
POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL
POLO PASSIVO:MARCIA REGINA GATTI
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: PAULO SERGIO TURAZZA - SP227407-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1004906-06.2018.4.01.3400
PROCESSO REFERÊNCIA: 1004906-06.2018.4.01.3400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela União Federal em face da sentença que concedeu a segurança para determinar à autoridade impetrada que reinclua a impetrante no Sistema de Saúde da Aeronáutica, com pleno acesso à assistência médico-hospitalar.
Em suas razões recursais, a União Federal repisa os argumentos expostos na contestação, alegando que a autora não se enquadra como beneficiária do FUNSA/SARAM, especialmente porque, com o recebimento de remuneração, deixou de ser dependente do filho. Requer, ao final, o provimento do recurso com a total improcedência dos pedidos formulados na inicial, concluindo que “a permanência da parte autora na condição de beneficiária do sistema de assistência médico-hospitalar não encontra guarida, conforme o estabelecido na Lei n.º 6.880/80 - Estatuto dos Militares c/c a NSCA 160-5 (Normas para Prestação da Assistência Médico-Hospitalar no SISAU), aprovada pela Portaria COMGEP n.º 643/2SC, de 12 de abril de 2017. A uma, porque não existe relação de dependência em relação ao militar. A duas, porque, na condição de pensionista, passa a receber remuneração”.
Contrarrazões apresentadas.
O MPF manifestou-se pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1004906-06.2018.4.01.3400
PROCESSO REFERÊNCIA: 1004906-06.2018.4.01.3400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
A questão posta versa sobre a possibilidade de a autora, como beneficiária do Sistema de Saúde da Aeronáutica e pensionista do falecido Suboficial da Aeronáutica VERGILIO GATTI, na condição de filha solteira sem remuneração, desde 13/03/2007, ser reincluída no Fundo de Saúde da Aeronáutica (FUNSA/SARAM), garantindo-lhe assistência médico-hospitalar.
Aduz que: "a) é pensionista do falecido Suboficial da Aeronáutica VERGILIO GATTI, na condição de filha solteira sem remuneração, desde 13/03/2007. Está cadastrada como beneficiária de assistência médico-hospitalar complementar (AMHC). Como consequência, é descontado mensalmente em seu contracheque o valor da contribuição ao Fundo de Saúde; b) em 20/02/2018, tomou conhecimento de que o seu nome não constava mais no cadastro do Sistema de Saúde da Aeronáutica, não podendo marcar consultas nem ser atendida no Hospital da Força Aérea de São Paulo ou em qualquer clínica ou laboratório conveniado, interrompendo assim, todo e qualquer tratamento médico-hospitalar e odontológico que estava em andamento; c) (...) não teve oportunidade de produzir qualquer defesa, uma vez que não foi instaurado nenhum processo administrativo antes de lhe retirar o direito fundamental à saúde, garantido pela CF/88 e em leis federais.”
Conforme se extrai dos autos, a autora/apelada discute a legalidade do ato praticado pela União, que, com fundamento na NSCA nº 160-5, excluiu-a do serviço assistência médico-hospitalar da Aeronáutica como dependente de seu filho. Referido ato fundamenta-se nas regras constante no Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80) e nas normas para a prestação da assistência médico-hospitalar, aprovada pela Portaria COMGEP nº 643/3SC, de 2017.
O art. 50, da Lei nº 6.880/80, em sua redação original e antes das alterações promovidas pela Lei n. 13.954/19, considera a mãe viúva, desde que não receba remuneração, como dependente do militar, estabelecendo, ainda, que não são considerados como remuneração os rendimentos não provenientes de trabalho assalariado.
A propósito, confira-se:
"Art. 50. São direitos dos militares:
IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas: e) a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários;
§ 2° São considerados dependentes do militar:
V - a mãe viúva, desde que não receba remuneração;
§ 4º Para efeito do disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, não serão considerados como remuneração os rendimentos não-provenientes de trabalho assalariado, ainda que recebidos dos cofres públicos, ou a remuneração que, mesmo resultante de relação de trabalho, não enseje ao dependente do militar qualquer direito à assistência previdenciária oficial."
Com a nova redação dada pela Lei 13.954/19, o rol de dependentes do militar previstos na Lei n. 6.880/80 foi alterado, tendo tal norma restringido a condição de dependentes constante do §2º ao cônjuge ou companheiro, na constância do vínculo, e ao filho ou enteado menor de 21 anos ou inválido.
Todavia, o artigo 23 da Lei 13.954/19 estabeleceu expressamente que os dependentes militares regularmente declarados e inscritos no banco de dados de pessoal das Forças Armadas na data da publicação da referida Lei permaneceriam como beneficiários da assistência médico- hospitalar fornecida aos dependentes dos militares, senão vejamos:
"Art. 23. Os dependentes de militares regularmente declarados e inscritos nos bancos de dados de pessoal das Forças Armadas, ou aqueles que se encontrem em processo de regularização de dependência na data de publicação desta Lei permanecerão como beneficiários da assistência médico-hospitalar prevista na alínea “e” do inciso IV do caput do art. 50 da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares), conforme estabelecido no regulamento de cada Força Armada."
Verifica-se, na hipótese, que o ato de cancelamento do plano de saúde da autora foi efetuado com base na Portaria COMGEP nº 643/3SC, de 12 de abril de 2017, que aprovou a NSCA nº 160-5 e revogou a ICA 160-24, que dispõe sobre os beneficiários do FUNSA nos seguintes termos:
"(...) 5.1 Serão considerados beneficiários do FUNSA, para fins de indenização da assistência à saúde prevista nesta norma, os usuários abaixo especificados: i) os beneficiários da pensão militar de primeira e segunda ordem de prioridade, previstos nos itens I e II, do Art. 7º da Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960 (lei da Pensão Militar) nas condições e limites nela estabelecidos; j) a mãe viúva do militar contribuinte, desde que não receba remuneração; 5.5 Para efeito do disposto neste capítulo, também serão considerados como remuneração os rendimentos provenientes de aposentadoria, de pensão por morte e de pensão militar."
No entanto, o fato de o Ministério da Defesa – Comando da Aeronáutica – ter editado, antes, um novo conceito de “dependência econômica”, por meio deste ato normativo infralegal, extrapolou, em tese, o regramento imposto pela lei acima referenciada, vigente na data dos fatos, o que é contrário ao ordenamento jurídico por afrontar o princípio da legalidade.
Como bem asseverado na sentença:
" (...)
Assim, a filha pensionista de militar faz jus à assistência médico-hospitalar desde que preencha dois requisitos: ser solteira e não receber remuneração.
E como se vê da redação do §4º, o termo “remuneração” é utilizado em sua acepção clássica e restrita de valores recebidos como contraprestação de trabalho em razão de relação que enseja vínculo à previdência pública ou privada (INSS), de forma que a pensão militar que a demandante recebe por reversão não pode ser considerada como remuneração para excluir a relação de dependência.
Dessa forma, em princípio, não se justifica o desligamento da impetrante dos serviços médicos junto ao FUNSA pelo só fato de perceber pensão por morte do seu genitor, fazendo jus à reinclusão, permanência e pleno acesso à FUNSA.
E, se a interpretação administrativa da lei divergir do sentido e do conteúdo da norma legal, quer porque tenha se projetado com excesso de poder ( , quer tenha investido ultra legem) contra a lei, a questão caracteriza, sempre, típica crise de legalidade, a justificar uma intervenção judicial."
Ademais, estabelecido o vínculo inicial com a assistência médica, é inegável que a Administração Pública criou, para a autora, a legítima expectativa de que fazia jus ao atendimento, especialmente considerando que tem 67 anos não podendo marcar consultas nem ser atendida no Hospital da Força Aérea de São Paulo ou em qualquer clínica ou laboratório conveniado, interrompendo assim, todo e qualquer tratamento médico-hospitalar e odontológico que estava em andamento.
Em decorrência disto, não é razoável que direitos protegidos há tanto tempo sejam retirados de uma hora para outra, sob pena de ser violado o postulado da segurança jurídica e da confiança.
Assim vêm entendendo os Tribunais Regionais Federais:
"ADMINISTRATIVO. MILITAR. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PARA FINS DE ENQUADRAMENTO COMO BENEFICIÁRIADO FUSMA. ALTERAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DO CONCEITO DE DEPENDÊNCIA (§4º DO ART. 50 DA LEI 6.880/80) PELA ADMINISTRAÇÃO MILITAR. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA CONFIANÇA. APLICABILIDADE À HIPÓTESE.
1. Os benefícios são regulados pela lei vigente à data do óbito do instituidor, que no caso dos autos, corresponde ao seu desligamento da Marinha, por força do disposto no art. 20 da Lei 3765/1960. O título de pensão militar conferido à Autora foi emitido com fulcro na Lei nº 3.765/60. A condição de dependente conferida à Autora para fins de assistência médico hospitalar prestada pelo FUSMA foi reconhecida quando da concessão da própria pensão militar, com fulcro na legislação então vigente. Precedentes desta Corte.
2. Ainda que prevalecesse o argumento da União, no sentido de que a condição de dependente ou beneficiário para o FUSMA não se confunde com a condição de pensionista, é de se considerar que in casu a demandante é pensionista e manteve a condição de beneficiária de assistência médico-hospitalar desde 1972, de sorte que a Administração Militar demorou quase 35 (trinta e cinco) anos para definir parâmetros objetivos que ajudassem o responsável pela sua concessão a analisar o preenchimento ou não do requisito de dependência econômica, permitindo que beneficiários, como a autora, desfrutassem por tão longo tempo do FUSMA, não se mostrando razoável a suspensão do benefício com base em parâmetros definidos posteriormente. Entendimento contrário violaria os princípios da segurança jurídica e da confiança, à luz dos quais seria inimaginável alterar uma situação consolidada em 1972, portanto 35 (trinta e cinco) antes da comunicação expedida pela a Administração Militar, a não ser que ficasse comprovada uma mudança na situação fática da autora que justificasse a modificação de sua condição de dependência, o que não restou sequer afirmado pela União nesta demanda.
3. Remessa necessária e apelação desprovidas.
(TRF2: 2014.51.01.011349-3; 8ª Turma Especializada; Relator: Desembargador Federal Marcelo Pereira da Silva, Data da Decisão: 28/01/2016)."
Diante disso, diferentemente do que defende a apelante, o recebimento de pensão ou aposentadoria não descaracteriza a condição de pensionista do falecido Suboficial da Aeronáutica VERGILIO GATTI, na condição de filha solteira sem remuneração, desde 13/03/2007, pois tal rendimento não é abrangido pelo conceito de remuneração. Com efeito, não sendo proveniente de trabalho assalariado, mas de um benefício previdenciário, a pensão não pode ser considerada remuneração, cuja percepção enseje a exclusão da pensionista do rol de dependentes do militar.
Desse modo, tenho que, a autora, na condição de pensionista do falecido Suboficial da Aeronáutica VERGILIO GATTI, na condição de filha solteira sem remuneração, desde 13/03/2007, tem direito à reinclusão como beneficiária do FUNSA/SARAM, como bem restou decidido na sentença recorrida.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação e à remessa necessária.
Sem condenação em honorários advocatícios (Súmula 105 do STJ).
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1004906-06.2018.4.01.3400
PROCESSO REFERÊNCIA: 1004906-06.2018.4.01.3400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: MARCIA REGINA GATTI
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. LEI N. 6.880/80. FUNSA. ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. PENSIONISTA. FILHA SOLTEIRA. DEPENDÊNCIA COMPROVADA. MANUTENÇÃO DO DIREITO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA NÃO PROVIDAS.
1. A questão posta versa sobre a possibilidade de a autora, como beneficiária do Sistema de Saúde da Aeronáutica e pensionista do falecido Suboficial da Aeronáutica VERGILIO GATTI, na condição de filha solteira sem remuneração, desde 13/03/2007, ser reincluída no Fundo de Saúde da Aeronáutica (FUNSA/SARAM), garantindo-lhe assistência médico-hospitalar. Aduz que: "a) é pensionista do falecido Suboficial da Aeronáutica VERGILIO GATTI, na condição de filha solteira sem remuneração, desde 13/03/2007. Está cadastrada como beneficiária de assistência médico-hospitalar complementar (AMHC). Como consequência, é descontado mensalmente em seu contracheque o valor da contribuição ao Fundo de Saúde; b) em 20/02/2018, tomou conhecimento de que o seu nome não constava mais no cadastro do Sistema de Saúde da Aeronáutica, não podendo marcar consultas nem ser atendida no Hospital da Força Aérea de São Paulo ou em qualquer clínica ou laboratório conveniado, interrompendo assim, todo e qualquer tratamento médico-hospitalar e odontológico que estava em andamento; c) (...) não teve oportunidade de produzir qualquer defesa, uma vez que não foi instaurado nenhum processo administrativo antes de lhe retirar o direito fundamental à saúde, garantido pela CF/88 e em leis federais.”
2. O Estatuto dos Militares, no art. 50, parágrafo 2º, V, com a redação anterior às alterações da Lei 13.954/2019, prevê o direito à assistência médico-hospitalar aos dependentes do militar, inclusive à mãe viúva, desde que não receba remuneração. Nos termos do § 4º, não serão considerados como remuneração os rendimentos não provenientes de trabalho assalariado, ainda que recebidos dos cofres públicos, ou a remuneração que, mesmo resultante de relação de trabalho, não enseje ao dependente do militar qualquer direito à assistência previdenciária oficial. A Portaria COMGEP nº 643/3SC, de 12 de abril de 2017, que aprovou a NSCA nº 160-5 e revogou a ICA 160-24, ao criar um novo conceito de dependência econômica, extrapolou, em tese, o regramento imposto pela lei acima referenciada, vigente na data dos fatos, o que é contrário ao ordenamento jurídico por afrontar nitidamente o princípio da legalidade.
3. Assim, diferentemente do que sustenta a apelante, o recebimento de pensão ou aposentadoria não descaracteriza a condição de pensionista do falecido Suboficial da Aeronáutica VERGILIO GATTI, na condição de filha solteira sem remuneração, desde 13/03/2007, pois tal rendimento não é abrangido pelo conceito de remuneração. Com efeito, não sendo proveniente de trabalho assalariado, mas de um benefício previdenciário, a pensão não pode ser considerada remuneração, cuja percepção enseje a exclusão da pensionista do rol de dependentes do militar.
4. Como bem asseverado na sentença: " (...) Assim, a filha pensionista de militar faz jus à assistência médico-hospitalar desde que preencha dois requisitos: ser solteira e não receber remuneração. E como se vê da redação do §4º, o termo “remuneração” é utilizado em sua acepção clássica e restrita de valores recebidos como contraprestação de trabalho em razão de relação que enseja vínculo à previdência pública ou privada (INSS), de forma que a pensão militar que a demandante recebe por reversão não pode ser considerada como remuneração para excluir a relação de dependência. Dessa forma, em princípio, não se justifica o desligamento da impetrante dos serviços médicos junto ao FUNSA pelo só fato de perceber pensão por morte do seu genitor, fazendo jus à reinclusão, permanência e pleno acesso à FUNSA. E, se a interpretação administrativa da lei divergir do sentido e do conteúdo da norma legal, quer porque tenha se projetado com excesso de poder ( , quer tenha investido ultra legem) contra a lei, a questão caracteriza, sempre, típica crise de legalidade, a justificar uma intervenção judicial."
5. Sem condenação em honorários advocatícios (Súmula 105 do STJ).
6. Apelação e remessa necessária não providas.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
