
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE MACEDO BENICIO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: EBER AMANCIO DE BARROS - SP282075-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1001711-91.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença (ID 390916620 - Pág. 91 a 95), proferida pelo juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Guiratinga/MT, que concedeu aposentadoria rural por idade pelo RGPS.
Foi concedida, na sentença, a tutela provisória antecipatória para a implantação do benefício acima referido (ID 390916620 - Pág. 95).
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015), a exceção da tutela provisória mencionada, que foi executada independente da preclusão da decisão que a concedeu.
Nas razões recursais (ID 390916620 - Pág. 105 a 108), a parte recorrente pediu a reforma da sentença para a denegação do benefício concedido, sob a alegação de falta de comprovação do direito ao benefício previdenciário por prova idônea e suficiente, na forma da legislação de regência e do entendimento jurisprudencial que mencionou. Alegou, concretamente, que: "a parte autora não juntou qualquer início de prova material que demonstre o preenchimento da carência legal de 15 anos. Foram anexadas, apenas, cópias das certidões de nascimento da autora, de seu companheiro e dos filhos tidos em comum, todas sem qualificação dos envolvidos ou informações úteis ao deslinde da causa. Na realidade, em referidos documentos o endereço da autora é tipicamente URBANO: Rua Presidente Dutra, n.º 17, bairro Tancredo Neves, em Poxoréu/MT".
Em suas contrarrazões (ID 390916620 - Pág. 112 a 118), a parte recorrida pediu a manutenção da sentença recorrida, porque teria aplicado a legislação de regência e o entendimento jurisprudencial dominante, conforme a prova produzida. Alegou, concretamente que: “Em relação à prova material, verifica-se a existência de Certidão de nascimento, Carteira de trabalho coma anotações na qualidade trabalhador rural, Declaração da Justiça Eleitoral LAVRADOR notas de compras de produtos agrícolas, dentre outros documentos, provando sua qualidade de LAVRADOR por ser verdadeira a sua profissão de Rurícola".
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1001711-91.2024.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário com base em atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar:1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tema 2 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tema 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo do requerimento, ressalvado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmula 54 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7)extensão da prova material da condição de rurícola em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Temas 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tema 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tema 23 da TNU). 10)qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, no prazo de carência do segurado especial; 11)possibilidade de consideração das atividades rurais exercidas por menor de idade em regime de economia familiar, nos termos da Súmula 5 da TNU e da Tese 219 da TNU (entre 12 e 14 anos até o advento da Lei 8.213/1991, e a partir de 14 anos após a referida data); 12) inclusão da situação do “bóia-fria” como segurado especial (Tese 554 do STJ); 13) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008); 14) possibilidade de utilização do tempo rural para fins de carência de aposentadoria urbana ou do RPPS (Súmulas 10 e 24 da TNU c/c Tese 1007 e 168 da TNU).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois o conjunto de situações excepcionais em dado caso concreto pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar e, consequentemente, permitir a exclusão dos períodos descaracterizados do prazo de carência do referido benefício.
O reconhecimento da qualidade de segurado especial, como trabalhadora rural, desafia o preenchimento dos seguintes requisitos fundamentais: o implemento da idade, a existência de início de prova material da atividade rural exercida e a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
Desta forma, para comprovar o trabalho rural em regime de economia familiar, é necessário apresentar documentos ou um começo de evidências materiais, que podem ser complementados pela prova testemunhal, de acordo com Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Súmula 27 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
A Autora nascida em 22/04/1964, preencheu o requisito etário em 22/04/2019 (55 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade na qualidade de segurada especial em 06/06/2019 (ID 390916620 - Pág. 15 e 37).
Pleiteia a recorrente a concessão do benefício de aposentadoria por idade no contexto da atividade rural. Com o intuito de comprovar sua condição de trabalhadora rural, anexou aos autos (ID 390916620 - Pág. 16 a 28 e 45 a 48): certidão de nascimento dos filhos (2000, 2001, 2002); CTPS em nome do cônjuge com registros de serviços gerais (2003 a 2004); trabalhador rural (2005 a 2011); tratorista (2015 a 2016); CTPS da Autora sem registros; certidão declaratória eleitoral em nome do cônjuge (2019).
Ao analisar o caso concreto, verifica-se que a documentação apresentada comprova a atividade rural em regime de economia familiar.
São extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014).
Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar (STJ, REsp n. 1.845.585 – SP, rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES).
Quanto à extensão de documentos em nome cônjuge empregado rural e sua validade como início de prova material, o Colegiado Nacional da TNU passou a encampar entendimento pela possibilidade da extensão do documento em nome do empregado rural ao cônjuge, nos casos em que há inserção da mulher na situação fática do labor campesino do cônjuge varão (TNU - Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei 0000329-14.2015.4.01.3818, Rel. Juiz Federal ATANAIR NASSER RIBEIRO LOPES, julgado em 13/12/2019).
Em análise detida à CTPS, bem como ao CNIS do cônjuge da parte autora constata-se que exerceu atividades eminentemente rurais (ID 390916620 - Pág. 23 a 28 e 65).
Importante ressaltar, que a jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves Da Silva, Segunda Turma,e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo De Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar,e-DJF1 p.191 de 02/03/2011, AC 0028603-39.2018.4.01.9199, Desembargador Federal Marcelo Albernaz, TRF - Primeira Região, PJe 14/06/2023).
Documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a atividade rural em virtude das próprias condições em que se dá o desempenho do regime de economia familiar, onde dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu nome, posto que concentrados, na maioria das vezes, na figura do chefe da família (TNU - Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei 0002639-97.2013.4.03.6310, Rel. Juiz Federal SERGIO DE ABREU BRITO, julgado em 23/08/2018).
A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante a seguir transcrito: “Para o reconhecimento do tempo de serviço do trabalhador rural, apesar de não haver exigência legal de que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o período que se quer comprovar, é preciso que tal prova seja contemporânea ao menos por uma fração do lapso de trabalho rural pretendido". Na mesma linha de compreensão: AgRg no AREsp 635.476/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 30.4.2015; AgRg no AREsp 563.076/MS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 3.9.2015; AgRg no REsp 1.398.410/MT, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 24.10.2013; AgRg no AREsp 789.773/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 14.3.2016; AgRg no AREsp 380.664/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.10.2013; AgRg no AREsp 385.318/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 4.10.2013; AgRg no AREsp 334.191/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 12.9.2013; AgRg no REsp 1.148.294/SP, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 25.2.2016; AR 3.994/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 1º.10.2015.” (STJ – 1ª Seção; Pet 7475 / PR; PETIÇÃO 2009/0171149-0; Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132), Data do Julgamento: 09/11/2016; Data da Publicação/Fonte: DJe 29/11/2016).
O mero endereço do segurado na cidade, desacompanhado de outras provas, não descaracteriza a atividade rural em regime de economia familiar, uma vez que a legislação possibilita o estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 409384162) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental contemporânea à prestação laboral que se pretende reconhecida em juízo.
Portanto, é devida a concessão do benefício de aposentadoria rural por idade.
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento.
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, na versão vigente ao tempo da execução do julgado.
Majoro os honorários de sucumbência na fase recursal em 1% sobre o valor correlato arbitrado na sentença recorrida, “levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal” (§11 do art. 85 do CPC/2015).
Sem condenação em custas em face da isenção do art. 4º da Lei 9.289/1996.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1001711-91.2024.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 1000902-78.2019.8.11.0036
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: MARIA DE MACEDO BENICIO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RGPS. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS.
1. A concessão do benefício previdenciário em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
2. Mantida a concessão da aposentadoria rural por idade pelo RGPS em razão da satisfação dos requisitos legais.
3. A Autora nascida em 22/04/1964, preencheu o requisito etário em 22/04/2019 (55 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade na qualidade de segurada especial em 06/06/2019 (ID 390916620 - Pág. 15 e 37).
4. Pleiteia a recorrente a concessão do benefício de aposentadoria por idade no contexto da atividade rural. Com o intuito de comprovar sua condição de trabalhadora rural, anexou aos autos (ID 390916620 - Pág. 16 a 28 e 45 a 48): certidão de nascimento dos filhos (2000, 2001, 2002), CTPS em nome do cônjuge com registros de serviços gerais (2003 a 2004), trabalhador rural (2005 a 2011), tratorista (2015 a 2016), CTPS da Autora sem registros, certidão declaratória eleitoral em nome do cônjuge (2019).
5. São extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014).
6. Em análise detida à CTPS, bem como ao CNIS do cônjuge da parte autora constata-se que exerceu atividades eminentemente rurais (ID 390916620 - Pág. 23 a 28 e 65).
7. O mero endereço do segurado na cidade, desacompanhado de outras provas, não descaracteriza a atividade rural em regime de economia familiar, uma vez que a legislação possibilita o estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
8. A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante.
9. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
