
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:SILVIO MARTINS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: VALERIA APARECIDA SOLDA DE LIMA - MT9495-A e DIONE KAROLINE GONCALVES HOLANDA - MT20694-A
RELATOR(A):LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO

APELAÇÃO CÍVEL (198)1014560-32.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO (RELATORA CONVOCADA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS, de sentença na qual foi julgado procedente o pedido para conceder aposentadoria híbrida à parte autora, desde a data do requerimento administrativo (03/12/2019) (fls. 181/189).
Em suas razões, a Autarquia pede a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, ao argumento de que, após a cessação de auxílio-doença cuja apelada era beneficiária, não há prova material do retorno à atividade rural (fls. 208/214).
Nas contrarrazões, a parte autora pugna pela manutenção da sentença (fls. 218/232).
É o relatório.

VOTO
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO (RELATORA CONVOCADA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Aposentadoria por idade híbrida.
O art. 48 da Lei nº 8.213/91, com as alterações impostas pela Lei nº 11.718/2008, ao disciplinar o benefício de aposentadoria por idade, determina que:
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1ºOs limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
(Revogado)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1ºdeste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9ºdo art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)”.
Dessa forma, a inovação legislativa conferiu tanto ao trabalhador urbano, quanto ao segurado especial, que tenha contribuído em outra categoria de segurado, a possibilidade de computar período rural para implementação dos requisitos necessários à aposentadoria, desde que cumprido o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que o “tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, §3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo” (Tema 1007 - REsp 1674221/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019).
Assim, impõe-se examinar se estão presentes os seguintes requisitos legais para a concessão do benefício.
Do regime de economia familiar.
Nos termos do §1º, do art. 11 da Lei do Regime Geral da Previdência Social, considera-se trabalho rural em regime de economia familiar a atividade na qual “o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”.
Das provas.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que, diante da dificuldade do segurado especial na obtenção de prova escrita do exercício de sua profissão, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo. Assim, são admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo, inclusive que estejam em nome de membros do grupo familiar (REsp n. 1.354.908/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 9/9/2015, DJe de 10/2/2016).
A corte superior também sedimentou entendimento, inclusive sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil (Tema 638) - o qual deu origem ao enunciado de Súmula 577, acerca da possibilidade de extensão da eficácia probatória da prova material tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento apresentado, desde que corroborada por robusta prova testemunhal, não admitindo, nos termos da Súmula 149, a prova exclusivamente testemunhal (AgInt no REsp n. 1.949.509/MS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 17/2/2022).
Do caso em exame:
A parte autora, nascida em 24/12/1951, implementou o requisito etário para a aposentadoria hibrida em 24/12/2016 (65 anos), tendo formulado o requerimento administrativo em 03/12/2019.
Para a comprovação da qualidade de segurado e carência, foram apresentados os seguintes documentos: a) Certidão de casamento própria, registrado em 04/1978, constando o autor como lavrador (fl. 32); b) CTPS com anotação de contrato de trabalho no cargo de “trabalhador rural” entre 05/2000 e 10/2000, 05/2002 e 10/2002, 05/2003 e 11/2003, 06/2004 e 11/2004 e entre 04/2007 e 07/2007; e no cargo de “trab. cultura de cana de açúcar” entre 04/2005 e 11/2005 e entre 04/2006 e 11/2006 (fls. 33/41); c) Nota de fornecimento de produto agrícola, datada de 08/1994 (fl. 43); d) Boletim escolar do filho relativo ao ano de 1982 (fl. 50).
Em relação à atividade urbana, apresentou cópia do extrato do CNIS contendo vínculo de trabalho formal entre 04/1997 e 12/1998, 03/2001 e 04/2003 e entre 02/2004 e 07/2010.
Todavia, analisando os autos, verifico que, apesar de haver indícios de que o núcleo familiar já foi vinculado à lida rural, os documentos apresentados pela parte autora não representam um início razoável de prova material da condição de segurada especial durante todo o período de carência.
Nesse sentido, o INSS apresentou o CNIS do apelante, no qual demonstra que ele foi beneficiário de auxílio-doença entre 20/08/2009 e 29/05/2019.
Dessa forma, do conjunto probatório, conclui-se que não há informação sobre a manutenção da sua condição de rurícola após a cessação do benefício em maio de 2019, uma vez que, entre a data de entrada do requerimento administrativo pleiteando a aposentadoria rural (03/12/2019) e o término da incapacidade temporária (29/05/2019), houve um intervalo de menos de 7 meses, de modo que não restou demonstrado o labor rural, ou até mesmo urbano, dentro deste período.
À vista disso, segue o seguinte julgado deste Tribunal:
"PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE COMO PERÍODO DE CARÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NÃO INTERCALADO COM PERÍODO CONTRIBUTIVO. TEMA 1125 STF. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. O benefício previdenciário de aposentadoria por idade do trabalhador urbano exige o cumprimento do requisito etário, carência mínima exigida e qualidade de segurado. 2. As anotações da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) constituem, para efeitos previdenciários, prova suficiente do tempo de serviço, gozando de presunção relativa de veracidade, ainda que as anotações não constem do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), conforme Súmula 75 da TNU 3. O entendimento do eg. STJ é no sentido de que somente é possível a consideração dos períodos em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez como carência para a concessão de aposentadoria por idade, se intercalados com períodos contributivos. (Resp 1.422.081 SC Ministro Mauro Campbell Marques - Segunda Turma, julgado em 24/04/2014, DJ-e 02/05/2014) 4. No caso dos autos, a parte autora, embora tenha gozado de benefício por incapacidade do período de 21/02/2019 a 10/11/2022, conforme CNIS, este período não foi intercalado por contribuição. 5. Não atendidos os requisitos necessários para concessão do benefício de aposentadoria por idade, deve ser mantida a sentença nos moldes como prolatada. 6. Manutenção dos honorários advocatícios arbitrados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento), nos termos do art. 85, §11, do CPC, cuja exigibilidade encontra-se suspensa por cuidar-se de beneficiário da Justiça Gratuita. 7. Apelação da parte autora a que se nega provimento.
(AC 1012672-28.2023.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, TRF1 - NONA TURMA, PJe 22/05/2024 PAG.)"
Assim sendo, torna-se impossível o reconhecimento desta qualidade apenas e tão somente com base em prova testemunhal, valendo a transcrição do enunciado da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido:
“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário”.
No julgamento do REsp 1352721/SP, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa” (REsp n. 1.352.721/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe de 28/4/2016).
Nesse contexto, ausente um dos requisitos necessários ao reconhecimento da qualidade de segurada especial, qual seja, o início de prova material da atividade rural exercida, carece a autora de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo.
Com esses fundamentos, julgo extinto o processo, de ofício, sem resolução do mérito, com base no art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, e declaro prejudicada a apelação interposta pelo INSS.
É como voto.
Brasília, 28 de agosto de 2024.
Juíza Federal LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO
Relatora Convocada

APELAÇÃO CÍVEL (198)1014560-32.2023.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SILVIO MARTINS
Advogados do(a) APELADO: DIONE KAROLINE GONCALVES HOLANDA - MT20694-A, VALERIA APARECIDA SOLDA DE LIMA - MT9495-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA HÍBRIDA OU MISTA. ART. 48, § 3º E 4º DA LEI 8.213/91. IDADE MÍNIMA COMPROVADA. CÔMPUTO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE COMO PERÍODO DE CARÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE QUANDO NÃO INTERCALADO COM PERÍODO CONTRIBUTIVO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO EFETIVO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. IRRELEVÂNCIA DA PROVA TESTEMUNHAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. EXAME DA APELAÇÃO PREJUDICADO.
1. O art. 48, §3º, da Lei n. 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 11.718/08, permite a concessão de aposentadoria por idade uma vez implementadas a idade mínima e a carência, considerando o cômputo do tempo de serviço urbano e o tempo de serviço rural.
2. Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural estão dispostos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido. O art. 48, §3º, da Lei de Benefícios, por sua vez, traz a previsão da aposentadoria por idade mista ou híbrida, na qual há a contagem híbrida da carência (não contributiva rural e contributiva urbana), exigindo-se o requisito etário sem o redutor dos cinco anos, isto é, exigência integral de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
3. Decidiu o STF no RE 1.298.832/RS, com repercussão geral reconhecida, restando fixada a seguinte tese: "É constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalados com atividade laborativa". (Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 25/02/2021 Tema 1125).
4. Não tendo sido apresentado, ao menos, um início razoável de prova material suficiente para a comprovação do retorno ao exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, resta afastado o direito à aposentadoria pleiteada, porque a condição de segurado especial não pode ser reconhecida apenas e tão somente com base em prova testemunhal (Súmula nº 149, Superior Tribunal de Justiça).
5 O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do tema repetitivo 629, firmou a tese de que "a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa" (REsp n. 1.352.721-SP, Rel. MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, j. 16/12/2015, DJe 28/4/2016).
6. Processo julgado extinto, de ofício, sem resolução do mérito. Exame do recurso de apelação do INSS prejudicado.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma, por unanimidade, extinguir o processo, de ofício, sem apreciação do mérito, e declarar prejudicado o exame do recurso de apelação interposto pelo INSS, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 28 de agosto de 2024.
Juíza Federal LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO
Relatora Convocada
