
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:JOANA RODRIGUES DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JAIR BATISTA DAS VIRGENS - MT14004-A
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728): 1025910-51.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e recurso de apelação, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face de Joana Rodrigues da Silva, com a finalidade de obter a reforma da sentença (ID 258797029 - Pág. 203 a 205) que concedeu aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS.
Foi concedida a tutela provisória.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015), a exceção da tutela provisória mencionada, que foi executada independente da preclusão da decisão que a concedeu.
Nas razões recursais (ID 258797029 - Pág. 210 a 213), a parte recorrente alegou, em síntese: 1) existência de inúmeros vínculos urbanos, os quais descaracterizam o labor rural em mesmo período; 2) as provas materiais apresentadas foram desconstituídas pelos vínculos urbanos ulteriores, de modo que a concessão do benefício contraria a lei e a jurisprudência aplicáveis ao caso.
Nas contrarrazões, foi pedida a manutenção da sentença recorrida

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728): 1025910-51.2022.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Não se conhece da remessa necessária, em razão do disposto no inciso I, do § 3º, do art. 496, do CPC/2015, que dispõe que não está sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença proferida contra a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público cuja condenação ou proveito econômico da causa não supere a 1000 (um mil) salários-mínimos.
Embora a sentença seja ilíquida, é certo que o valor da condenação não supera a quantia de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecidos na legislação de regência.
O recurso de apelação pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, congruência e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/2022).
A concessão do benefício previdenciário referido na causa depende da demonstração, por prova idônea e suficiente de tempo de serviço/contribuição, efetivada por prova documental plena ou início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal. A Súmula 27 do TRF1 estabelece que “Não é admissível prova exclusivamente testemunhal para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural (Lei 8.213/1991, art. 55, § 3º)”.
A parte rural da carência não se encontrar sujeita ao recolhimento das contribuições correspondentes para efeito de sua utilização para obtenção do benefício de aposentadoria por idade no RGPS, conforme entendimento jurisprudencial dominante (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019).
É pacífica a jurisprudência do STJ e do TRF da 1ª Região no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), o que permite a aceitação de outros documentos para a comprovação do exercício de atividade rural.
Na consideração da abrangência temporal da documentação apresentada, pode ser aplicada a inteligência da Súmula 577 do STJ, que estabelece que “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório”.
Consigne-se, ao ensejo, que em se tratando de aposentadoria por idade híbrida não se exige a simultaneidade entre o implemento do requisito etário e o exercício da atividade laborativa, seja esta urbana ou rural.
Seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido por ocasião do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
A parte autora nasceu em 23/11/1958 e completou 60 anos em 23/11/2018 (ID 258797029 - Pág. 133). Apresentou requerimento administrativo (DER em 09/07/2019, conforme ID 258797029 - Pág. 187).
Quanto ao período de labor urbano, foi comprovada pela apresentação do CNIS (ID 258797029 - Pág. 10), com registro de contribuição de 01/10/1990 a 08/10/1990, 10/11/1992 a 11/08/1993, 05/05/1994 a 20/02/1995, 06/05/1997 a 03/12/1997, 20/04/1998 a 14/11/1998, 04/05/1999 a 27/10/1999, 18/05/2000 a 29/06/2000, 01/05/2005 a 31/12/2005, 13/02/2006 a 31/12/2006, 12/02/2007 a 31/10/2007, 10/12/2012 a 31/07/2013. Reconhecido pelo INSS administrativamente o total de 67 (sessenta e sete) contribuições mensais como carência (ID 258797029 - Pág. 180, 182 e 190).
Segundo o INSS, é necessária a comprovação de 113 meses de tempo rural em regime de economia familiar para a complementação do período de carência (180 meses).
O início de prova material da atividade rural está presente nos seguintes documentos: CTPS com registro de trabalho rural de 10/11/1992 a 11/08/1993, 20/04/1998 a 14/11/1998, 04/05/1999 a 27/10/1999, 18/05/2000 a 29/06/2000 (ID 258797029 - Pág. 141 a 145); extrato do INFBEN em que consta que a autora recebe pensão por morte rural, forma de filiação segurado especial, concedida administrativamente em 19/06/2012, em decorrência do falecimento de Oliveira Arnaldo Siqueira (ID 258797029 - Pág. 165); autodeclaração do segurado especial, com descrição do período de atividade rural de 01/10/1990 a 08/11/1990, 10/11/1992 a 11/08/1993, 20/04/1998 a 14/11/1998 e de 2006 a 2019 (ID 258797029 - Pág. 176 a 179); consulta do CNIS da autora, no qual consta informações da unidade familiar de produção rural, com informação de que é beneficiária do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), em conjunto com Juarez de Almeida Carvalho (ID 258797029 - Pág. 162); dados cadastrais no CNIS da autora com informação do endereço residencial em Sítio Assentamento São José zona rural do município de Nova Olímpia/MT (ID 258797029 - Pág. 155); certidão de matrícula de imóvel rural, com área de 8,9625 hectares, desmembrada da Fazenda São José, situada no assentamento do município de Nova Olímpia/MT, adquirido por Juarez de Almeida Carvalho da autora em 14/06/2012 (ID 258797029 - Pág. 109 a 129); comprovante de endereço rural no assentamento em nome da autora, em 30/01/2019 (ID 258797029 - Pág. 131).
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 258797029 - Pág. 197 e 198) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental contemporânea à prestação laboral que se pretende reconhecida em juízo.
No caso vertente, considerada a prova material acostada aos autos, bem como o depoimento das testemunhas, plausível reconhecer a atividade rural da parte autora nos períodos de 01/11/2007 a 09/12/2012 e de 01/08/2013 a 08/07/2019, os quais somados com os períodos contributivos registrados no CNIS (67 contribuições) alcança-se a carência necessária para aposentação nos termos vindicados, ultrapassando-se os 180 meses.
A sentença recorrida fundamentou adequadamente o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, da seguinte forma (ID 258797029 - Pág. 204 e 205):
“16. Quanto ao tempo de serviço rural, deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, em princípio, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149 do STJ. Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
17. Assim, no tocante ao período de trabalho rural exercido pela parte autora, sua comprovação foi satisfatória por meio de prova documental corroborada por prova testemunhal, uma vez que as testemunhas inquiridas Francisca Soares de Souza e Otaciano Santos de Castro (ref. 45), foram uníssonas quanto a atividade rural exercida pela parte autora.
Depoimento judicial da testemunha Francisca Soares de Souza: “Declara que conhece o Requerente há aproximadamente 20 (vinte) anos; Que quando conheceu a parte autora, ele morava e trabalhava na área rural, no Sítio, conhecido na época como Assentamento São José, localizado no Município de Nova Olímpia-MT; Que no Sítio cria galinhas e cultivava algumas hortaliças, para sua subsistência e de sua família; Que a parte autora nunca trabalhou na cidade; Que a parte autora nunca teve máquinas agrícolas ou empregados, sempre trabalhou manualmente; Que não sabe informar se a parte autora recebeu/recebeu algum benefício do governo.” Dada a palavra ao advogado da parte autora, a testemunha respondeu: “Que a parte autora trabalhou como cozinheira em fazenda, sempre trabalhou na zona rural, antes de ir para o Assentamento São José.” (ref. 45).
Depoimento judicial da testemunha Otaciano Santos de Castro: “Declara que conhece o Requerente há aproximadamente 15 (quize) anos; Que quando conheceu a parte autora, ele morava e trabalhava na área rural, não sabendo informar qual o nome do sítio ou fazenda em que a autora trabalhava; Que a autora continua trabalhando na zona rural até hoje; Que no Sítio cria galinhas e porcos, bem como cultivava algumas hortaliças e mandioca, para sua subsistência e de sua família; Que a parte autora nunca trabalhou na cidade; Que a parte autora nunca teve máquinas agrícolas ou empregados, sempre trabalhou manualmente; Que não sabe informar se a parte autora recebeu/recebeu algum benefício do governo.” Dada a palavra ao advogado da parte autora, a testemunha respondeu: “Que a parte autora reside no Assentamento São José; Que sabe onde fica o sítio da parte autora e já a viu trabalhando lá na lide rural; Que a autora trabalha para a sua sobrevivência.” (ref. 45).
18. O que se extrai dos autos é que a parte autora trabalhou nas lidas rurais por muitos anos, conforme comprovado por prova testemunhal. No que tange ao tempo de trabalho urbano, conforme documentos juntados aos autos, especialmente a Carteira de Trabalho e Previdência Social (fls. 10/16 – processo digital) do requerente, caracterizou-se sua condição de segurado urbano.
19. Assim, na forma do art. 142 da Lei nº 8213/1991, a parte autora cumpriu o período de carência exigido bem como demonstrou, ainda, ter a idade mínima exigida para a aposentadoria pretendida – de 60 (sessenta) anos – o que é incontroverso”.
A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante a seguir transcrito:
TESE 1007 do STJ: O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
O tempo de serviço rural acima referido (na condição de segurado especial), acrescido do tempo já certificado pelo CNIS, pode ser utilizado para o cumprimento da carência mínima necessária para concessão de aposentadoria por idade híbrida.
Foram alcançadas a carência mínima de 180 contribuições e a idade mínima, necessárias para a concessão do benefício previdenciário.
A atualização monetária e juros moratórios, incidentes sobre as parcelas pretéritas, devem ser calculados na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, em sua versão vigente ao tempo da execução do julgado. O referido ato incorporou, progressivamente, as determinações legais e jurisprudenciais supervenientes (Tema 810 do STF, Tema 905 do STJ e art. 3º e conexos da EC 113/2021), o que implica perda de objeto da matéria correlata.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação processual de regência (§11 do art. 85, do CPC do c/c 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária (inciso I, do § 3º, do art. 496, do CPC/2015) e conheço do recurso de apelação para, no mérito, negar-lhe provimento e manter a sentença recorrida nos termos em que foi proferida.
Majoro os honorários de sucumbência na fase recursal em 1% sobre o valor correlato arbitrado na sentença recorrida, “levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal” (§11 do art. 85 do CPC/2015).
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728)
PROCESSO: 1025910-51.2022.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0002841-63.2020.8.11.0008
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: JOANA RODRIGUES DA SILVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. APOSENTADORIA POR IDADE. HÍBRIDA. ATIVIDADE LABORAL RURAL REMOTA. TESE 1007 DO STJ. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO. ERRO MATERIAL. RETIFICAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.
1. A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/22).
2. Período de labor rural remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade (TESE 1007 do STJ).
3. A controvérsia restringe-se a ver reconhecido o período de labor rural, pelo período necessário de 113 meses de carência, o qual somado ao tempo de labor urbano seria o suficiente para a concessão do benefício pretendido. Para comprovar o trabalho rural, foram apresentada a seguinte prova material: CTPS com registro de trabalho rural de 10/11/1992 a 11/08/1993, 20/04/1998 a 14/11/1998, 04/05/1999 a 27/10/1999, 18/05/2000 a 29/06/2000; extrato do INFBEN em que consta que a autora recebe pensão por morte rural, forma de filiação segurado especial, concedida administrativamente em 19/06/2012, em decorrência do falecimento de Oliveira Arnaldo Siqueira; autodeclaração do segurado especial, com descrição do período de atividade rural de 01/10/1990 a 08/11/1990, 10/11/1992 a 11/08/1993, 20/04/1998 a 14/11/1998 e de 2006 a 2019; consulta do CNIS da autora, no qual consta informações da unidade familiar de produção rural, com informação de que é beneficiária do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), em conjunto com Juarez de Almeida Carvalho; dados cadastrais no CNIS da autora com informação do endereço residencial em Sítio Assentamento São José zona rural do município de Nova Olímpia/MT; certidão de matrícula de imóvel rural, com área de 8,9625 hectares, desmembrada da Fazenda São José, situada no assentamento do município de Nova Olímpia/MT, adquirido por Juarez de Almeida Carvalho da autora em 14/06/2012; comprovante de endereço rural no assentamento em nome da autora, em 30/01/2019.
4. Considerada a prova material acostada aos autos, bem como o depoimento das testemunhas, plausível reconhecer a atividade rural da parte autora nos períodos de 01/11/2007 a 09/12/2012 e de 01/08/2013 a 08/07/2019, os quais somados com os períodos contributivos registrados no CNIS (67 contribuições) alcança-se a carência necessária para aposentação requerida, ultrapassando-se os 180 meses.
5. Concedida aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS em razão da satisfação dos requisitos legais.
6. Apelação não provida. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
