
POLO ATIVO: MOACIR ANTONIO FONTANA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MALU MACEDO MALLMANN - MT21511/O
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1008988-66.2021.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por Moacir Antônio Fontana em face da sentença de ID 112250516 (págs. 99 a 101) que negou aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015).
Nas razões recursais (ID 112250516 - Pág. 104 a 114), foi pedida a reforma da sentença para a concessão do benefício, sob a alegação de apresentação de provas idôneas e suficientes para comprovação da atividade rural exercida pelo tempo necessário para complementação da carência mínima. Sustentou que há qualidade de segurado especial.
Intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1008988-66.2021.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/2022).
A concessão do benefício previdenciário referido na causa depende da demonstração, por prova idônea e suficiente de tempo de serviço/contribuição, efetivada por prova documental plena ou início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal. A Súmula 27 do TRF1 estabelece que “Não é admissível prova exclusivamente testemunhal para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural (Lei 8.213/1991, art. 55, § 3º)”.
A parte rural da carência não se encontrar sujeita ao recolhimento das contribuições correspondentes para efeito de sua utilização para obtenção do benefício de aposentadoria por idade no RGPS, conforme entendimento jurisprudencial dominante (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019).
É pacífica a jurisprudência do STJ e do TRF da 1ª Região no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), o que permite a aceitação de outros documentos para a comprovação do exercício de atividade rural.
Na consideração da abrangência temporal da documentação apresentada, pode ser aplicada a inteligência da Súmula 577 do STJ, que estabelece que “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório”.
As disposições contidas no § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003 dispensou o requisito da qualidade de segurado, na hipótese da aposentadoria por idade, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Consigne-se, ao ensejo, que em se tratando de aposentadoria por idade híbrida não se exige a simultaneidade entre o implemento do requisito etário e o exercício da atividade laborativa, seja esta urbana ou rural.
Seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido por ocasião do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
O autor nasceu em 19/11/1952 e completou 65 anos em 19/11/2017 (ID 112244059 - Pág. 24). Apresentou requerimento administrativo (primeira DER em 15/09/2016, conforme ID 112244059 - Pág. 40).
No caso em apreço, o labor urbano foi comprovado pela apresentação do contrato de trabalho celebrado com o Bando Itaú S/A, no período de 17/12/1975 a 24/06/1977 (ID 112244059 - Pág. 51 e 52), e CNIS (ID 112244059 - Pág. 28 a 31), com registro de contribuição de 01/07/1977 a 30/11/1983, 01/04/2005 a 30/04/2005, 01/01/2006 a 31/03/2006, 01/06/2006 a 31/07/2006. Há registro no CNIS como segurado especial no período de 31/12/1996 a 01/01/1999 e de 31/12/2007 a 22/06/2008 com indicador “ISE-CVU” (período de segurado especial concomitante com outro período urbano). Total de 131 contribuições mensais como carência, insuficiente por si só.
Resta a comprovação de 49 meses de tempo rural em regime de economia familiar para a complementação do período de carência (180 meses).
Quanto à prova da atividade rural em regime de economia familiar, exige-se razoável início de prova material, sendo vedada a prova exclusivamente testemunhal (art. 55, §3º, da Lei 8.213/1991 e Súmula 149/STJ).
Para fins de comprovação da atividade rural em regime de economia familiar, o autor juntou aos autos os seguintes documentos: entrevista rural (ID 112244059 - Pág. 36 e 37); inscrição de produtor no cultivo de soja, data da situação cadastral em 01/06/2001, data início PED em 02/12/2011 (ID 112244059 - Pág. 45); consulta pública ao SINTEGRA/ICMS, em 16/06/2004 (ID 112244059 - Pág. 46); comprovante de filiação do terceiro Reinaldo Fontana, ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palotina, com admissão em 06/02/1972 (ID 112244059 - Pág. 47); contrato particular e compra e venda de defensivos agrícolas, equivalente a 168 litros de herbicida furore, no qual o autor está qualificado como agricultor, com residência na Fazenda Colibri, no município de N. Mutum/MT, em 19/02/1993 (ID 112244059 - Pág. 49 e 50); contrato particular de compromisso de compra e venda e permuta, celebrado pelo autor para aquisição de 6.000 kg de soja, celebrado em 31/01/1995 (ID 112244059 - Pág. 53 e 54); contrato de compra e venda de 19.304 kg de soja, em 14/06/1994 (ID 112244059 - Pág. 55); contrato de compra e venda de 6.230 kg de soja adquiridos pelo autor em 03/05/1994 (ID 112244059 - Pág. 56); certidão de matrícula de imóvel rural, com área de 83,3 hectares, na qual consta a doação feita pelo autor ao filho, reservado o usufruto vitalício, em 04/02/1998 (ID 112244059 - Pág. 58 e ID 112250516 - Pág. 1); escritura pública de compra e venda de imóvel rural, na qual o autor figura como comprador de um lote rural com área de 83,3595 hectares, e está qualificado como agricultor e com residência na Fazenda Colibri, em 04/08/1992 (ID 112250516 - Pág. 2); notas fiscais de aquisição de soja em grãos emitida em 19/04/1989 (ID 112250516 - Pág. 5); nota fiscal de aquisição de areia lavada no valor total de R$ 3.360,00, em 24/07/1990 (ID 112250516 - Pág. 6); nota fiscal de aquisição de insumos agrícolas, emitida em 02/10/1992, na qual consta endereço do autor na Fazenda Colibri (ID 112250516 - Pág. 9); nota fiscal de aquisição de calcário, emitida em 15/08/1992 (ID 112250516 - Pág. 17); nota fiscal de aquisição de milho comercial, emitida em 31/12/1993 (ID 112250516 - Pág. 21); notas fiscais de aquisição de insumos agrícolas, emitidas em 26/11/1994, 19/01/1995 e 02/01/1996, nas quais consta endereço do autor na Fazenda Colibri (ID 112250516 - Pág. 24, 25, 32); recibos de aquisição de insumos agrícolas, no valor de R$ 5.839,19, R$ 843,69, R$ 1.008,54 e R$ 308,59, emitidos em 01/07/2002 (ID 112250516 - Pág. 44 a 47); nota fiscal no valor de R$ 1.119,70, em 22/05/2001 (ID 112250516 - Pág. 34); notas fiscais de aquisição de produtos agrícolas no valor de R$ 3.760,50, R$ 6.050,40 e R$ 1.799,20, emitidas em 17/12/2001, 14/02/2002 e 04/11/2002, respectivamente (ID 112250516 - Pág. 43 e 48); duplicata mercantil no valor de R$ 936,00, em 15/01/2002 (ID 112250516 - Pág. 42); nota fiscal de óleo diesel (ID 112250516 - Pág. 24 e 31).
A sentença recorrida analisou especificamente a situação do autor-recorrente, quando concluiu o seguinte (ID 112250516 - Pág. 101):
“A análise dos documentos acima comprova que a parte autora não é segurado especial, principalmente pela quantidade de defensivos agrícolas adquiridos, grãos de soja comercializados e óleo diesel comprado, inconteste que a parte autora é um médio produtor rural, que produz/produziu com ajuda de maquinários na Fazenda Colibri, não se encaixando no contexto de pequeno produtor rural, situante, agricultor de subsistência que a lei concede a aposentadoria independente de contribuição. Importante destacar que a aposentadoria especial rural não tem como função premiar quem um dia em sua vida trabalhou no campo, mas sim amparar aqueles que devido a lida campesina não conseguem se adaptar ao trabalho na cidade. Nesse sentido, inviável a concessão da aposentadoria, conforme ementa do acórdão do TRF1: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. PRODUTOR RURAL. DESCARACTER
No caso em apreço, apesar da prova testemunhal, os documentos dos autos apontam que a parte autora é ou foi, no período que labutou no campo, agricultor de médio porte, não fazendo jus a aposentadoria concedida aos trabalhadores rurais. Portanto, não conseguindo a parte Requerente provar através de início de prova material razoável a sua atividade rurícola, deve o seu pedido ser julgado improcedente. Decido. Ex positis, julgo IMPROCEDENTE o pedido aduzido pela Requerente Moacir Antonio Fontana, decidindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC”.
As circunstâncias do caso são incompatíveis a condição de regime de economia familiar. Isso porque, embora os documentos acostados aos autos comprovem que o autor, de fato, tem uma propriedade rural, não restou configurado o regime de economia familiar, que pressupõe o trabalho dos membros da família, na propriedade, sem o auxílio de empregados, para sua própria subsistência, o que não ficou comprovado no presente processo.
O conjunto probatório demonstra a produção de produtos agrícolas em quantidade incompatível com o regime de economia familiar. Cite-se como exemplo os contratos particulares de compra e venda de insumos agrícolas, reveladores da comercialização de 6.230 kg de soja em 03/05/1994, 19.304 kg de soja, em 14/06/1994 e 6.000 kg de soja em 31/01/1995 (ID 112244059 - Pág. 53 a 56),
Inclusive, evidenciado por meio das notas fiscais que o autor-recorrente exerceu atividade agropecuária com criação de gado e diversidade de cultivo, inclusive com uso de maquinário para plantio e colheita de soja em grande quantidade, o que enseja o reconhecimento de que se trata de produtor ou empresário rural, descaracterizando o exercício de atividade rural para fins de subsistência, estando demonstrado a obtenção de rendimentos elevados durante o período de carência.
Logo, forçoso concluir que as atividades empreendidas pelo autor superam os limites da subsistência, em razão da comercialização dos produtos agrícolas com fito empresarial, e não da venda apenas do excedente de produção.
Portanto, houve falta de comprovação de atividade rural, em regime de economia familiar, por prova idônea e suficiente, pelo prazo necessário à aquisição do direito referido na pretensão recursal.
Registre-se que, a sentença apelada encontra-se regular, sob os aspectos formais e materiais, foi proferida após o devido processo legal, quando analisou, fundamentada e adequadamente, os aspectos relevantes da relação jurídica de direito material deduzida em juízo, mediante a aplicação da tutela jurídica cabível, prevista no ordenamento jurídico vigente, conforme a situação fática comprovada na causa.
Ausente o início de prova material do exercício da atividade rural em regime de economia familiar, a prova testemunhal produzida (ID 277658528) não pode ser exclusivamente admitida para reconhecer o tempo de exercício da alegada atividade (STJ, Súmula 149 e TRF1, Súmula 27).
No caso, a sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante.
Assim, não foi alcançada a carência mínima de 180 contribuições necessária para a concessão do benefício previdenciário.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação processual de regência (§11 do art. 85, do CPC do c/c 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento e manter a sentença recorrida nos termos em que foi proferida.
Deixo de fixar os honorários sucumbenciais ante a ausência de contrarrazões.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1008988-66.2021.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 1000615-62.2019.8.11.0086
RECORRENTE: MOACIR ANTONIO FONTANA
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. APOSENTADORIA POR IDADE. HÍBRIDA. ATIVIDADE LABORAL RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO COMPROVADO. APLICAÇÃO DA SÚM 149 DO STJ E SÚM 27 DO TRF1. CARÊNCIA MÍNIMA NÃO COMPROVADA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1. A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/22).
2. Não foi comprovada a atividade rurícola na qualidade de segurado especial para complementação do tempo de carência necessário para concessão do benefício.
3. O conjunto probatório demonstra a produção de produtos agrícolas em quantidade incompatível com o regime de economia familiar.
4. A prova testemunhal produzida não pode ser admitida como meio exclusivo para reconhecer o tempo de exercício de atividade rural (STJ, Súmula 149 e TRF1, Súmula 27).
5. Apelação não provida. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
