
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARILENE FERREIRA DA SILVA ALVES
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CARLOS ROBERTO FARES - DF38068-A e MAGNUN VINICIOS HIPOLITO DOS SANTOS - GO44546-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1020901-74.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face da sentença (ID 366085153, pag. 169 a 170 ), proferida pelo Juiz de Direito Vara de Fazenda Pública de Nova Crixás/GO, que concedeu aposentadoria rural por idade rural pelo RGPS.
Sem tutela provisória nos juízos de origem e recursal.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos.
Nas razões recursais (ID 366085153, pag. 173 a 177) a parte recorrente pediu a reforma da sentença para a denegação do benefício concedido pela sentença recorrida, sob a alegação de não comprovação do direito ao benefício previdenciário por prova idônea e suficiente, na forma da legislação de regência e do entendimento jurisprudencial que mencionou. Alegou, concretamente, o fato de o marido da autora ser garimpeiro conforme certidão de casamento e possuir empresa nos dias atuais.
Intimada, a parte recorrida apresentou contrarrazões, pedindo pela manutenção da sentença recorrida.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1020901-74.2023.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII;39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar: 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991(STJ AgRG no REsp 1073730/CE); 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tema 2 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tema 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo do requerimento, ressalvado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmula 54 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7) extensão da prova material da condição de rurícula em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Temas 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tema 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tema 23 da TNU); 10) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, no prazo de carência do segurado especial.
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois o conjunto de situações excepcionais em dado caso concreto pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar e, conseqüentemente, permitir a exclusão dos períodos descaracterizados do prazo de carência do benefício rural.
A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante.
Consoante jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça: “os documentos trazidos aos autos pelo autor, caracterizados como início de prova material, podem ser corroborados por prova testemunhal firme e coesa, e estender sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores aos das provas apresentadas.” (REsp 1.642.731/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/06/2017).
É prescindível que o início de prova material abranja todo o período de carência exigido para a concessão do benefício previdenciário, desde que a prova testemunhal lhe amplie a eficácia probatória referente ao lapso temporal que se quer ver comprovado.
Ademais, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Assim, são dotados de idoneidade para a comprovação do início de prova material do exercício de atividade rural, dentre outros documentos, as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha de inscrição em Sindicato Rural, contratos de parceria agrícola, nos casos em que a profissão de rurícola estiver expressamente mencionada, desde que amparados por convincente prova testemunhal (STJ, REsp 1.650.326/MT).
E, ainda, a ficha de alistamento militar, certificado de dispensa de incorporação (CDI), título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC), certidão de casamento, carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ, AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS).
De igual forma, são aceitos: certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que estabeleçam, indiquem ou apenas indiciem a ligação da parte autora com o trabalho no meio rural, bem como CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
No caso concreto, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos: escritura de compra e venda, notas fiscais onde consta endereço rural, certidão de casamento, Guia GTA em que consta a autora/apelada como produtora rural – Sítio Esmeralda (ID 366085153, pag. 19 a 35).
A recorrente alega, todavia, a existência de trabalhos urbanos do esposo da recorrida (ID 366085153, pag. 177).
Ocorre a recorrida não se encontra mais casada. Ainda que o fosse, vínculos urbanos de um dos integrantes do núcleo nuclear não impedem a configuração da condição de segurado especial. Isso porque a existência de outra fonte de rendimento ou exercício de trabalho urbano por parte de algum dos membros do grupo familiar, por si só, não descaracteriza a qualidade de segurado especial dos demais componentes do grupo. Todavia, se o produto deste trabalho/renda tiver repercussão importante no grupo de modo a tornar o trabalho rural dispensável ou meramente complementar, há sim a descaracterização (STJ. REsp 1304479/SP, regime recurso repetitivo – art. 543-C do CPC).
Logo, ainda que vivessem maritalmente, o trabalho urbano do companheiro não infirmaria o direito da recorrida.
Além disso, deve ser observada a jurisprudência dominante sobre a limitação dos honorários sucumbenciais até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ, conforme já referido em sentença.
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento.
Majoro os honorários de sucumbência em 1% sobre a mesma base de cálculo da sentença recorrida, levando-se em consideração o trabalho adicional em grau recursal (§11 do art. 85 do CPC).
Correção monetária e juros de mora, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, na versão vigente ao tempo da execução do julgado, observada a prescrição quinquenal.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1020901-74.2023.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 5701232-80.2022.8.09.0176
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: MARILENE FERREIRA DA SILVA ALVES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RGPS. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. UTILIZAÇÃO DO MANUAL DE CÁLCULOS DA JUSTIÇA FEDERAL. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. A concessão do benefício previdenciário em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
2. Mantida a concessão da aposentadoria rural por idade pelo RGPS em razão da satisfação dos requisitos legais.
3. É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), o que torna admissíveis outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
4. A correção monetária e juros de mora deverá observar o disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal, na edição vigente ao tempo da execução, o que acarreta perda de objeto do recurso quanto às referidas matérias (Tema 810 do STF, Tema 905 do STJ e art. 3º e conexos da EC 113/2021)
5. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
