
POLO ATIVO: RAIMUNDA ALVES DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: CAROLINE ALVES PACHECO - TO4186-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1001289-14.2019.4.01.4302 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001289-14.2019.4.01.4302
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: RAIMUNDA ALVES DA SILVA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: CAROLINE ALVES PACHECO - TO4186-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros
RELATÓRIO
O Excelentíssimo Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto (Relator):
Trata-se de apelação interposta pela requerida em face de sentença que julgou procedente a pretensão anulatória de acordo judicial firmado pela demandada e o INSS, determinando-se a cessação do benefício de aposentadoria por idade rural, oriunda do acordo anulado, bem como impondo à ré o dever de devolução dos valores recebidos indevidamente em decorrência do referido acordo.
Em suas razões de apelação, a requerida sustenta fazer jus ao benefício, que a prova material amealhada aos autos lhe são aptas a fazer prova do direito, sendo corroborada pela prova testemunhal.
Asseverou, ainda, que o MPF e/ou o INSS não lograram êxito em comprovar que o recebimento do benefício se deu mediante fraude, inexistindo nos autos prova de falsidade de documento que embasasse a pretensão autoral.
Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso para, reformando a sentença, seja reconhecido o direito ao restabelecimento do benefício. Subsidiariamente, requer seja declarado o direito a não devolução dos valores, diante do caráter alimentar do benefício e o recebimento de boa-fé.
Oportunizado o contraditório, o MPF apresentou contrarrazões ao recurso.
Recebidos os autos nesta Corte Regional, com vistas dos autos o Ministério Público Federal, por intermédio do Procurador Regional da República, opinou pelo não provimento da apelação.
É o relatório.

PROCESSO: 1001289-14.2019.4.01.4302 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001289-14.2019.4.01.4302
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: RAIMUNDA ALVES DA SILVA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: CAROLINE ALVES PACHECO - TO4186-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros
V O T O
O Excelentíssimo Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto (Relator):
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que o conflito de interesses é condizente a ação anulatória de acordo judicial firmado em ação previdenciária de concessão de aposentadoria por idade rural, segurada especial, bem como a imposição de que a demandada, ora apelante, restitua ao Erário os valores recebidos em razão da anulação do acordo.
Na hipótese dos autos o Ministério Público Federal ajuizou ação anulatória de acordo judicial firmado pela demandada e o INSS no bojo de ação previdenciária, em razão de apuração de que o benefício foi concedido mediante fraude, tendo sido apurado que a autora é residente em meio urbano e casada com servidor público municipal há mais de 45 anos, não se tratando de segurada especial.
A vista dos documentos amealhados aos autos e da prova testemunhal produzida, o julgador de Primeiro Grau julgou procedente a pretensão, reconhecendo a responsabilidade da demandada em ressarcir os valores auferidos indevidamente.
Irresignada, a demandada recorre sustentando que com base em uma denúncia não amparada em prova material o MPF desmereceu todas as provas que apresentou na ação previdenciária de aposentadoria por idade rural, sustentando ter produzido prova material suficiente de sua condição de segurada especial e que a prova testemunhal teria lhe sido favorável.
Aduz inexistir nos autos prova de falsidade de documento, não tendo nem o MPF feito prova de suas alegações, nem o INSS que não apresentou qualquer manifestação no processo.
Ao final, a requerida pugnou pelo restabelecimento do benefício ou, subsidiariamente, diante do caráter alimentar do benefício recebido de boa-fé, que seja reformada a sentença no que tange ao dever de ressarcimento dos valores recebidos em razão do acordo anulado.
Quanto ao pedido de restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade rural, sem razão a apelante.
Com efeito, verifica-se que a requerida apresentou perante a Autarquia Previdenciária documentos que a qualifica como casada e o endereço apresentado é o mesmo de seu cônjuge, ao passo que na ação previdenciária apresentou endereço de sua filha e procuração informando estado civil “separada de fato”.
Todos os documentos amealhados aos autos são extemporâneos, datados nos anos 70 e 80, apenas qualificando o cônjuge da autora como lavrador, a despeito de sua omissão quanto ao fato de que pelo menos desde os anos 90 o titular dos documentos passou a ostentar a condição de servidor público municipal, o que torna imprestável os documentos para fins de prova material em seu favor (Tema 533 STJ).
O único documento apresentado aos autos contemporâneo aos fatos alegados diz respeito à ficha de matrícula escolar de sua filha, datado em 2000, todavia, trata-se de documento desprovido de segurança jurídica, não sendo possível extrair fidedignidade do documento que apresenta diversos campos em branco, sem identificação do servidor da unidade educacional responsável pela matrícula, sem identificação da instituição de ensino e constando a profissão da autora com grafia manifestamente contrária ao restante do documento.
As testemunhas da autora apresentaram falas nitidamente ensaiadas, no que tange as datas do alegado labor da autora, com precisão de dia, mês e ano em que a autora teria permanecido no imóvel rural denominado “Fazenda Baixão”.
No que tange a separação de fato da autora e seu cônjuge, os fatos igualmente não restaram esclarecidos, havendo divergências, ainda, no que tange a base de moradia dos filhos do casal.
A testemunha Iraides informou que a autora encontra-se separada de fato desde 1988, tendo os filhos permanecidos sob a guarda de fato da autora.
A testemunha Luiz Antonio informou que a autora se separou de fato após o nascimento do segundo filho, sendo que a autora teria permanecido na roça com seus irmãos, mas os filhos foram para cidade morar com o genitor.
De igual modo, a testemunha Marcio informou que o marido ficou com os filhos na cidade, mas a autora se manteve na fazenda.
Já a testemunha Raimundo, diversamente, informou que os filhos ficavam na cidade para estudar, na casa dos irmãos da autora.
A autora, ao seu turno, em seu depoimento pessoal informou que quando saiu da “Fazenda Baixão” se mudou para a localidade denominada “Três Lagoas”, sendo que o filho mais velho ficou em Gurupi para estudar, mas a filha permaneceu em sua companhia na chácara “Três Lagoas”.
Verifica-se, portanto, diversas contradições na prova oral produzida, sendo que o depoimento pessoal da autora ainda é contrário a prova material por ela produzida, pois embora a autora afirme que de 1996 a 2013 permaneceu no imóvel denominado “Três Lagoas”, localizado no município de Dueré, sendo que sua filha teria se mantido em sua companhia, a ficha de matrícula escolar revela que no ano de 2000 a filha da autora residia em endereço urbano, no imóvel de residência de seu cônjuge, no município de Gurupi.
Ademais, a testemunha do Ministério Público Federal, Sr. Manoel, ratificou as informações prestadas extrajudicialmente, informando que conhece a autora desde 1989 e nunca soube que a requerida residiu em Dueré ou tenha desempenhado labor rural, sendo que desde 1994 é vizinho da autora no endereço urbano localizado em Gurupi, onde a autora desempenha labor como dona de casa e no comércio pertencente ao seu esposo, sendo o cônjuge da autora servidor público do município.
De igual modo, como bem pontuado pelo julgador monocrático, todos os registros em nome da autora nos últimos 20 anos consta seu endereço no município de Gurupi/TO, evidenciando que de fato não se trata de trabalhadora rural.
Por ocasião da audiência lhe foi oportunizado esclarecer porque mantém informação cadastral perante os órgãos com endereço do cônjuge, já que declarou em audiência que estão separados de fato e que reside em outro endereço com sua filha, mas a autora se limitou a responder que não sabe explicar.
Dessa forma, verifica-se que nada há nos autos que possa infirmar as conclusões a que chegou o julgador de primeiro grau, razão pela qual a sentença deve ser mantida, posto que bem fundamentada e em harmonia com todo o contexto fático-probatório.
No que tange ao pedido subsidiário para não devolução dos valores recebidos, é cediço que ao teor do entendimento firmado pela jurisprudência do STJ, considera-se imprescindível, para a não devolução dos valores pagos indevidamente pela Previdência Social, que além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, esteja presente a boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. (REsp 1674457/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 09/08/2017; REsp 1651556/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/03/2017, DJe 27/04/2017; REsp 1.661.656/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 4/5/2017, DJe 17/5/2017).
Diferentemente das hipóteses de interpretação errônea e má aplicação da lei, em que se pode concluir que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, o que lhe assegura o direito de não devolvê-lo, as hipóteses de erro material ou operacional devem ser analisadas caso a caso, pois é preciso verificar se o beneficiário tinha condições de compreender que o valor não era devido e se seria possível exigir dele comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a administração previdenciária.
Ocorre que a boa-fé objetiva estabelece um modelo de conduta social ou um padrão ético de comportamento, o qual impõe que toda pessoa, em suas relações, atue com honestidade e lealdade, não se mostrando razoável reconhecer a boa-fé daquele que formula pretensão judicial sabendo não fazer jus ao benefício, prestando informações que não guardam relação com a verdade para induzir a erro o Judiciário e o próprio INSS.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pela demandada, nos termos da fundamentação supra.
Em razão do não provimento recursal, condeno a requerida ao pagamento de honorários de sucumbência que fixo em 11% sobre o valor da condenação, eis que majoro em um ponto percentual os parâmetros fixados na sentença.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1001289-14.2019.4.01.4302 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001289-14.2019.4.01.4302
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: RAIMUNDA ALVES DA SILVA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: CAROLINE ALVES PACHECO - TO4186-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ANULATÓRIA DE ACORDO JUDICIAL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. BENEFÍCIO CONCEDIDO MEDIANTE FRAUDE. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE. MÁ-FÉ CONFIGURADA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Na hipótese dos autos o Ministério Público Federal ajuizou ação anulatória de acordo judicial firmado pela demandada e o INSS no bojo de ação previdenciária, em razão de apuração de que o benefício foi concedido mediante fraude, tendo sido apurado que a autora é residente em meio urbano e casada com servidor público municipal há mais de 45 anos, não se tratando de segurada especial. A vista dos documentos amealhados aos autos e da prova testemunhal produzida, o julgador de primeiro grau julgou procedente a ação, reconhecendo a responsabilidade da demandada em ressarcir os valores auferidos indevidamente.
2. Irresignada, a demandada recorre sustentando que com base em uma denúncia não amparada em prova material o MPF desmereceu todas as provas que apresentou na ação previdenciária de aposentadoria por idade rural, sustentando ter produzido prova material suficiente de sua condição de segurada especial e que a prova testemunhal teria lhe sido favorável. Sustenta inexistir nos autos prova de falsidade de documento, não tendo nem o MPF feito prova de suas alegações, nem o INSS que não apresentou qualquer manifestação no processo. Ao final, requereu o restabelecimento do benefício ou, subsidiariamente, diante do caráter alimentar do benefício recebido de boa-fé, que seja reformada a sentença no que tange ao dever de ressarcimento dos valores recebidos em razão do acordo anulado.
3. Quanto ao pedido de restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade rural, sem razão a apelante. Com efeito, verifica-se que todos os documentos amealhados aos autos são extemporâneos, datados nos anos 70 e 80, apenas qualificando o cônjuge da autora como lavrador, a despeito de sua omissão quanto ao fato de que pelo menos desde os anos 90 o titular dos documentos passou a ostentar a condição de servidor público municipal, o que torna imprestável os documentos para fins de prova material em seu favor (Tema 533 STJ). O único documento apresentado aos autos contemporâneo aos fatos alegados diz respeito à ficha de matrícula escolar de sua filha, datado em 2000, todavia, trata-se de documento desprovido de segurança jurídica, não sendo possível extrair fidedignidade do documento que apresenta diversos campos em branco, sem identificação do servidor da unidade educacional responsável pela matrícula, sem identificação da instituição de ensino e constando a profissão da autora com grafia manifestamente contrária ao restante do documento.
4. As testemunhas da autora apresentaram falas nitidamente ensaiadas, no que tange as datas do alegado labor da autora, com precisão de dia, mês e ano em que a autora teria permanecido no imóvel rural denominado “Fazenda Baixão”. No que tange a separação de fato da autora e seu cônjuge, os fatos igualmente não restaram esclarecidos, havendo divergências, ainda, no que tange a base de moradia dos filhos do casal. Se extrai dos autos que a testemunha Iraides informou que a autora encontra-se separada de fato desde 1988, tendo os filhos permanecidos sob a guarda de fato da autora. A testemunha Luiz Antônio informou que a autora se separou de fato após o nascimento do segundo filho, sendo que a autora teria permanecido na roça com seus irmãos, mas os filhos foram para cidade morar com o genitor. De igual modo, a testemunha Marcio informou que o marido ficou com os filhos na cidade, mas a autora se manteve na fazenda. Já a testemunha Raimundo, diversamente, informou que os filhos ficavam na cidade para estudar, na casa dos irmãos da autora. A autora, ao seu turno, em seu depoimento pessoal informou que quando saiu da “Fazenda Baixão” se mudou para a localidade denominada “Três Lagoas”, sendo que o filho mais velho ficou em Gurupi para estudar, mas a filha permaneceu em sua companhia na chácara “Três Lagoas”.
5. Verifica-se, portanto, diversas contradições na prova oral produzida, sendo que o depoimento pessoal da autora ainda é contrário a prova material por ela produzida, pois embora a autora afirme que de 1996 a 2013 permaneceu no imóvel denominado “Três Lagoas”, localizado no município de Dueré, sendo que sua filha teria se mantido em sua companhia, a ficha de matrícula escolar revela que no ano de 2000 a filha da autora residia em endereço urbano, no imóvel de residência de seu cônjuge, no município de Gurupi. Ademais, a testemunha do Ministério Público Federal, Sr. Manoel, ratificou as informações prestadas extrajudicialmente, informando que conhece a autora desde 1989 e nunca soube que a requerida residiu em Dueré ou tenha desempenhado labor rural, sendo que desde 1994 é vizinho da autora no endereço urbano localizado em Gurupi, onde a autora desempenha labor como dona de casa e no comércio pertencente ao seu esposo, sendo o cônjuge da autora servidor público do município.
6. De igual modo, como bem pontuado pelo julgador monocrático, todos os registros em nome da autora nos últimos 20 anos consta seu endereço no município de Gurupi/TO, evidenciando que de fato não se trata de trabalhadora rural. Por ocasião da audiência lhe foi oportunizado esclarecer porque mantém informação cadastral perante os órgãos com endereço do cônjuge, já que declarou em audiência que estão separados de fato e que reside em outro endereço com sua filha, mas a autora se limitou a responder que não sabe explicar. Dessa forma, verifica-se que nada há nos autos que possa infirmar as conclusões a que chegou o julgador de primeiro grau, razão pela qual a sentença deve ser mantida, posto que bem fundamentada e em harmonia com todo o contexto fático-probatório.
7. No que tange ao pedido subsidiário para não devolução dos valores recebidos, é cediço que ao teor do entendimento firmado pela jurisprudência do STJ, considera-se imprescindível, para a não devolução dos valores pagos indevidamente pela Previdência Social, que além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, esteja presente a boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Ocorre que a boa-fé objetiva estabelece um modelo de conduta social ou um padrão ético de comportamento, o qual impõe que toda pessoa, em suas relações, atue com honestidade e lealdade, não se mostrando razoável reconhecer a boa-fé daquele que formula pretensão judicial sabendo não fazer jus ao benefício, prestando informações que não guardam relação com a verdade para induzir a erro o judiciário e o próprio INSS.
8. Apelação a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação interposta pela requerida, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
