficácia probatória, conforme o entendimento do C. STJ:
AgInt no AREsp 1.939.810/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 11/4/2022: A jurisprudência deste Superior Tribunal admite como início de prova material, para fins de comprovação de atividade rural, certidões de casamento e nascimento dos filhos, nas quais conste a qualificação como lavrador e, ainda, contrato de parceria agrícola em nome do segurado, desde que o exercício da atividade rural seja corroborado por idônea e robusta prova testemunhal.
TRF-3, 7ª Turma, ApCiv. 5140577-93.2020.4.03.9999, Dje 01/07/2020, Rel. Des. Fed. INÊS VIRGÍNIA: "(...) consoante entendimento desta Eg. Sétima Turma, admite-se a extensão da qualificação de lavrador em documento de terceiro - familiar próximo - quando se tratar de agricultura de subsistência, em regime de economia familiar".
Os depoimentos das testemunhas, com efetivo potencial para ampliar a eficácia probatória da prova documental, confirmaram o exercício de atividade rural pelo requerente no período pleiteado.
As testemunhas eram vizinhos, que declararam conhecer o autor desde 1967 e 1974, afirmando que ele e a família moravam e trabalhavam na Chácara Monteiro, onde plantavam milho, feijão, arroz, mandioca, abóbora, amendoim e criavam porcos e galinhas. Segundo narraram, à época, o trabalho do autor era exclusivamente na roça, ajudando na plantação, na colheita e no cuidado com os animais, até quando completou aproximadamente 20 (vinte) anos de idade.
Está comprovado o labor rural no caso.
O pedido do autor para cômputo do período de trabalho rural para fins de aposentadoria, independente da respectiva contribuição, comporta acolhimento, pois o período em questão é anterior à vigência da Lei 8.213/1991, conforme o artigo 55, § 2º, da referida Lei:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
Quanto à alegação de prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a prescrição não corre durante o trâmite do processo administrativo, e, uma vez ajuizada a ação dentro de cinco anos contados do encerramento do referido processo, não se configura a prescrição quinquenal. Nesse sentido, AgRg no REsp 1436219/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/06/2014:
Considerando que a prescrição não corre durante o curso do processo administrativo e que a ação foi ajuizada dentro do prazo de 5 anos contado do seu término, não há que se falar em ocorrência de prescrição quinquenal, nos termos do art. 103, § único, da Lei n° 8.213/91.
No tocante ao período de contribuição especial, as provas apresentadas para a comprovação do período de atividade especial foram:
1 - PPP emitido pelo Frigorífico Margen LTDA, referente ao período de 19/11/2002 a 25/01/2006, indicando exposição aos fatores de risco: ruído; calor; frio; umidade excessiva; sangue, fezes e ossos bovinos; poeiras, fumaças, vapores, gases, peróxido de hidrogênio e cal virgem; ferramentas cortantes, quedas, situações de risco, choque elétrico e acidentes; e controle rígido e posturas inadequadas (ID 266830822, f. 69-72); e
2 - PPP emitido pela Minerva Foods, referente ao período de 15/02/2006 a 01/09/2010, indicando exposição aos fatores de risco: ruído e calor (ID 266830822, f. 73-74).
A despeito das alegações do INSS para o não enquadramento do tempo especial, os documentos apresentados comprovam inequivocamente a exposição a ruídos, fator de risco enquadrado nos códigos 1.1.6, Anexo do Decreto 53.831/1964, 2.0.1, Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e 2.0.1, Anexo IV do Decreto 3.048/1999, com redação dada pelo Decreto 4.882/2003.
O Quadro Anexo do Decreto 53.831/1964, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Na vigência do Decreto 2.172/1997 e do Decreto 3.048/1999, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB. A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto 3.048/1999, Anexo IV, introduzida pelo Decreto 4.882/2003, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
No caso concreto, os PPPs apresentados comprovaram que o autor esteve exposto ao ruído acima dos limites legais nos períodos analisados, a medição quantitativa apurou ruídos de 83,6 dB até 95dB no Frigorífico Margen (ID 266830822, f. 70) e superiores a 90 dB na Minerva Foods (ID 266830822, f. 73).
Quanto ao argumento de que se não observou a metodologia correta, verifica-se que a legislação pertinente não exige que a nocividade do ambiente de trabalho seja aferida a partir de uma determinada metodologia.
O artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/1991, exige que a comprovação do tempo especial seja feita por formulário, ancorado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual pode se basear em qualquer metodologia científica.
Não tendo a lei determinado que a aferição somente poderia ser feita por meio de uma metodologia específica, não se pode deixar de reconhecer o labor especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada em Instrução Normativa do INSS, pois isso representaria uma extrapolação do poder regulamentar da autarquia.
Nesse sentido, a jurisprudência específica da Sétima Turma: TRF3, ApCiv 5556028-30.2019.4.03.9999, j. 22/10/2020, e - DJF3: 03/11/2020, Rel. Des. Fed. PAULO SERGIO DOMINGUES.
Por fim, e a teor do entendimento vinculante da Corte Superior, é exigível o critério do Nível de Exposição Normalizado (NEN) para os casos de trabalho sujeito a ruído variável a partir da edição do Decreto 4.882/2003, em 19/11/2003. A tese repetitiva restou assim sintetizada:
Tema 1083: O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.
Assim, no período de 19/11/2002 a 19/11/2003, anterior à edição do Decreto 4.882/2003 não há que se pretender a observância obrigatória do método NEN, sendo possível a adoção do critério do nível máximo de ruído, qual seja, 80,6 dB(A), enquadrado no código 1.1.6, Anexo do Decreto Federal 53.831/1964. Já no período entre 20/11/2003 e 25/01/2006, adota-se como critério ruído máximo verificado, no caso 95 dB, pois comprovada a habitualidade e permanência à exposição desse fator de risco.
No período de 15/02/2006 a 01/09/2010, a documentação técnica aponta ruído não variável, razão por que desnecessária a observância obrigatória do método NEN.
Ressalto que a ausência de comprovação dos poderes específicos outorgados por procuração, por si só, não macula a validade dos documentos apresentados, inexistindo, pois, qualquer prejuízo capaz de abalar o reconhecimento dos agentes nocivos atestados (TRF3, ApelRemNec - 0004684-32.2013.4.03.6130, j. 13/06/2020, e - DJF3: 17/06/2020, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO).
Ainda, os PPPs foram devidamente assinados por médico e engenheiro do trabalho, com indicação do registro de classe, em conformidade com o artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/1991.
Quanto à alegada necessidade de remessa oficial, ainda que não seja possível aferir, de plano, o valor exato da condenação, considerando o termo inicial do benefício (06/11/2018) e a data da prolação da r. sentença (16/02/2022), mesmo que a renda mensal inicial do benefício seja fixada no teto da Previdência Social, o valor total da condenação, incluindo correção monetária, juros de mora e verba honorária, será inferior a 1.000 salários-mínimos, não sendo cabível o reexame necessário à luz do artigo 496, § 3º, I, do CPC (ApCiv 5010118-05.2020.4.03.6183, Rel. Des. Fed. JEAN MARCOS FERREIRA, DJEN 12/08/2025).
Deixo de enfrentar os demais argumentos deduzidos pela autarquia pois, os fundamentos expostos são suficientes para a solução da controvérsia e análise das demais alegações recursais não seria capaz de infirmar a conclusão ora adotada. Nesse sentido a jurisprudência do C. STJ:
AgInt no AREsp n. 1.382.885/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 26/4/2021, DJe de 29/4/2021: (...) Conforme entendimento pacífico desta Corte "o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão". A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 confirma a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, "sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida". [EDcl no MS 21.315/DF, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 8/6/2016, DJe 15/6/2016.]
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou provimento à apelação do autor.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, inclusive honorários periciais (Resolução CJF 541 e 558/2007), além de reembolsar custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, ante a gratuidade processual concedida (artigo 4º, I e parágrafo único, da Lei 9.289/1996, artigo 24-A da Lei 9.028/1995, n.r., e artigo 8º, § 1º, da Lei 8.620/1993).
Considerando o trabalho adicional realizado pelos advogados em decorrência da interposição da apelação, os honorários advocatícios, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1% (um por cento) sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, observada a Súmula 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do STJ.
É o voto.