
POLO ATIVO: LUCIMAR DE MEDEIROS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: CLAUDIA MARA DOS SANTOS - RO10797, ANDREIA PAES GUARNIER - RO9713-A e SIMONE ZANETTE NOVAKOWSKI - RO9671
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1016517-68.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que negou o benefício por incapacidade ao segurado especial pelo RGPS (ID 344320631 - pág.21-26).
Não foi concedida tutela antecipada.
O recurso foi recebido e/ou processado em ambos os efeitos (§1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015).
Nas razões recursais, a parte recorrente pediu a reforma da sentença para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, sob a alegação de incapacidade laboral permanente. Aduziu cerceamento de defesa uma vez que o laudo produzido não analisou todas as doenças incapacitantes para o seu labor (ID 344320631 - pág. 07-20).
Intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1016517-68.2023.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão benefício previdenciário em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial, observância do prazo de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar: 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tema 2 da TNU; 4) imediatidade da atividade ao tempo do requerimento, ressalvado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmula 54 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 5) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
Desta forma, para comprovar o trabalho rural em regime de economia familiar, é necessário apresentar documentos ou um começo de evidências materiais, que podem ser complementados pela prova testemunhal. Isso está de acordo com Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Súmula 27 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Assim, o uso de documentos legais para comprovar o trabalho rural pode ser flexibilizado, de acordo com o artigo 106 da Lei 8.213/1991.
De acordo com o art. 11, VII, a, I da Lei 8.213/1991, é considerado segurado especial o produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária.
Importante destacar que o agricultor qualificado como segurado especial é aquele que desempenha suas atividades laborais em regime de economia familiar, com a prática de cultivo da terra, criação de gado, pesca ou outras atividades rurais de subsistência.
Consoante a Lei 8.213/91, a aposentadoria por invalidez ou aposentadoria por incapacidade permanente é devido ao filiado ao RGPS que, mantendo a qualidade de segurado, seja acometido de incapacidade total e definitiva para o trabalho, sem perspectiva de reabilitação profissional. O benefício de auxílio-doença ou auxílio por incapacidade temporária, por sua vez, é devido ao filiado ao RGPS, com qualidade de segurado, que fique incapacitado em caráter provisório para exercer sua atividade laboral. Para ambos os benefícios, o filiado segurado especial deverá comprovar cumprimento de carência de 12 meses, art. 39 da Lei de Benefícios.
No tocante à incapacidade, deverá ser comprovada por laudo pericial produzido em juízo, submetidos à impugnação das partes e a esclarecimentos quando necessários, com descrição do tempo de duração e grau de acometimento da doença.
No caso concreto, a qualidade de segurado especial foi reconhecida pela autarquia previdenciária em sede administrativa, conforme dossiê previdenciário (ID 344320631 - pág. 38-44).
Dessa forma, dispensada a oitiva de testemunhas em audiência para comprovação da qualidade de segurado especial.
A prova pericial produzida durante a instrução processual e, em destaque na sentença, demonstrou a ocorrência de capacidade laboral apenas quanto à visão monocular (ID 344320631- pág. 60-61).
O laudo pericial não analisou as demais doenças imputadas como incapacitantes, que estavam descritas na petição inicial, conforme transcrição adiante (ID 344320631 - Pág. 110):
Ocorre que, desde 1997 o Requerente possui quadro de cegueira em olho direito, em caráter IRREVERSÍVEL e DEFINITIVO, com visão monocular, CID H-54.4, CID H-17.9, CID H-26.1 bem como, Espodilodiscopatia Cervical DEGENERATIVA, Cisto paraforaminais em C6-C7 e C7-T1, além de quadro epilepsia tônico clonica de difícil controle, CID: S-09.1 + G-40.0, em razão de suas atividades desempenhadas no campo.
A sentença recorrida não discorreu sobre as referidas doenças adicionais e limitou-se a analisar as conclusões e impugnações acerca do laudo (ID 344320631 - pág. 21-26):
Sabe-se que o fato de o expert ter concluído diferente daquilo que dispõe os laudos particulares não é uma irregularidade que enseja a realização de nova perícia, pois seria ato contrário à eficiência e a razoável duração do processo, bem como a imparcialidade no sorteio, pois a parte poderia continuar postulando nova perícia até que alguém concordasse com os laudos particulares.
Além disso, quando os peritos estão diante de incapacidade técnica para prosseguir com a perícia, devem informar este juízo, ou mesmo constar observação no laudo sobre quais pontos não podem por ele ser esclarecidos, sob pena de responder na forma do art. 158 do CPC ou, até mesmo, criminalmente, conforme art. 342 do CP.
O que se tem, portanto, no presente caso, são opiniões divergentes de uma ciência que não é exata, o que é razoável. Inclusive, a opinião do perito do juízo não é absurda e isolada, pois se coaduna com a perícia médica do INSS, que entendeu de igual forma.
Ademais, a doença apontada pelo perito judicial é a mesma informada nos laudos particulares, todavia essa não é capaz de tornar a parte autora inapta para o exercício de suas atividades habituais.
(...)
Quanto a incapacidade, o laudo médico (ID 84803683 - Pág. 2 a 3) indica que o autor é portador de cegueira em um olho (CID: H 54.4); que o torna permanente e parcialmente incapaz para as atividades habituais. No entanto, aponta que a patologia não o torna incapaz para o seu trabalho ou atividade habitual, podendo a autora, reabilitar-se em outras atividades laborais (item 10), tendo em vista que, sua limitação funcional é para função que exija visão binocular (item 9).
Com isso, falta a parte autora um dos pressupostos ao deferimento de benefício, qual seja a incapacidade.
(...)
A sentença recorrida deve ser reformada, porque há necessidade de que a instrução processual seja integralmente realizada, através da análise das outras doenças incapacitantes pelo laudo pericial, que deverá concluir pela capacidade ou incapacidade laboral levando-se em consideração o conjunto das doenças apresentadas pela parte autora.
Aplica-se o entendimento jurisprudencial a seguir transcrito:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. LAUDO PEDICIAL MÉDICO INCONCLUSIVO. SENTENÇA ANULADA. 1. Agravo retido não conhecido, porquanto não houve apelação por parte do INSS (art. 523, caput e § 1º do Código de Processo Civil). 2. São requisitos para a concessão dos benefícios previdenciários de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, na forma da Lei nº 8.213/91: 1) auxílio-doença (art. 59): a) qualidade de segurado; b) cumprimento, se for o caso, do período de carência; c) incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias. 2) A aposentadoria por invalidez (art. 42): além dos itens "a" e "b", descritos precedentemente, ser o segurado considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. 3. Na espécie dos autos, o médico perito verificou a presença de sinais e sintomas sugestivos de doença bronco pulmonar obstrutiva crônica e lapsos de memória. No entanto, informa que não há impedimento para o exercício das atividades habituais e laborativas do ponto de vista ortopédico e solicita o encaminhamento da autora para um clínico geral. 4. Laudo pericial extremamente irrisório, desprovido de uma explicação elaborada quanto às outras doenças alegadas na inicial, não servindo, dessarte, como suporte probatório eficaz. Ausência de resposta aos quesitos apresentados pelas partes. 5. Sentença equivocada, sendo certo que sua fundamentação não corresponde ao caso concreto, porquanto o laudo mencionado é peremptório em asseverar que a autora não encontra-se impedida de exercer as atividades habituais e laborativas compatíveis com a idade. 6. Anulação da sentença e determinação do retorno dos autos à vara de origem a fim de que seja realizada nova perícia médica, de preferência pelo mesmo profissional, em que se apure a real situação da autora, e, caso exista incapacidade, se é total ou parcial, temporária ou permanente. 7. Manutenção da tutela antecipada de auxílio-doença concedida, tendo em vista que foi concedida sem levar em consideração a perícia perpetrada e baseada em documentos que atestam a incapacidade temporária da autora. 8. Remessa oficial provida.
(REO 0031133-31.2009.4.01.9199, JUIZ FEDERAL GUILHERME FABIANO JULIEN DE REZENDE, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DE JUIZ DE FORA, e-DJF1 09/11/2015 PAG 725).
Não é possível a prolação de julgamento sucesso de mérito neste juízo ad quem, porque há necessidade de ultimação da instrução processual, razão pela qual inaplicável o §3º do art. 1.012 do CPC.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da parte autora para anular a sentença e determinar a complementação da perícia em face das demais doenças alegada pela parte autora, devendo o julgamento abranger o conjunto das doenças alegadamente incapacitantes na petição inicial.
Os honorários de sucumbência deverá ser arbitrados posteriormente, quando do novo julgamento da causa.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1016517-68.2023.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 7005345-74.2021.8.22.0009
RECORRENTE: LUCIMAR DE MEDEIROS
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RGPS. RURAL. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA COM CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇAS CONCORRENTES NÃO ANALISADAS NO LAUDO PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NOVA PERÍCIA NECESSÁRIA.
1. A concessão benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (testemunhal com ao menos início de prova material contemporânea à prestação laboral), da condição de segurado especial (arts. 11, VII; 39, II; 55; 142 e dispositivos conexos da Lei 8.213/1991).
2. Os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade (aposentadoria por invalidez, aposentadoria por incapacidade permanente, auxílio-doença e auxílio por incapacidade temporária) são devidos ao filiado ao RGPS, com qualidade de segurado, que fique incapacitado para exercer sua atividade laboral por mais de 15 dias consecutivos, que comprove o cumprimento de carência e demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, 15, 25, 26, 42, 59 e demais dispositivos conexos da Lei 8.213/91).
3. Qualidade de segurado especial reconhecida pela autarquia previdenciária em sede administrativa.
4. A prova pericial produzida durante a instrução processual não analisou as demais doenças imputadas como incapacitantes, que estavam descritas na petição inicial. Há necessidade de que a instrução processual seja integralmente realizada, através da análise das outras doenças incapacitantes pelo laudo pericial, que deverá concluir pela capacidade ou incapacidade laboral levando-se em consideração o conjunto das doenças apresentadas pela parte autora.
5. Apelação parcialmente provida, para anular a sentença e determinar a complementação da perícia em face das demais doenças alegada pela parte autora na petição inicial.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
