
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARLISE BUDTINGER
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: EBER AMANCIO DE BARROS - SP282075-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1034935-25.2021.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face da sentença (ID 175937017 - Pág. 135 a 138) que concedeu aposentadoria rural por idade rural pelo RGPS.
Concedida tutela provisória no juízo de origem.
O recurso foi recebido e/ou processado em ambos os efeitos.
Nas razões recursais (ID 175937017 - Pág. 146 a 149) a parte recorrente pediu a reforma da sentença para a denegação do benefício concedido pela sentença recorrida, sob a alegação de não comprovação do direito ao benefício previdenciário por prova idônea e suficiente, na forma da legislação de regência e do entendimento jurisprudencial que mencionou. Alegou, concretamente, a falta de início de prova material e de comprovação da união estável, assim como existência de propriedade de veículo.
A parte recorrida apresentou contrarrazões (ID 175937017 - Pág. 163), pedindo a manutenção da sentença.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1034935-25.2021.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII;39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar: 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991(STJ AgRG no REsp 1073730/CE); 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tema 2 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tema 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo do requerimento, ressalvado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmula 54 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7) extensão da prova material da condição de rurícula em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Temas 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tema 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tema 23 da TNU); 10) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, no prazo de carência do segurado especial.
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois o conjunto de situações excepcionais em dado caso concreto pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar e, conseqüentemente, permitir a exclusão dos períodos descaracterizados do prazo de carência do benefício rural.
Consoante jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça: “os documentos trazidos aos autos pelo autor, caracterizados como início de prova material, podem ser corroborados por prova testemunhal firme e coesa, e estender sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores aos das provas apresentadas.” (REsp 1.642.731/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/06/2017).
É prescindível que o início de prova material abranja todo o período de carência exigido para a concessão do benefício previdenciário, desde que a prova testemunhal lhe amplie a eficácia probatória referente ao lapso temporal que se quer ver comprovado.
Ademais, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Assim, são dotados de idoneidade para a comprovação do início de prova material do exercício de atividade rural, dentre outros documentos, as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha de inscrição em Sindicato Rural, contratos de parceria agrícola, nos casos em que a profissão de rurícola estiver expressamente mencionada, desde que amparados por convincente prova testemunhal (STJ, REsp 1.650.326/MT).
E, ainda, a ficha de alistamento militar, certificado de dispensa de incorporação (CDI), título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC), certidão de casamento, carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ, AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS).
De igual forma, são aceitos: certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que estabeleçam, indiquem ou apenas indiciem a ligação da parte autora com o trabalho no meio rural, bem como CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante.
No presente caso, a parte autora, nascida em 31/01/1964 (175937017 - Pág. 13), completou o requisito etário (55 anos) em 2019. A data de solicitação do benefício com DER em 27/05/2019 (ID 175937017, p. 106). Há necessidade de comprovação de carência por 180 meses imediatamente anteriores às referidas datas.
Foram apresentados os seguintes documentos: certidão de nascimento do filho de 2008 (fl.15) em que consta a profissão do pai de pecuarista; comprovante de energia rural; comprovante de que o esposo é aposentado rural desde 2018; certificado de cadastro de imóvel rural (1998 a 2002); declaração de união estável de 2019, notas fiscais atinentes à compra de produtos agrícolas e atestado de vacinação contra brucelose de 2016 e 2020 (ID 175937017 - Pág. 12 a 103).
A prova material produzida, amplamente aceita pelos entendimentos jurisprudenciais acima mencionados, foi complementada por prova testemunhal harmônica e coesa que corroborou o exercício do labor rural da autora.
A recorrente alega, todavia, a falta de comprovação da união estável e propriedade de uma caminhonete Strada 2015/2016. Sobre o primeiro aspecto, consta no processo declaração de união estável de 2019 (ID 175937017 - Pág. 98). No mesmo sentido, a propriedade de veículo por si só não infirma a qualidade de segurada especial da autora, uma vez que envolve bem de valor mediano e usado no trabalho rural.
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento e manter a sentença nos termos em que foi proferida.
Majoro os honorários advocatícios de sucumbência em 1% sobre a mesma base de cálculo da sentença, "levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal" (§11 do art. 85 do CPC/2015).
Correção monetária e juros de mora, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, na versão vigente ao tempo da execução do julgado, observada a prescrição quinquenal.
É o voto.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1034935-25.2021.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 1000033-81.2020.8.11.0036
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: MARLISE BUDTINGER
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RGPS. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. PROPRIEDADE DE VEÍCULO. AUSÊNCIA PREJUÍZO.
1. A concessão do benefício previdenciário em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
2. No presente caso, a parte autora, nascida em 31/01/1964 (175937017 - Pág. 13), completou o requisito etário (55 anos) em 2019. A data de solicitação do benefício com DER em 27/05/2019 (ID 175937017, p. 106). Há necessidade de comprovação de carência por 180 meses imediatamente anteriores às referidas datas. Foram apresentados os seguintes documentos: certidão de nascimento do filho de 2008 (fl.15) em que consta a profissão do pai de pecuarista; comprovante de energia rural; comprovante de que o esposo é aposentado rural desde 2018; certificado de cadastro de imóvel rural (1998 a 2002); declaração de união estável de 2019, notas fiscais atinentes à compra de produtos agrícolas e atestado de vacinação contra brucelose de 2016 e 2020 (ID 175937017 - Pág. 12 a 103).
3. A recorrente alega, todavia, a falta de comprovação da união estável e propriedade de uma caminhonete Strada 2015/2016. Sobre o primeiro aspecto, consta no processo declaração de união estável de 2019 (ID 175937017 - Pág. 98). No mesmo sentido, a propriedade de veículo por si só não infirma a qualidade de segurada especial da autora, uma vez que envolve bem de valor mediano e usado no trabalho rural.
4. É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), o que torna admissíveis outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
5. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA