
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:IZADORA SOUZA E SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: SILVANIO AMELIO MARQUES - GO31741-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1003630-86.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença (ID 189303545 - Pág. 1 a 6) que concedeu o benefício de salário-maternidade por nascimento de filho próprio à segurada especial, pelo RGPS.
Sem tutela provisória.
Nas razões recursais (ID 189303546 - Pág. 2 a 5), pediu a reforma da sentença para a denegação do benefício concedido, sob a alegação de ausência de provas materiais contemporâneas e suficientes para comprovação da atividade rural, anterior à data do parto. Sustentou que “a autora teve o filho com 16 anos e 8 meses, o que nos obriga à constatação de que, para o preenchimento do requisito da carência (10 meses de trabalho rural antes do parto), seria necessário que a mesma trabalhasse desde os 15 anos e 10 meses, o que fere a Constituição Federal/1988”.
Nas contrarrazões, foi pedida a manutenção da sentença recorrida (ID 189303548 - Pág. 2 a 6).

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1003630-86.2022.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, congruência, dialeticidade e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade à segurado especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da qualidade de segurado especial e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar ou equivalente, aplicáveis subsidiariamente à situação do salário-maternidade, observadas as devidas proporções (comparativamente à aposentadoria por idade e outros benefícios): 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tese 2, 11 e 17 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tese 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo abrangido pelo requerimento, respeitado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmulas 54 e 11 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7) extensão da prova material da condição de rurícola em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Teses 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tese 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tese 23 da TNU). 10) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, como segurado especial; 11) possibilidade de consideração das atividades rurais exercidas por menor de idade em regime de economia familiar, nos termos da Súmula 5 da TNU e da Tese 219 da TNU (entre 12 e 14 anos até o advento da Lei 8.213/1991, e a partir de 14 anos após a referida data); 12) inclusão da situação do “boia-fria” como segurado especial (Tese 554 do STJ); 13) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois, em dado caso concreto, uma única situação excepcional (quando relevante, intensa e abrangente) ou o conjunto de situações excepcionais (ainda que acessórias e menos abrangentes, quando individualmente consideradas) pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar.
Possui especial relevância as Teses 11 e 17 da TNU, nos seguintes termos:
Tema 11 da TNU. A exigência de início de prova material contemporânea para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
Tema 17 da TNU. A exigência de início de prova material para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
Em decorrência do nascimento da filha, Ariely Batista de Souza, ocorrido em 12/08/2019 (ID 189303543 - Pág. 14), a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial. Apresentou requerimento administrativo com DER em 11/02/2020 (ID 189303543 - Pág. 31).
Foram juntados os seguintes documentos: certidão de inteiro teor de nascimento da filha, em virtude da qual se postula o benefício previdenciário, registrada em 17/01/2020, de onde se extrai a profissão de trabalhador agropecuário da autora e do seu companheiro (ID 189303542 - Pág. 11); caderneta de saúde da criança, na qual consta o endereço rural da autora (ID 189303542 - Pág. 12); base governamental do CadÚnico, de onde se extrai endereço da autora em Beira do Alma São Salvador, Fazenda Boa Esperança, em 07/05/2019 (ID 189303543 - Pág. 24); CNIS da autora com ausência de vínculos (ID 189303543 - Pág. 57).
Os referidos documentos são idôneos, válidos e suficientes como início de prova material do exercício da atividade rural para a concessão do benefício postulado.
A vedação constitucional ao trabalho aos menores de 16 (dezesseis anos) constante do art. 7º, XXXIII da CF/88 (na redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20, de 1998) é norma de garantia do trabalhador e que visa a proteção da criança, não podendo ser usada em seu desfavor, para impedir o reconhecimento de um direito, quando comprovado que, a despeito da norma protetiva, tenha o menor efetivamente exercido atividade laboral. Precedentes do STF e do STJ.
Comprovado o exercício de trabalho rural anterior à data do parto, ainda que se trate de menor de 16 (dezesseis) anos de idade, é devida a concessão de salário-maternidade
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 189303545 - Pág. 1) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental contemporânea à prestação laboral que se pretende reconhecida em juízo.
A sentença recorrida apresentou a fundamentação a seguir transcrita (ID 189303545 - Pág. 4):
“COMPROVAÇÃO DO PARTO, ABORTO OU ADOÇÃO - IDADE – Certidão de nascimento constante no evento 1, ARIELEY BATISTA DE SOUZA, nascida aos 12.08.2019.
CONDIÇÃO DE SEGURADO E CARÊNCIA:
PROVA MATERIAL CONSTANTE DOS AUTOS:
- comprovante de endereço em zona RURAL em nome de ALICE BATISTA DE ALCANTARA;
- certidão de inteiro teor de nascimento de ARIELY BATISTA DE SOUZA, aos 12.08.2019, constando a profissão do genitor como trabalhador agropecuário;
- cartão da criança constando endereço na zona rural.
PROVA ORAL: as testemunhas ouvidas em audiência foram convincentes em afirmar que a autora sempre morou na roça e de lá tirou seu sustento, sendo que trabalhava antes de ficar gestante e na roça permaneceu durante toda gravidez trabalhando e após o parto.
Quanto ao CNIS trazido pelo INSS, conforme verificado em audiência, não se trata do genitor da criança, sendo pessoa diversa, enquanto o genitor da criança e companheiro da autora se chama ANTONIEL BATISTA DA SILVA, filho de ALICE BATISTA DE ALCANTARA, o que consta no CNIS é ANTONIEL BATISTA DA SILVA, filho de DOMINGAS PEREIRA DA SILVA. A parte autora tem direito ao salário maternidade, na condição de segurada especial”.
A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante.
Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial, faz jus a parte autora ao benefício de salário-maternidade.
A atualização monetária e juros moratórios, incidentes sobre as parcelas pretéritas, devem ser calculados na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, em sua versão vigente ao tempo da execução do julgado. O referido ato incorporou, progressivamente, as determinações legais e jurisprudenciais supervenientes (Tema 810 do STF, Tema 905 do STJ e art. 3º e conexos da EC 113/2021), o que implica perda de objeto da matéria correlata.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação de regência (§11 do art. 85, do CPC/2015, c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento e manter a sentença recorrida nos termos em que foi concedida.
Majoro os honorários de sucumbência na fase recursal em 1% sobre o valor correlato arbitrado na sentença recorrida, “levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal” (§11 do art. 85 do CPC/2015).
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1003630-86.2022.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0000001-69.2021.8.27.2734
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: IZADORA SOUZA E SILVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RGPS. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. SEGURADA ESPECIAL. PROVA DOCUMENTAL IDÔNEA, VÁLIDA E SUFICIENTE. CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte dias), com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
2. A concessão do respectivo benefício previdenciário, na qualidade de segurado especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da condição de segurado especial, e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (art. 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
3. Em decorrência do nascimento da filha, Ariely Batista de Souza, ocorrido em 12/08/2019 (ID 189303543 - Pág. 14), a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial. Apresentou requerimento administrativo com DER em 11/02/2020 (ID 189303543 - Pág. 31).
4. Foram juntados os seguintes documentos: certidão de inteiro teor de nascimento da filha, em virtude da qual se postula o benefício previdenciário, registrada em 17/01/2020, de onde se extrai a profissão de trabalhador agropecuário da autora e do seu companheiro (ID 189303542 - Pág. 11); caderneta de saúde da criança, na qual consta o endereço rural da autora (ID 189303542 - Pág. 12); base governamental do CadÚnico, de onde se extrai endereço da autora em Beira do Alma São Salvador, Fazenda Boa Esperança, em 07/05/2019 (ID 189303543 - Pág. 24); CNIS da autora com ausência de vínculos (ID 189303543 - Pág. 57).
5. Comprovado o exercício de trabalho rural anterior à data do parto, ainda que se trate de menor de 16 (dezesseis) anos de idade, é devida a concessão de salário-maternidade.
6. Concedido salário-maternidade para segurada especial em razão da satisfação dos requisitos legais.
7. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
