
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARINETE DE FRANCA BORGES
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: HELBA RAYNE CARVALHO DE ARAUJO - TO6219-S e ANDRE FRANCELINO DE MOURA - TO2621-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1005887-84.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS, com a finalidade de obter a reforma da sentença (ID 194625063 - Pág. 59 a 65) que concedeu o benefício de salário-maternidade por nascimento de filho próprio à segurada especial, pelo RGPS.
Sem tutela provisória.
Nas razões recursais (ID 194625063 - Pág. 67 a 70), pediu a reforma da sentença para a denegação do benefício concedido, sob a alegação de ausência de provas materiais contemporâneas e suficientes para comprovação da atividade rural, anterior à data do parto. Sustentou pela existência de vínculos de trabalho no CNIS do companheiro da autora incompatíveis com a condição de segurada especial.
Nas contrarrazões, foi pedida a manutenção da sentença recorrida (ID 194625063 - Pág. 72 a 77).

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1005887-84.2022.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, congruência, dialeticidade e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade à segurado especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da qualidade de segurado especial e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar ou equivalente, aplicáveis subsidiariamente à situação do salário-maternidade, observadas as devidas proporções (comparativamente à aposentadoria por idade e outros benefícios): 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tese 2, 11 e 17 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tese 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo abrangido pelo requerimento, respeitado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmulas 54 e 11 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7) extensão da prova material da condição de rurícola em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Teses 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tese 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tese 23 da TNU). 10) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, como segurado especial; 11) possibilidade de consideração das atividades rurais exercidas por menor de idade em regime de economia familiar, nos termos da Súmula 5 da TNU e da Tese 219 da TNU (entre 12 e 14 anos até o advento da Lei 8.213/1991, e a partir de 14 anos após a referida data); 12) inclusão da situação do “boia-fria” como segurado especial (Tese 554 do STJ); 13) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois, em dado caso concreto, uma única situação excepcional (quando relevante, intensa e abrangente) ou o conjunto de situações excepcionais (ainda que acessórias e menos abrangentes, quando individualmente consideradas) pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar.
Possui especial relevância as Teses 11 e 17 da TNU, nos seguintes termos:
Tema 11 da TNU. A exigência de início de prova material contemporânea para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
Tema 17 da TNU. A exigência de início de prova material para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
As referidas teses foram potencializadas no julgamento da ADI 2.110, no qual o STF, por maioria, com base no voto do ministro Edson Fachin, declarou a inconstitucionalidade da norma que passou a exigir carência de 10 meses de contribuição para a concessão do salário-maternidade para as trabalhadoras autônomas (contribuintes individuais), para as trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e para as contribuintes facultativas. Para os ministros que acompanharam o voto vencedor em comento, a exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras viola o princípio da isonomia. Consta da certidão do julgamento da ADI 2.110, no que se refere ao salário-maternidade, o seguinte (original sem destaque): "Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes; e (b) julgou (...)".
Em decorrência do nascimento do filho, Allehandro Alves Borges, ocorrido em 23/11/2017 (ID 194625061 - Pág. 20), a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial. Apresentou requerimento administrativo com DER em 21/11/2018 (ID 194625061 - Pág. 45).
Foram juntados os seguintes documentos: contrato particular de compra e venda de imóvel rural com cessão de direitos possessórios celebrado entre Alfredo José Rocha e Raimundo Alves Goes em 16/12/2011, tendo por objeto um imóvel rural com área de 35,6942 hectares, lote 291, Loteamento Campos Lindos, Fazenda Vão do Coco (ID 194625061 - Pág. 23 a 25); declaração particular prestada por Raimundo Alves Goes em 12/06/2018, na qual informa que a autora exerce atividade agrícola em sua propriedade, em uma área de 3 hectares no período de 07/01/2015 a 12/06/2018 (ID 194625061 - Pág. 28); certidão de nascimento do filho, em virtude do qual se postula o benefício previdenciário, registrado em 16/02/2018, de onde se extrai a profissão de lavradora da autora (ID 194625061 - Pág. 18); Declaração de atividade rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos Lindos/TO em 15/06/2018, na qual informa que a autora exerceu atividade rural no período de 07/01/2015 a 12/06/2018 (ID 194625061 - Pág. 31 a 33); comprovante de filiação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos Lindos/TO, admissão em 15/06/2018 (ID 194625061 - Pág. 36 a 40); CNIS sem registros de qualquer natureza (ID 194625063 - Pág. 14).
Os referidos documentos são idôneos, válidos e suficientes como início de prova material do exercício da atividade rural para a concessão do benefício postulado.
Para caracterizar o início de prova material, deve-se presumir a continuidade do labor rural nos períodos imediatamente próximos à data do documento, sobretudo no período anterior à comprovação, sendo inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental.
Não impede a concessão do benefício as anotações de atividades formais do pai da criança (ID 194625063 - Pág. 69). A atividade do pai da criança, conforme informado quando do registro de nascimento do filho da autora, era “lavrador”. Caberia ao INSS esclarecer o vínculo laboral e familiar nos termos do art. 373 do CPC/2015.
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 194625063 - Pág. 49) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental contemporânea à prestação laboral que se pretende reconhecida em juízo.
A sentença recorrida apresentou a fundamentação a seguir transcrita (ID 194625063 - Pág. 62):
“Comprovados o exercício e o tempo de atividade rural da parte autora como segurada especial, por meio de razoável início de prova material corroborada através da prova testemunhal, não se verificam restrições à concessão do benefício.
Quanto à prova material, os documentos juntados pela parte autora na inicial comprovam sua qualidade de segurada especial no tempo de carência exigido para concessão do benefício.
Como documentos comprobatórios foram juntados declaração do proprietário da terra (evento 1, DECL6); declaração de atividade rural (evento 1, DSINRURAL7); ficha de cadastro do trabalhador rural (evento 1, ANEXO8).
Os documentos constam a profissão da requerente como lavradora, bem como indicam o período de carência no exercício da atividade rural como segurada especial.
Em relação à prova oral, as testemunhas ouvidas afirmaram que a parte autora laborou durante toda a sua gestação na fazenda de seu tio, Fazenda Vão do Coco, lá também trabalhando após sua gestação, em regime de comodato.
Dessa forma, forçoso reconhecer que a autora faz jus ao benefício pleiteado, uma vez que logrou êxito em comprovar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, no período de 10 (dez) meses anteriores ao parto”.
A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante.
Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial, faz jus a parte autora ao benefício de salário-maternidade.
A atualização monetária e juros moratórios, incidentes sobre as parcelas pretéritas, devem ser calculados na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, em sua versão vigente ao tempo da execução do julgado. O referido ato incorporou, progressivamente, as determinações legais e jurisprudenciais supervenientes (Tema 810 do STF, Tema 905 do STJ e art. 3º e conexos da EC 113/2021), o que implica perda de objeto da matéria correlata.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação de regência (§11 do art. 85, do CPC/2015, c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento e manter a sentença recorrida nos termos em que foi concedida.
Majoro os honorários de sucumbência na fase recursal em 1% sobre o valor correlato arbitrado na sentença recorrida, “levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal” (§11 do art. 85 do CPC/2015).
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1005887-84.2022.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0001762-51.2019.8.27.2720
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: MARINETE DE FRANCA BORGES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RGPS. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. SEGURADA ESPECIAL. PROVA DOCUMENTAL IDÔNEA, VÁLIDA E SUFICIENTE. CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte dias), com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
2. A concessão do respectivo benefício previdenciário, na qualidade de segurado especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (documental e testemunhal), da condição de segurado especial, e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (art. 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
3. Em decorrência do nascimento do filho, Allehandro Alves Borges, ocorrido em 23/11/2017 (ID 194625061 - Pág. 20), a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial. Apresentou requerimento administrativo com DER em 21/11/2018 (ID 194625061 - Pág. 45).
4. Foram juntados os seguintes documentos: contrato particular de compra e venda de imóvel rural com cessão de direitos possessórios celebrado entre Alfredo José Rocha e Raimundo Alves Goes em 16/12/2011, tendo por objeto um imóvel rural com área de 35,6942 hectares, lote 291, Loteamento Campos Lindos, Fazenda Vão do Coco (ID 194625061 - Pág. 23 a 25); declaração particular prestada por Raimundo Alves Goes em 12/06/2018, na qual informa que a autora exerce atividade agrícola em sua propriedade, em uma área de 3 hectares no período de 07/01/2015 a 12/06/2018 (ID 194625061 - Pág. 28); certidão de nascimento do filho, em virtude do qual se postula o benefício previdenciário, registrado em 16/02/2018, de onde se extrai a profissão de lavradora da autora (ID 194625061 - Pág. 18); declaração de atividade rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos Lindos/TO em 15/06/2018, na qual informa que a autora exerceu atividade rural no período de 07/01/2015 a 12/06/2018 (ID 194625061 - Pág. 31 a 33); comprovante de filiação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos Lindos/TO, admissão em 15/06/2018 (ID 194625061 - Pág. 36 a 40); CNIS sem registros de qualquer natureza (ID 194625063 - Pág. 14).
5. Concedido salário-maternidade para segurada especial em razão da satisfação dos requisitos legais.
6. Apelação não provida
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
