
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5069023-69.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA ROSA PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5069023-69.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA ROSA PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Q U E S T Ã O DE O R D E M
R E L A T Ó R I O
Com fundamento no artigo 33, III, do Regimento Interno desta Corte, proponho questão de ordem com o propósito de anular o julgamento proferido na sessão de 20/3/2024, por ser incompatível com a hipótese verificada nos autos, e submeter a esta Nona Turma o voto que, de fato, corresponde ao caso dos autos.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5069023-69.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA ROSA PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
Q U E S T Ã O D E O R D E M
V O T O
Efetivamente, o julgamento desta Nona Turma, proferido na sessão de 20/3/2024, apreciou e acolheu a preliminar de apelação interposta pela parte autora (ID 7978417) em face de sentença de improcedência proferida sem a produção da prova oral requerida.
Ocorre que essa apelação já havia sido apreciada por esta Nona Turma, na sessão de 20/2/2019, ocasião em que houve anulação da sentença para reabertura da instrução processual e prolação de novo julgamento em Primeiro Grau.
Nessa esteira, de fato, remanesce pendente de apreciação a apelação (ID 162938224) interposta em face da nova sentença de improcedência (ID 162938220), prolatada em 5/12/2019 - depois de colhida a prova oral determinada no anterior julgamento desta Corte.
Como se nota, em evidente erro material, foi proferido julgamento incompatível com a atual hipótese submetida a apreciação desta Corte, o qual não pode subsistir.
Nessa esteira, suscito questão de ordem para anular o acórdão emanado da sessão de 20/3/2024.
Na sequência, passo a apreciar a situação dos autos.
Em síntese, nas razões recursais, alega a parte autora o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de benefício pretendido, mormente diante da comprovação do exercício de atividades rurais até o advento da incapacidade laboral apontada na perícia médica judicial.
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade laboral.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019):
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.
Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será pago enquanto perdurar esta condição.
Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas, mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128).
São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Contudo, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.
Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.
Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.
Especificamente quanto aos rurícolas, a legislação sofreu longa evolução, refletida em inúmeros diplomas normativos a versar sobre a matéria, de modo que se faz mister destacar alguns aspectos pertinentes a essa movimentação legislativa, para, assim, deixar claros os fundamentos do acolhimento ou rejeição do pedido.
Pois bem. Embora a primeira previsão legislativa de concessão de benefícios previdenciários ao trabalhador rural estivesse consubstanciada no Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214/63), que criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL) com essa finalidade, somente depois da edição da Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971, passaram alguns desses benefícios, de fato, entre os quais o de aposentadoria por invalidez, a ser efetivamente concedidos, muito embora limitados a um determinado percentual do salário mínimo.
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, o artigo 3º da Lei n. 7.604, de 26 de maio de 1987, incluiu o auxílio-doença no Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL.
Na época, não se perquiria sobre a qualidade de segurado, nem sobre o recolhimento de contribuições, por possuírem os benefícios previstos na Lei Complementar n. 11/1971, relativa ao FUNRURAL, caráter assistencial.
Somente a Constituição Federal de 1988 poria fim à discrepância de regimes entre a Previdência Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991.
Assim, a concessão dos benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribuna de Justiça (STJ) e desta Corte: STJ – AR 4041/SP – Proc. 2008/0179925-1, Rel, Ministro Jorge Mussi – Dje 05/10/2018; AREsp 1538882/RS – Proc. 2019/0199322-6, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2019; Ap.Civ. 6072016-34.2019.4.03.9999, 9ª Turma, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial – 02/03/2020; Ap.Civ. 5923573-44.2019.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfírio – Publ. 13/03/2020).
Cabe destacar, ainda, o fato de que o pescador artesanal está equiparado ao trabalhador rural para efeitos previdenciários, consoante artigo 11 da Lei n. 8.213/1991.
A comprovação do exercício da atividade rural – e da atividade de pescador artesanal - deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
No caso dos autos, o requisito da incapacidade laboral da autora foi comprovado por meio de perícia médica judicial realizada em 18/1/2017.
De acordo com o laudo pericial, a autora (nascida em 1966, com ensino fundamental incompleto) está total e temporariamente incapacitada para o trabalho, em razão de quadro de “Hipertensão essencial (primária) e Espondilose lombo-sacra”.
Em laudo complementar, o perito fixou a data de início da incapacidade (DII) em agosto de 2016.
Nesse cenário, cabe averiguar, entretanto, o exercício de atividades rurais nos doze meses que antecedem o início da incapacidade laboral da autora.
Na peça inaugural, a autora alega que sempre exerceu suas atividades laborativas no campo na função de trabalhadora rural, como boia-fria/diarista, porém sem registro em Carteira de Trabalho e de Previdência Social (CTPS), até ficar incapacitada para o trabalho.
A parte autora apresentou, para fins de comprovação do exercício informal de atividades rurais como diarista: (i) a cópia de sua CTPS, com registros de vínculos trabalhistas rurais de 8/1987 a 1/1988; (ii) certidão eleitoral de 21/5/2015, na qual a autora está qualificada como agricultora.
Ocorre que os vínculos trabalhistas são muito antigos e a certidão eleitoral, embora anote a ocupação da autora de agricultor, não serve para tanto, pois os servidores da Justiça Eleitoral não diligenciam para aferir a veracidade do ali informado. Tudo é que consta do documento o cunho meramente declaratório da informação a respeito da profissão. Ora! Admitir tal certidão como início de prova material implicaria aceitar a criação pela parte de documento, metamorfoseando declaração sua em prova documental, o que, lamentavelmente, abriria ensejo à má-fé.
Além disso, não há outros elementos de convicção, em nome da autora, capazes de estabelecer liame entre o ofício rural alegado e a forma de sua ocorrência, mormente nos doze meses que antecedem o início da incapacidade laboral apontado na perícia, pois o início de prova material é assaz antigo.
Por seu turno, a prova oral, produzida em audiência de 15/12/2019, é bastante frágil. As testemunhas Maria Denir Fermino e Ademir Vieira de Goes reportaram-se genericamente ao trabalho da autora na lavoura até a alegada incapacidade para o trabalho, mas não delimitaram períodos, a frequência e os locais nos quais parte autora teria laborado.
Os depoimentos colhidos foram muito vagos em termos de cronicidade, não sabendo os respectivos locais e exatos períodos ou anos dos serviços prestados.
A prova da atividade rural da parte autora até o advento da incapacidade não está, portanto, comprovada a contento, porque fincada exclusivamente em prova vaga, já que o início de prova material é precário e assaz antigo.
Assim, joeirado o conjunto probatório, entendo não ter sido demonstrada a faina campesina pelo período de doze meses que antecedem a incapacidade laboral, ficando inviabilizada a procedência do pedido deduzido na inicial.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, suscito esta questão de ordem para anular o acórdão proferido na sessão de 20/3/2024 e, em novo julgamento, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
QUESTÃO DE ORDEM. ERRO MATERIAL. ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO. NOVO JULGAMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. NÃO COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL ATÉ O ADVENTO DA INCAPACIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
- Constatado erro material no julgamento, o qual é incompatível com a atual hipótese submetida a apreciação desta Corte, impõe-se a sua anulação.
- São requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por incapacidade permanente) ou a incapacidade temporária (auxílio por incapacidade temporária), bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- A concessão do benefício por incapacidade laboral para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desta Corte.
- A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
- Não comprovada a qualidade de segurado rural até o advento da incapacidade laboral, por meio de início de prova material, não é possível a concessão do benefício pleiteado.
- Mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Questão de ordem acolhida para anular o acórdão proferido na sessão de 20/3/2024 e, em novo julgamento, negar provimento à apelação da parte autora.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
