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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. TRF4. 5000931-20.2022.4.04.7138

Data da publicação: 03/05/2024, 11:01:29

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. 1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas. 2. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos dos artigos 54 e 49, inciso II, da Lei 8.213/1991, bem como efetuar o pagamento das parcelas vencidas desde então. 3. Hipótese em que a parte autora não comprovou o labor rural em regime de economia familiar. 4. Apelação que se nega provimento. (TRF4, AC 5000931-20.2022.4.04.7138, SEXTA TURMA, Relator ADRIANE BATTISTI, juntado aos autos em 26/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000931-20.2022.4.04.7138/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

APELANTE: ANELISE DINEBIER (AUTOR)

ADVOGADO(A): DANIEL TICIAN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

ANELISE DINEBIER propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, em 13/09/2022 (evento 1, INIC1), postulando a concessão do benefício previdenciário por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, formulado em 23/12/2020, mediante a averbação de período de labor rural, exercido em regime de economia familiar, compreendido entre 08/10/1974 a 27/11/1982. Requereu a condenação do INSS em danos morais.

Em 14/06/2023 sobreveio sentença (evento 32, SENT1) que julgou o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:

Dispositivo

Considerando o contido no corpo desta decisão, no mérito, julgo improcedentes os pedidos, nos termos do artigo 487, I, do CPC.

Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 38, APELAÇÃO1), postulando a reforma da sentença. Arguiu cerceamento de defesa. No mérito, afirma ter apresentado início razoável de prova material do labor rural, em regime de economia familiar. Explica que, embora os genitores tenham se ausentado da lida rurícola por curtos períodos, a fim de gerar uma renda secundária e apenas complementar à lide rural, a apelante permaneceu trabalhando no campo, uma vez que tal atividade era essencial para o sustento do grupo familiar. Junta notas fiscais de comercialização da produção em nome do genitor e pede o acolhimento das razões recursais.

Com contrarrazões ao recurso (evento 41, CONTRAZ1), vieram os autos a este Tribunal para julgamento.

VOTO

Legislação Aplicável

Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.

Recebimento do recurso

Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.

Remessa oficial

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Corte Especial, julgado em 4/11/2009, DJe 3/12/2009).

No caso em exame, tendo em vista a improcedência do feito, nos termos do artigo 487, I, do CPC, a sentença proferida não está sujeita à sistemática do reexame necessário, por não se adequar ao disposto nos termos do artigo 496, do Código de Processo Civil.

Delimitação da demanda

No caso em apreço, a controvérsia fica limitada à comprovação do exercício do labor rural, em regime de economia familiar, no período de 08/10/1974 a 27/11/1982, considerando os vínculos urbanos dos genitores da parte autora.

Cerceamento de Defesa

A parte autora postula, em suas razões recursais, a reabertura da instrução processual diante do cerceamento de defesa ao não ser realizada a audiência de instrução e julgamento. Pede assim, que seja anulada a sentença com a consequente remessa dos autos à vara de origem para reabertura da instrução, determinando-se a produção da prova testemunhal.

Pois bem, verifico que, embora não produzida prova testemunhal, houve juntada aos autos Autodeclaração do Segurado Especial (evento 7, OUT3 e evento 14, DECL2), a qual foi considerada válida pela sentença.

No ponto, cumpre observar que, em face da alteração legislativa introduzida pela MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, que modificou os artigos 106 e 55, § 3º, da Lei n8.213/91, e acrescentou os artigos 38-A e 38-B, a comprovação da atividade do segurado especial pode ser feita por meio de autodeclaração, corroborada por documentos que se constituam em início de prova material de atividade rural, ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do artigo 13 da Lei 12.188, de 11/01/2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento.

Dispõem os artigos 38-A, 38-B, 55, §3º, e 106 da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846, de 18/06/2019:

Art. 38-A O Ministério da Economia manterá sistema de cadastro dos segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), observado o disposto nos §§ 4º e 5º do art. 17 desta Lei, e poderá firmar acordo de cooperação com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com outros órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal para a manutenção e a gestão do sistema de cadastro.

§ 1º O sistema de que trata o caput deste artigo preverá a manutenção e a atualização anual do cadastro e conterá as informações necessárias à caracterização da condição de segurado especial, nos termos do disposto no regulamento.

§ 2º Da aplicação do disposto neste artigo não poderá resultar nenhum ônus para os segurados, sem prejuízo do disposto no § 4º deste artigo.

§ 3º O INSS, no ato de habilitação ou de concessão de benefício, deverá verificar a condição de segurado especial e, se for o caso, o pagamento da contribuição previdenciária, nos termos da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, considerando, dentre outros, o que consta do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) de que trata o art. 29-A desta Lei.

§ 4º A atualização anual de que trata o § 1º deste artigo será feita até 30 de junho do ano subsequente.

§ 5º É vedada a atualização de que trata o § 1º deste artigo após o prazo de 5 (cinco) anos, contado da data estabelecida no § 4º deste artigo.

§ 6º Decorrido o prazo de 5 (cinco) anos de que trata o § 5º deste artigo, o segurado especial só poderá computar o período de trabalho rural se efetuados em época própria a comercialização da produção e o recolhimento da contribuição prevista no art. 25 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

Art. 38-B. O INSS utilizará as informações constantes do cadastro de que trata o art. 38-A para fins de comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar.

§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei.

§ 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento.

§ 3º Até 1º de janeiro de 2025, o cadastro de que trata o art. 38-A poderá ser realizado, atualizado e corrigido, sem prejuízo do prazo de que trata o § 1º deste artigo e da regra permanente prevista nos §§ 4º e 5º do art. 38-A desta Lei.

§ 4º Na hipótese de divergência de informações entre o cadastro e outras bases de dados, para fins de reconhecimento do direito ao benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106 desta Lei.

§ 5º O cadastro e os prazos de que tratam este artigo e o art. 38-A desta Lei deverão ser amplamente divulgados por todos os meios de comunicação cabíveis para que todos os cidadãos tenham acesso à informação sobre a existência do referido cadastro e a obrigatoriedade de registro.

Art. 55. (...)

(...)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.

(...)

Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros:

I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;

II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;

III - (revogado);

IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;

IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por documento que a substitua;

V – bloco de notas do produtor rural;

VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;

VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;

VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;

IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou

X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.

Desse modo, considero desnecessária a reabertura da instrução para colheita de prova testemunhal, motivo pelo qual afasto a preliminar aventada e julgo improcedente a apelação da parte autora, no tópico.

Atividade rural

Para a comprovação do tempo de atividade rural com vista à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal (artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91 e Súmula 149 do STJ).

A respeito do assunto, encontra-se longe de mais alguma discussão, no âmbito dos tribunais, a necessidade de que o período de tempo de atividade seja evidenciado por documentos que informem, a cada ano civil, o seu exercício (TRF4: AC 2003.04.01.009616-5, 3ª Seção, Relator Desembargador Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 19/11/2009; EAC 2002.04.01.025744-2, 3ª Seção, Relator para o Acórdão Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14/6/2007; EAC 2000.04.01.031228-6, 3ª Seção, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU 9/11/2005). Também já está fora de qualquer dúvida, a possibilidade de que os documentos civis, como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, em que consta a qualificação, como agricultor, do autor da ação, assim como de seu cônjuge ou de seus pais (Súmula 73 deste Tribunal), constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 26/2/2007; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. 20/5/2008; AMS 2005.70.01.002060-3, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, DJ 31/5/2006).

A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, a existência de registro contemporâneo em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, em tese, não haveria necessidade de inquirir testemunhas para a comprovação do período registrado.

Na maioria dos casos, porém, a documentação apresentada é insuficiente à comprovação do tempo de atividade rural, do que resulta a habitual complementação por meio do depoimento de testemunhas.

Em razão disso, a qualidade do início de prova material não pode ser isoladamente avaliada sem que seja compreendido o contexto probatório, a que se aduz, em regra, a produção da prova oral. Decorre dessa orientação, que a diversidade de documentos que podem constituir início de prova material impõe conclusões judiciais igualmente distintas, sem que para tanto deva existam premissas invariáveis como, aparentemente, poderia constituir a obrigatoriedade de presença nos autos de documentos relacionados ao começo do período a ser comprovado, ou, ainda, a retroação da eficácia temporal, de modo fixo, a um número restrito de anos.

A irradiação temporal dos efeitos do início de prova material dependerá do tipo de documento, das informações nele contidas (havendo distinções conforme digam respeito ao próprio autor da ação, ou a terceiros) e das circunstâncias que envolvem o quadro fático descrito no processo.

Registre-se que os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando relacionados à respectiva titularidade dos pais ou do cônjuge, consubstanciam admitido início de prova material do trabalho rural.

Com efeito, como o artigo 11, §1º, da Lei 8.213/1991, define regime de economia familiar como a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, deverá ser cauteloso o exame da prova, na medida em que, no mais das vezes, os atos negociais do grupo parental são formalizados, não individualmente, mas em nome do pai da família ou cônjuge masculino, que naturalmente representa a todos.

Essa compreensão está sintetizada na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

Por fim, a respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA. 1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. 4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados. 6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.

No referido julgamento, o STJ manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, havendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.

Conquanto o acórdão acima transcrito aprecie benefício diverso do postulado na presente demanda, as diretrizes fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao início de prova material também devem ser observadas para os casos de cômputo de tempo rural como boia-fria para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

Registro ainda, que não há que se falar em recolhimento de contribuições para tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, pois há expressa determinação legal nesse sentido - art. 55, § 2º da LOPS:

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

Por outro lado, a partir de 1/11/1991, ainda que comprovado o labor agrícola, não é possível a contagem do período para fins de concessão de benefício de aposentadoria por tempo de serviço sem que haja, antes, o recolhimento das contribuições devidas.

É que com o advento da Lei 8.213/1991, passaram os trabalhadores rurais, nos termos do artigo 11, inciso VII, a serem considerados segurados obrigatórios do RGPS. Em razão disso, passaram a possuir os mesmos direitos de qualquer segurado obrigatório, assim como as mesmas obrigações, ou seja, é imprescindível a contribuição a partir da data de entrada em vigor da referida lei.

Assim, a partir de 1/11/1991 a inclusão do período ora reconhecido para o fim de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição fica condicionado à comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias ou a respectiva indenização, fato inocorrente nestes autos, nos termos do artigo 55, §2º, da Lei 8.213/1991 c/c artigo 45, §§ 1º, 2º e 4º, da Lei 8.212/1991 e artigo 15, II, da IN 45/2010, caso em que poderá o autor pleitear nova concessão/revisão a fim de que este interregno seja também computado como tempo de serviço. Neste sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO/SERVIÇO. ATIVIDADE RURAL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NECESSIDADE PARA EFEITO DE CARÊNCIA. 1. Não se tratando de contagem recíproca, a qual diz com o aproveitamento de tempo laborado em um regime de previdência para obtenção de benefício em regime diverso, o art. 55, § 2º., da LBPS permite o cômputo do tempo de serviço rural independentemente de aporte contributivo à Previdência, desde que tenha sido exercido anteriormente à vigência da Lei ou, mais especificamente, em época precedente à competência novembro de 1991, forte no art. 192 do Dec. n. 357/91, repetido nos posteriores Regulamentos da Previdência Social, em obediência ao art. 195, § 6º., da Carta Magna. (TRF4, AC 2009.72.99.000390-3, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 20/05/2010).

Caso concreto

A parte autora nasceu em 08/10/1964 e na presente demanda buscou o reconhecimento do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, no período compreendido entre 08/10/1974 a 27/11/1982, ou seja, a partir dos 10 anos de idade.

A sentença afastou a possibilidade de averbação do referido interregno ao entendimento de que não houve comprovação do labor da autora enquanto menor de idade, assim como eventual atividade rural desempenhada não era essencial ao sustento do grupo familiar, diante dos vínculos urbanos dos pais da parte autora.

Transcrevo trechos relevantes da decisão em análise (evento 32, SENT1):

"Pois bem.​

Da análise ao conjunto probatório, verifico ser inviável o reconhecimento da atividade rural em regime de economia familiar do período de 08/10/1974 a 07/10/1976.

Não se desconhece que os tribunais superiores reconhecem, em tese, a possibilidade de contagem de tempo de serviço de trabalhador menor de 12 anos de idade, tendo em vista que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do menor, e não para prejudicá-lo. Nesse ponto, cabe observar que, com a Constituição Federal de 1967, proibiu-se o trabalho de menores de 12 anos, conforme o art. 158, X.

Todavia, tal hipótese é excepcional, com exigência de prova robusta do efetivo exercício da atividade. Em que pese ser notório que o trabalhador que nasce na zona rural inicia cedo sua atividade laborativa, a prova dos autos não autoriza o reconhecimento da atividade rural a partir dos 10 anos de idade, conforme requer a parte autora. Isso porque não se trouxe elementos concretos de que a atividade do segurado, em tenra idade, era indispensável à subsistência do núcleo familiar, aspecto fundamental à caracterização do tempo questionado.

Com efeito, sobretudo em regime familiar, é possível que os menores de 12 anos se envolvam no trabalho rural. Todavia, deve-se ter presente que tal auxílio, em regra, se dá num contexto de complementaridade, e não de indispensabilidade, em relação ao trabalho desempenhado pelos pais, até pela reduzida capacidade física de uma criança.

Ocorrência diversa é quando o menor é envolvido em situação de efetiva submissão a trabalho por terceiros ou quando, por si, precisa buscar sua subsistência ou de familiares em situação mais desfavorável, o que não foi demonstrado na espécie pela prova documental, com a comprovação do número de integrantes do núcleo familiar, a idade de todos e o tamanho das terras cultivadas.

Saliento, outrossim, que a eventual oitiva de testemunhas não mudaria a conclusão acerca do não reconhecimento da labuta campesina anterior aos 12 anos de idade.

De fato, conforme dito, a prova do tempo de serviço rural, precipuamente documental após o advento da Medida Provisória nº 871/2019, em 18.01.2019, a qual foi posteriormente convertida na Lei nº 13.846/2019, deve fornecer elementos específicos e robustos no sentido do excepcional desempenho de labor rural efetivo por menor.

Na espécie, entretanto, não há qualquer elemento probatório indicando tal situação.

Dessa forma, como não foi comprovada a excepcionalidade do alegado trabalho desenvolvido pela parte autora, não é possível o reconhecimento do período, tendo em conta que a parte autora completou 12 anos de idade apenas em 08/10/1976.

Já a contar dos 12 anos de idade da autora, igualmente não se revela possível o reconhecimento do labor como segurada especial.

No caso concreto, o benefício foi indeferido sob o fundamento de que os documentos apresentados não formam convicção de que a segurada tenha sido, efetivamente, trabalhadora rural (evento 1, PROCADM9, fl. 113).

De fato, os registros constantes do CNIS em nome do pai da autora apontam que ele obteve aposentadoria especial, com DIB em 03/08/1992 (evento 31, CNIS1). Corroborando tal informação, verifica-se que por ocasião da escritura pública de doação e reserva de usufruto das terras em 2007, o genitor se declarou motorista aposentado (​evento 1, PROCADM9​, fl. 41), ocupação que, à época, ensejava a contagem de tempo diferenciada em face da categoria profissional. A consulta ao CNIS, como visto, não arrola os períodos de atividade que ensejaram a concessão da aposentadoria especial, até porque são anteriores à instituição do CNIS em 1994. E em busca pelas microfichas, o sistema não retornou dados. De todo modo, a concessão do benefício com DIB em 03/08/1992 evidencia o desempenho de atividades especiais antes da DIB por período coincidente com aquele em que autora requer o computo do labor rural, pelo menos.

Além disso, também a mãe da autora obteve aposentadoria por tempo de contribuição com DIB em 01/11/1988, constando vínculos como autônoma de 01/1985 a 10/1988 (evento 31, CNIS2). É provável, também, a existência de vínculos anteriores em microfichas, até porque não seria possível a obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição com apenas três anos trabalhados. Porém não foi possível obtê-las junto ao CNIS.

De todo modo, os dados do CNIS evidenciam que durante o período requerido pela autora, ou em boa parte dele, os seus pais exerciam atividades diversas da rural, as quais lhe ensejaram a aposentadoria por tempo contributivo.

O exercício de atividade urbana pelos pais não é, por si só, motivo determinante a afastar a pretensão autoral. De acordo com o Enunciado n. 41 da TNU, "a circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto".

Também a Primeira Seção do STJ, em julgamento de recurso representativo da controvérsia (REsp 1.304.479/SP, de relatoria do Min. Herman Benjamim, julgado em 10.10.2012, DJe 19/12/2012), firmou posicionamento no seguinte sentido: "O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias". No inteiro teor deste acórdão assim constou:

"O ordenamento jurídico previdenciário estabeleceu proteção aos agrupamentos familiares cuja subsistência dependa do trabalho rural em regime de mútua dependência e colaboração. A lei define esse trabalho como "indispensável à própria subsistência" (art. 11, §1º, da Lei 8.213/1991). A partir do momento em que um membro do grupo passa a exercer trabalho exclusivamente urbano, a produção rural pode se caracterizar como irrelevante para sustento básico da família.

Por exemplo, um núcleo familiar que viva no regime de subsistência rural tem como renda presumida, por óbvio, algo em torno de um salário mínimo. Se um dos cônjuges passa a trabalhar no meio urbano ganhando três salários mínimos, o produto do trabalho rural pode, em tese, ser tido como meramente complementar.

De qualquer sorte, essa análise do conjunto probatório é incumbência das instâncias ordinárias, a quem cabe contextualizá-lo de acordo com a Lei de Benefícios, de forma a conceder o benefício ou a averbação do tempo de serviço como segurado especial àqueles que realmente se enquadram na hipótese legal."

Com efeito, do precedente citado se extrai que a análise da situação concreta deve indicar se a atividade rural é necessária à subsistência do grupo familiar, sobretudo se confrontada com a renda advinda da atividade urbana de um dos seus integrantes.

No mesmo sentido, o recente julgado do TRF da 4ª Região:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO/SERVIÇO. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR UM DOS MEMBROS DO GRUPO FAMILIAR.1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.2. O exercício de atividade urbana, pelo pai da autora, no período controverso, não tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar, uma vez que os rendimentos por ele auferidos não eram de tal monta que pudessem dispensar o trabalho rural da parte autora e dos demais membros do grupo.3. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição integral, computado o tempo de serviço até a DER, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91. (TRF4, AC 0020907-03.2012.404.9999, Sexta Turma, Relator Marcelo Malucelli, D.E. 11/05/2015). Grifei.

Nesse sentido, embora a lei não exija que a agricultura seja exercida em caráter exclusivo, deve ser indispensável à manutenção do grupo familiar.

No caso telado, entretanto, as notas fiscais de comercialização da produção em nome do genitor sinalizam a venda anual de pequena quantidade de produtos (lenha e milho). Apenas em 1982 foi registra a venda de 476 unidades de frango (evento 1, PROCADM9, fl. 60). Ainda assim, não é possível confirmar a indispensabilidade do labor rural para o sustento do grupo familiar, composto pelo casal e duas filhas, sendo que o casal exercia atividades urbanas e se aposentou nesta condição. Tudo indica, portanto, que a renda obtida com a atividade rural era complementar à renda urbana.

Desse modo, fica descaracterizado o regime de economia familiar e, por consequência, a condição de segurada especial.

Destaco ainda que eventual prova testemunhal não supre a juntada de documentos indispensáveis à demonstração do efetivo desempenho da atividade campesina.

Nesse sentido, acresço que afora a prova da propriedade de terras e notas de venda, não foram anexados outros documentos tendentes à comprovar a qualidade de segurada especial e da autora e demais componentes do grupo familiar. Com efeito, não vieram os autos o histórico escolar da autora; prova da filiação ao sindicato rural; certidões registrais (casamento dos pais, nascimentos, óbitos) com qualificação como agricultores; outros documentos em que os pais tenham se declarado agricultores.

Além disso, mesmo que se considerasse a atividade da autora de forma individual, não há nos autos elementos materiais, titularizados em nome próprio, aptos a comprovar tal atividade.

Portanto, da análise ao conjunto probatório, verifico não ser possível o reconhecimento da atividade rural em regime de economia familiar no período questionado."

No caso, tenho que a sentença não merece reforma.

A questão relativa ao labor rural desempenhado pelo menor de 12 anos de idade foi enfrentada nos autos da Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), onde ficou autorizado o cômputo de período de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Desembargadora Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 9/4/2018). O acórdão foi assim ementado:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO. 1. O interesse processual do MPF diz respeito à alteração de entendimento da autarquia no tocante às implicações previdenciárias decorrentes do exercício laboral anterior àquele limite etário mínimo, consubstanciadas inclusive na Nota 76/2013. Em que pese efetivamente constitua aquela Nota importante avanço no posicionamento do INSS sobre a questão, não torna ela despicienda a tutela jurisdicional pleiteada, já que admite aquela Nota que, uma vez reconhecida na esfera trabalhista a relação de emprego do menor de 16 anos, possa a autarquia considerá-lo segurado e outorgar efeitos de proteção previdenciária em relação ao mesmo, permanecendo - não bastasse a já referida necessidade prévia de reconhecimento trabalhista - a não admitir a proteção para as demais situações de exercício laboral por menor de 16 anos, referidas na contestação como externadas de forma voluntária. Não bastasse isto, restaria ainda a questão referente à documentação e formalidades exigidas para a comprovação de tal labor, o que evidencia a permanência da necessidade de deliberação e, por consequência, a existência do interesse de agir. 2. Não há falar em restrição dos efeitos da decisão em ação civil pública a limites territoriais, pois não se pode confundir estes com a eficácia subjetiva da coisa julgada, que se estende a todos aqueles que participam da relação jurídica. Isso porque, a imposição de limites territoriais, prevista no art. 16 da LACP, não prejudica a obrigatoriedade jurídica da decisão judicial em relação aos participantes da relação processual. 3. Logo, inexiste violação ao art. 16 da Lei nº 7.347/1985, como aventou o INSS, porquanto não é possível restringir a eficácia da decisão proferida nos autos aos limites geográficos da competência territorial do órgão prolator, sob pena de chancelar a aplicação de normas distintas a pessoas detentoras da mesma condição jurídica. 4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. 5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079/90) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias. 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicultura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. 9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo. 10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária. 11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. 12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'. 13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 - todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos. 14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida.

Deste modo, o acórdão possibilita o reconhecimento de atividade rural anterior aos 12 anos de idade, desde que amparada em prova testemunhal idônea, e mediante apresentação de prova material em nome dos pais.

No caso concreto, todavia, inexistem elementos suficientes para a caracterização do labor da parte autora, em regime de conomia familiar, em todo o período pretendido, inclusive aquele anterior as 12 anos de idade.

Isso porque, embora o acervo possa sugerir eventual desempenho de atividade rural pelo grupo familiar em que inserida a autora, tal circunstância não configura regime de economia familiar, que depende de haver caracterização da comunhão de esforços dos membros da família para terem o sustento assegurado das atividades campesinas. Esse não é o caso dos autos, onde se verifica extenso vínculo urbano dos pais da autora, os quais justificaram a aposentadoria por tempo de contribuição do casal.

Cumpre destacar o entendimento nesta Corte de que o exercício de atividade urbana por integrante do núcleo familiar não tem o condão de descaracterizar, por si só, a condição de segurado especial de quem postula o benefício, sempre que o trabalho agrícola for "indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar", nos termos dispostos no § 1º do art. 11 da LBPS (Redação dada pela Lei 11.718, de 20/06/2008).

No caso há, claramente, uma inversão do entendimento da autora, quando afirma que a atividade rural desempenhada era para a subsistência da família. Não há sentido em se afirmar o caráter complementar da renda urbana dos pais para fins de manutenção da família, sendo que ambos se aposentaram por tempo de contribuição, cujo benefício demanda longo período de tempo de serviço/contribuição.

Ausente, pois, o caráter de essencialidade dos rendimentos porventura auferidos com o trabalho rural, diante do labor urbano dos pais e a falta de demonstração, pela autora, de que a renda extraída do labor era para a subsistência da família e não renda extra complementar.

A propósito, precedentes deste Tribunal:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. TRABALHO URBANO DO CÔNJUGE. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL NÃO DEMONSTRADA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Tem direito à aposentadoria por idade rural a contar da data de entrada do requerimento administrativo, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/91, que implementa os requisitos: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. 2. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas. 3. Conquanto o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar, por si só, não descaracterize a qualidade de segurado especial daquele que pleiteia o benefício, há que ser comprovado que a atividade rural era a principal fonte de renda da família, não bastando a demonstração de que exercida alguma atividade rural, sem prova de que esse trabalho é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar. 4. A falta de comprovação da qualidade de segurada especial durante o período de carência, impõe o indeferimento do benefício de aposentadoria por idade rural nos termos em que pleiteado, em face da descaracterização do regime de economia familiar, restando a possibilidade de concessão da aposentadoria, condicionada, contudo, ao recolhimento de contribuição previdenciária no período de carência. (TRF4, AC 5008616-79.2019.4.04.7204, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator ANA CRISTINA FERRO BLASI, juntado aos autos em 08/03/2023).

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HIPÓTESE ENSEJADORA DO RECURSO. OMISSÃO. PROVA MATERIAL EM NOME DO CÔNJUGE. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. REPERCUSSÃO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL DESCARACTERIZADA. EFEITOS INFRINGENTES. PREQUESTIONAMENTO. 1. A acolhida dos embargos declaratórios só tem cabimento nas hipóteses de omissão, contradição, obscuridade e erro material. 2. Omissão verificada. 3. A extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana. 4. Nas hipóteses como a dos autos, em que demonstrado que o labor agrícola não constitui fonte de renda imprescindível à subsistência da entidade familiar, mas se resume à atividade complementar, haja vista a elevada monta dos vencimentos auferidos pelo cônjuge na atividade urbana, resta descaracterizada a condição de segurado especial, sendo inviável tanto a outorga de aposentadoria por idade do trabalhador rural como a averbação desse período para qualquer fim. 5. Embargos de declaração providos, com atribuição de efeitos infringentes para negar provimento à apelação da parte autora e considerar prequestionada a matéria versada no julgado. (TRF4, AC 5007055-69.2022.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 02/12/2022).

Registre-se, por fim, que não é caso de julgamento sem resolução de mérito, uma vez que a decisão está fundamentada no conjunto probatório apresentado e não na ausência de provas.

Assim, deve ser desprovida apelação da parte autora.

Honorários advocatícios

Mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais na forma proclamada na sentença.

Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual fixado, cuja exigibilidade fica suspensa em face da gratuidade judiciária deferida.

Custas processuais

O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (artigo 4, inciso I, da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADIN 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015 é isento o INSS da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na lei estadual 14.634/2014 (artigo 5º). Tais isenções não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (artigo 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual 156/1997), a Autarquia responde pela metade do valor.

Conclusão

Negar provimento ao apelo da parte autora, mantendo a sentença de improcedência.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004428519v8 e do código CRC 6dd668d6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ADRIANE BATTISTI
Data e Hora: 3/4/2024, às 11:36:33


5000931-20.2022.4.04.7138
40004428519.V8


Conferência de autenticidade emitida em 03/05/2024 08:01:28.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000931-20.2022.4.04.7138/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

APELANTE: ANELISE DINEBIER (AUTOR)

ADVOGADO(A): DANIEL TICIAN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.

1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.

2. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos dos artigos 54 e 49, inciso II, da Lei 8.213/1991, bem como efetuar o pagamento das parcelas vencidas desde então.

3. Hipótese em que a parte autora não comprovou o labor rural em regime de economia familiar.

4. Apelação que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de abril de 2024.



Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004428520v3 e do código CRC f56fb4fe.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ADRIANE BATTISTI
Data e Hora: 26/4/2024, às 15:9:24


5000931-20.2022.4.04.7138
40004428520 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 03/05/2024 08:01:28.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/04/2024 A 24/04/2024

Apelação Cível Nº 5000931-20.2022.4.04.7138/RS

RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI

PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL

APELANTE: ANELISE DINEBIER (AUTOR)

ADVOGADO(A): DANIEL TICIAN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/04/2024, às 00:00, a 24/04/2024, às 16:00, na sequência 604, disponibilizada no DE de 08/04/2024.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI

Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI

Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

LIDICE PENA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 03/05/2024 08:01:28.

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