
POLO ATIVO: PAULO RUFINO DOS REIS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: SHIRLENE BENITES - MT16211-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1028449-58.2020.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora, de sentença na qual foi julgado improcedente o seu pedido de concessão de aposentadoria por idade, na qualidade de trabalhadora rural, com a sua condenação no pagamento das custas e honorários advocatícios, ficando suspensa a exigibilidade destas verbas, nos termos do art. 98, §3º, do Código de Processo Civil (fls. 23/28).
Em suas razões, a apelante pede a reforma da sentença para que seja julgado procedente o seu pedido, ao argumento de que houve o preenchimento de todos os requisitos legalmente exigidos para a concessão do benefício (fls. 08/18).
Sem contrarrazões.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Aposentadoria híbrida.
O art. 48 da Lei nº 8.213/91, com as alterações impostas pela Lei nº 11.718/2008, ao disciplinar o benefício de aposentadoria por idade, determina que:
“Art. 48.A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1ºOs limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
(Revogado)
§ 2ºPara os efeitos do disposto no § 1ºdeste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9ºdo art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 3ºOs trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4ºPara efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)”.
Dessa forma, a inovação legislativa conferiu tanto ao trabalhador urbano, quanto ao segurado especial, que tenha contribuído em outra categoria de segurado, a possibilidade de computar período rural para implementação dos requisitos necessários à aposentadoria, desde que cumprido o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que o “tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, §3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo” (Tema 1007 - REsp 1674221/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019).
Assim, impõe-se examinar se estão presentes os seguintes requisitos legais para a concessão do benefício.
Do regime de economia familiar.
Nos termos do §1º, do art. 11 da Lei do Regime Geral da Previdência Social, considera-se trabalho rural em regime de economia familiar o efetivo exercício da atividade campesina na qual “o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”.
Das provas.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que, diante da dificuldade do segurado especial na obtenção de prova escrita do exercício de sua profissão, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo. Assim, são admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo, inclusive que estejam em nome de membros do grupo familiar (REsp n. 1.354.908/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 9/9/2015, DJe de 10/2/2016).
A Corte Superior também sedimentou entendimento, inclusive sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil (Tema 638) - o qual deu origem ao enunciado de Súmula 577, acerca da possibilidade de extensão da eficácia probatória da prova material tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento apresentado, desde que corroborada por robusta prova testemunhal, não admitindo, nos termos da Súmula 149, a prova exclusivamente testemunhal (AgInt no REsp n. 1.949.509/MS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 17/2/2022).
Do caso em exame:
A parte autora, nascida em 02/11/1958, implementou o requisito etário para aposentadoria rural em 02/11/2018 (60 anos), tendo formulado o seu requerimento administrativo de benefício em 05/11/2018.
Para a comprovação da qualidade de segurado especial e da carência, foram apresentados os seguintes documentos: a) Fatura de serviço de energia elétrica em nome do autor, contendo endereço em zona rural (fl. 64); b) Certidão de casamento própria, realizado em 05/1983, constando o requerente como lavrador (fl. 66); c) Contrato particular de compromisso de compra e venda de um lote de terra, sem sinal público, datado de 03/1998 (fl. 69); d) Notas fiscais de venda de café, de mamona e de gado, datadas entre 2000 e 2006, entre 2010 e 2015 e em 2017 (fls. 70/78, 81/88); e) Notas fiscais de compra de vacinas e de insumos, datadas entre 2008 e 2009 e entre 2018 e 2019 (fls. 78/81, 89/90).
Malgrado a quantidade de documentos trazidos aos autos, pela parte autora, ora apelante, com o objetivo de demonstrar a exploração da sua atividade rural, sob o regime de economia familiar, verifico que o INSS apresentou o Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, do qual se extrai que aquela manteve diversos vínculos formais na qualidade de segurado empregado, no período compreendido entre 2002 a 2016.
Ocorre, todavia, que, em consulta realizada no extrato previdenciário do apelante, ficou constatado que a própria Autarquia apelada reconheceu a sua qualidade de segurado especial entre 26/10/1994 e 31/03/2002, 01/06/2002 e 31/05/2006 e entre 01/01/2017 e 30/08/2022.
Desta forma, resta demonstrada a atividade rural em regime economia familiar em parte do período, que somado ao tempo de atividade urbana na qualidade de empregado - conforme registrado na Carteira de Trabalho e no CNIS -, completam a carência necessária à concessão de aposentadoria híbrida, por idade, em atenção ao princípio da fungibilidade, a partir da data de implementação do requisito etário (65 anos), ou seja, 02/11/2023, conforme disposto no art. 48 da Lei nº 8.213/91.
Ademais disso, ao apreciar recurso especial em sede de repetitivo (Tema 995), o Superior Tribunal de Justiça fixou o seguinte entendimento: “É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.” (REsp n. 1.727.063/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 23/10/2019, DJe de 2/12/2019.).
Nesse sentido, o seguinte julgado:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. HÍBRIDA OU MISTA. TEMPO RURAL E URBANO. ART. 48 § 3º, LEI 8.213/91. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. FUNGIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. TEMA 1007 DO STJ. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL DE IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A situação posta nos autos se enquadra exatamente na hipótese descrita no § 3º do art. 48, da Lei de Benefícios: a aposentadoria por idade mista ou híbrida, na qual há a contagem híbrida da carência (não contributiva rural e contributiva urbana), exigindo-se o requisito etário sem o redutor dos cinco anos, isto é, 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher. 2. O benefício híbrido previsto no artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, destina-se aos trabalhadores rurais que, por alguma circunstância, trabalharam no meio urbano, não importando se retornaram ou não ao campo ao tempo do implemento do requisito etário ou da apresentação do requerimento administrativo. 3. Em recente julgado do STJ, em sede de recurso repetitivo (Tema 1007), fixou-se a seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo. 4. Em homenagem ao princípio da fungibilidade dos benefícios previdenciários e tendo em conta que o INSS tem o dever de conceder ao beneficiário a melhor opção que lhe cabe, não é defeso ao magistrado conceder, de ofício, ou por fundamento diverso, em ação previdenciária, a prestação pecuniária que é devida ao jurisdicionado. Precedentes. 5. Na hipótese, constata-se que a parte-autora atingiu a idade mínima e cumpriu o período equivalente ao prazo de carência exigidos em lei. O início razoável de prova material, representado pelos documentos catalogados à inaugural, corroborado por prova testemunhal idônea e inequívoca, comprova a condição de segurada especial da parte-autora, a qual apresentou, ainda, documentos comprobatórios de vínculos urbanos. 6. Preenchidos, portanto, os requisitos do art. 48, §3º, da Lei 8.213/91, deve ser concedido o benefício de aposentadoria rural híbrida ou mista à parte-autora. 7. O termo inicial do benefício deve ser a data em que a parte requerente implementou o requisito etário, ou seja, 23/08/2022 (data de nascimento: 23/08/1957). 8. Honorários advocatícios fixados, em favor da parte-autora, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das diferenças vencidas até a data da prolação deste acórdão, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º e 11 do CPC. 9. Juros de mora e correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. 10. Apelação da parte-autora provida. Concessão da aposentadoria híbrida, de ofício, em razão do princípio da fungibilidade dos benefícios." (AC 1008590-22.2021.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 09/08/2023 PAG.)
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE, em sede de repercussão geral e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905).
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação para, reformando a sentença, condenar o INSS a conceder o benefício de aposentadoria híbrida, por idade, e a pagar as parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária e de juros de mora, além dos honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
120APELAÇÃO CÍVEL (198)1028449-58.2020.4.01.9999
PAULO RUFINO DOS REIS
Advogado do(a) APELANTE: SHIRLENE BENITES - MT16211/O
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA HÍBRIDA OU MISTA, POR IDADE. ART. 48, § 3º E 4º DA LEI 8.213/91. IDADE MÍNIMA COMPROVADA. PROVA DO TRABALHO RURAL. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO. REQUISITOS CUMPRIDOS. FUNGIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. CONSECTÁRIOS DA CONDENAÇÃO.
1. O art. 48, §3º, da Lei n. 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 11.718/08, permite a concessão de aposentadoria por idade uma vez implementadas a idade mínima e a carência, considerando o cômputo do tempo de serviço urbano e o tempo de serviço rural.
2. Comprovada a atividade rural como segurado especial, bem como o tempo de contribuição como empregado rural ou urbano, pelo período de carência exigido em lei, deve ser concedida a aposentadoria por idade híbrida.
3. Tendo em vista o princípio da fungibilidade dos benefícios previdenciários e, mormente ao dever do INSS de conceder o melhor benefício, pode o magistrado deferir, de ofício, pedido distinto do que consta na exordial.
4. A correção monetária e os juros de mora devem observar o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.495.146/MG (Tema 905).
5. Apelação interposta pela parte autora parcialmente provida para, reformando a sentença, conceder o benefício de aposentadoria hibrida, por idade, a partir da data do implemento etário (65 anos – 02/11/2023), em razão do princípio da fungibilidade.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação interposta pela parte autora, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
