
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:APARECIDA CELESTE VICENTINE
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: RONAM ANTONIO AZZI FILHO - TO3606-S
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1026830-59.2021.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença (ID 158374529 - Pág. 95 a 103) que concedeu aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS.
Foi concedida a tutela provisória.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015), a exceção da tutela provisória mencionada, que foi executada independente da preclusão da decisão que a concedeu.
Nas razões de seu recurso (ID 158374529 - Pág. 108 a 113), o INSS alegou: 1) ausência de provas materiais suficientes para comprovação da atividade rural pelo tempo necessário para complementação da carência mínima; 2) a condição de segurado especial é incompatível com a propriedade de imóvel rural com extensão superior ao de 4 módulos fiscais, nos termos do art. 11, VII, I, “a”, da Lei nº 8.213/91.
Nas contrarrazões (ID 158374529 - Pág. 137 a 140), foi pedida a manutenção da sentença recorrida.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1026830-59.2021.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/2022).
A concessão do benefício previdenciário referido na causa depende da demonstração, por prova idônea e suficiente de tempo de serviço/contribuição, efetivada por prova documental plena ou início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal. A Súmula 27 do TRF1 estabelece que “Não é admissível prova exclusivamente testemunhal para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural (Lei 8.213/1991, art. 55, § 3º)”.
A parte rural da carência não se encontrar sujeita ao recolhimento das contribuições correspondentes para efeito de sua utilização para obtenção do benefício de aposentadoria por idade no RGPS, conforme entendimento jurisprudencial dominante (EDcl no REsp n. 1.674.221/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 2/12/2019).
É pacífica a jurisprudência do STJ e do TRF da 1ª Região no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), o que permite a aceitação de outros documentos para a comprovação do exercício de atividade rural.
Na consideração da abrangência temporal da documentação apresentada, pode ser aplicada a inteligência da Súmula 577 do STJ, que estabelece que “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório”.
As disposições contidas no § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003 dispensou o requisito da qualidade de segurado, na hipótese da aposentadoria por idade, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Consigne-se, ao ensejo, que em se tratando de aposentadoria por idade híbrida não se exige a simultaneidade entre o implemento do requisito etário e o exercício da atividade laborativa, seja esta urbana ou rural.
Seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido por ocasião do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
A parte autora nasceu em 06/02/1956 e completou 60 anos em 06/02/2016 (ID 158374529 - Pág. 16). Apresentou requerimento administrativo (DER em 22/11/2018, conforme ID 158374529 - Pág. 63).
No caso em apreço, o labor urbano foi comprovado pela apresentação do CNIS (ID 158374529 - Pág. 53 a 57), com registro de contribuição de 02/01/2001 a 02/2002, 01/02/2002 a 06/2002, 01/05/2002 a 23/02/2007, 01/11/2007 a 11/2009. Total de 92 contribuições mensais como carência, reconhecidas administrativamente pelo INSS (ID 158374529 - Pág. 48, 58 e 63).
Segundo o próprio INSS, é necessária a comprovação de 88 meses de tempo rural em regime de economia familiar para a complementação do período de carência (180 meses).
O início de prova material da atividade rural está presente nos seguintes documentos: certidão de casamento, realizado em 27/05/1973, na qual o cônjuge da autora está qualificado como lavrador (ID 158374529 - Pág. 18); certidão de nascimento de filho, nascido em 14/03/1976, registrado em 15/03/1976, na qual o cônjuge da autora está qualificado como lavrador (ID 158374529 - Pág. 17). Aquisição de imóvel rural de 96 ha ou 1,38 módulos fiscais, aproximadamente, no ano de 2013, por escritura pública (ID 158374529 - Pág. 29-31).
As certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, prestando-se a prova testemunhal para complementar e ampliar a força probante dos referidos documentos (Súmula 149/STJ).
São extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014).
O início de prova material produzido pela autora é suficiente para a comprovação do labor rural em regime de economia familiar entre os anos de 1973 a 1981.
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual (ID 158374529 - Pág. 87) foi idônea e suficiente para demonstrar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, e se encontra amparada por início de prova documental contemporânea à prestação laboral que se pretende reconhecida em juízo.
A sentença recorrida fundamentou adequadamente o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, da seguinte forma (ID 158374529 - Pág. 99 a 101):
“Por seu turno, verifica-se que acostou a parte Requerente como prova material do trabalho rural (evento 1/ANEXOS PET INI2):
a) Comprovante de Endereço da Fazenda Riacho Alegre II
b) Certidão de Nascimento do Filho Eduardo Henrique Vicente, datada em 14/3/1976, constando a Profissão dos Genitores como Lavrador e Doméstica;
c) Certidão de Casamento de João de Jesus Vicentini e Aparecida Celeste Vicentini, constando as Profissões dos Nubentes como Lavrador e Doméstica, datada em 27/5/1973;
d) Escritura de Compra e Venda de Imóvel Rural datada em 15/3/2013.
Ora, o citado § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios exige início de prova escrita, não sendo admitida a exclusivamente testemunhal, salvo se decorrente de força maior ou caso fortuito, convindo lembrar que, mesmo diante da novel redação emprestada pela Lei nº 13.846, de 2019, o posicionamento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, consolidado nos enunciados nºs. 6 e 14 de sua Súmula, continua sendo o seguinte, in verbis:
Súmula 6. A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola.
Súmula 14. Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício.
(...)
Na espécie, a prova oral colhida foi robusta o suficiente a confirmar as declarações do requerente sobre a atividade campesina em regime de economia familiar de subsistência, de que trata o artigo 11, VII, § 1º da Lei 8.213/91, pelo período correspondente ao complemento da carência exigida para a aposentadoria por idade híbrida.
Com efeito, os depoimentos das testemunhas ZULMIRA FONSÊCA BARBOSA e ZULMA PINTO MILHOMEM foram uníssonos no sentido de:
a) Que conhece a Autora há mais ou menos 25 (vinte e cinco) anos na roça; que ficou nessa Fazenda um tempo, mudando para outra Fazenda, morando nessa Fazenda até hoje; que não sabe dizer que se a Autora trabalhou em outros seguimentos; que a Autora nunca morou em outra cidade; que a Autora mora numa Fazenda de sua propriedade mexendo com roça, plantando e mexendo com coisas de roça; que a Autora mora com o esposo e não sabe se este é aposentado; que a Autora mora em sua propriedade rural até os dias atuais; que não sabe dizer se a Autora trabalhou em outro lugar com carteira assinada;
b) Que conhece a Autora há mais ou menos 20 (vinte) anos na Fazenda; que a Autora trabalhava na Fazenda com seu esposo plantando mandioca, arroz, feijão, criando galinha, porco; que a Autora sempre morou na Fazenda; que não sabe dizer se a Autora morou em outra cidade; que a Fazenda da Autora é pequena; que não sabe dizer quanto tempo a Autora está na fazenda; que trabalha na roça; que o esposo da Autora trabalha com ela na Fazenda; que já viu a Autora trabalhando na roça.
Assim, entendo que restou configurado tempo de carência suficiente para, em complemento ao tempo de trabalho urbano, ter direito ao benefício pleiteado como segurado híbrido.
À vista das razões acima expostas, a parte autora soma, por um lado, 92 (noventa e dois) meses de contribuição como segurado urbano, e, por outro lado, mais de 20 (vinte) anos de trabalho rural, consoante razoável início de prova material ora apresentado e devidamente corroborado por prova oral (STJ, AREsp 577.360/MS), cumprindo, por consectário lógico, o mínimo de 180 contribuições exigidas como carência, nos termos dos arts. 48, § 3º, e 142 da Lei de Benefícios, para concessão da aposentadoria por idade híbrida.
Destarte, conclui-se que a parte Autora tem direito à aposentadoria por idade híbrida desde 22/11/2018 (DER), devendo ser salientado finalmente que como o Excelso Supremo Tribunal Federal, em 03/10/2019, rejeitou os embargos de declaração opostos no RE 870.947/SE (Tema 810), decidindo por não modular os efeitos da decisão que considerou inconstitucional a correção monetária dos débitos da Fazenda Pública, mediante a utilização da TR, as parcelas retroativas deverão ser atualizadas pelo INPC (art. 29-B da Lei 8.213/91)”.
O tempo de serviço rural (na condição de segurado especial), acrescido do tempo já certificado pelo CNIS, pode ser utilizado para o cumprimento da carência mínima necessária para concessão de aposentadoria por idade híbrida.
Foram alcançadas a carência mínima de 180 contribuições e a idade mínima, necessárias para a concessão do benefício previdenciário.
A sentença recorrida deve ser mantida, porque os dispositivos constitucionais e legais referidos na fase recursal devem ser interpretados conforme o entendimento jurisprudencial dominante a seguir transcrito:
TESE 1007 do STJ: O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
Em análise aos autos, observa-se que houve erro material na sentença. Em que pese o dispositivo da sentença tenha se referido ao benefício de “aposentadoria por idade de segurado especial”, o pedido a causa de pedir e toda a fundamentação do julgado trataram da aposentadoria por idade na modalidade híbrida, ou seja, com contagem de tempo urbano e rural.
Portanto, deve o erro material do dispositivo ser retificado para que se leia “aposentadoria por idade híbrida”.
A atualização monetária e juros moratórios, incidentes sobre as parcelas pretéritas, devem ser calculados na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, em sua versão vigente ao tempo da execução do julgado. O referido ato incorporou, progressivamente, as determinações legais e jurisprudenciais supervenientes (Tema 810 do STF, Tema 905 do STJ e art. 3º e conexos da EC 113/2021), o que implica perda de objeto da matéria correlata.
Honorários recursais, quando devidos, na forma da legislação processual de regência (§11 do art. 85, do CPC do c/c 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região), observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, de ofício, corrijo erro material na parte dispositiva da sentença para que se leia “concessão de aposentadoria por idade híbrida”, e conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento e manter a sentença recorrida nos termos em que foi proferida.
Fixo os honorários de sucumbência da fase recursal em 1% sobre o valor correlato arbitrado na sentença recorrida, “levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal” (§11 do art. 85 do CPC/2015).
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1026830-59.2021.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0002179-15.2020.8.27.2705
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: APARECIDA CELESTE VICENTINE
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. APOSENTADORIA POR IDADE. HÍBRIDA. COMPROVADA A ATIVIDADE LABORAL RURAL E URBANA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. ATIVIDADE LABORAL RURAL REMOTA. TESE 1007 DO STJ. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO DE ERRO MATERIAL NA SENTENÇA RECORRIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/22).
2. Período de labor rural remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade (TESE 1007 do STJ).
3. As certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, prestando-se a prova testemunhal para complementar e ampliar a força probante dos referidos documentos (Súmula 149/STJ).
4. São extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores.
5. Concedida aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS em razão da satisfação dos requisitos legais.
6. Correção de ofício de erro material. Apelação não provida. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
