
POLO ATIVO: VALCIR JOSE ZANATTA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: CLAUDINEZ DA SILVA PINTO JUNIOR - SP189492-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1032760-58.2021.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora para reforma da sentença (ID 171146542 - Pág. 21 a 32) que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade híbrida pelo RGPS.
O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (§ 1º do art. 1.012 e conexos do CPC/2015).
Nas razões recursais (ID 171146542 - Pág. 8 a 20) foi pedida a reforma da sentença para a concessão do benefício, sob a alegação de apresentação de provas idôneas e suficientes para comprovação da atividade rural exercida pelo tempo necessário para complementação da carência mínima.
Intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198): 1032760-58.2021.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
O recurso pode ser conhecido, porque presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, congruência, dialeticidade e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/2022).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar ou equivalente, aplicável a parte rural da carência do benefício de aposentadoria por idade híbrida: 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tema 2 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tema 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) prescindibilidade da qualidade de segurado, na hipótese da aposentadoria por idade, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício (§ 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003 ); 7) não simultaneidade entre o implemento do requisito etário e o exercício da atividade laborativa, seja esta urbana ou rural; 8) período de labor rural remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade (TESE 1007 do STJ); 9) extensão da prova material da condição de rurícola em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Temas 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 10) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tema 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 11) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tema 23 da TNU); 12) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, no prazo de carência do segurado especial; 13) possibilidade de consideração das atividades rurais exercidas por menor de idade em regime de economia familiar, nos termos da Súmula 5 da TNU e da Tese 219 da TNU (entre 12 e 14 anos até o advento da Lei 8.213/1991, e a partir de 14 anos após a referida data); 14) inclusão da situação do “bóia-fria” como segurado especial (Tese 554 do STJ); 15) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008); 16) possibilidade de utilização do tempo rural para fins de carência de aposentadoria urbana ou do RPPS (Súmulas 10 e 24 da TNU c/c Tese 1007 e 168 da TNU).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois o conjunto de situações excepcionais em dado caso concreto pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar e, consequentemente, permitir a exclusão dos períodos descaracterizados do prazo de carência do referido benefício.
A sentença recorrida indeferiu o benefício pelos seguintes fundamentos (ID 171146542 - Pág. 28 a 30):
Para fins de reconhecimento do trabalho rural desempenhado por longos anos, conforme consta na peça de ingresso, o autor acostou aos autos certidão de casamento, lavrada no ano de 1976, época em que o autor possuía 22 (vinte e dois) anos de idade, na qual consta sua profissão como agricultor.
Há nos autos, ainda, matrícula de um imóvel rural situado no local denominado “Patrimônio Brilhante” com área de 14,386 HAS (quatorze hectares, trinta e cinco ares e oitenta e seis centiares), constando o requerente e sua cônjuge como adquirente.
Por ocasião da audiência da instrução, realizada em 27 de julho de 2021 (id. 61615777), foram colhidos os depoimentos das testemunhas Valdir Facco Leonir Paulo Rafagnin, as quais relataram terem conhecido o autor trabalhando nas lides rurais.
(...)
No caso em análise, verifica-se que o autor não acostou aos autos nenhum documento contemporâneo ao tempo que se pretende provar como de labor rural, de sorte que tão somente a certidão de casamento acostada aos autos é insuficiente para demonstrar o exercício da atividade rural em regime de economia familiar.
Cabe ressaltar, outrossim, que somente a posse/propriedade de imóvel rural não é suficiente para demonstrar o labor rural em regime de economia familiar, visto que não ficou demonstrado para qual fim ela se destina.
Ainda que a prova testemunhal indique o labor rural, a prova material inicial afigurase imprescindível, de forma que, na hipótese, o conjunto probatório documental mostra-se escasso para atestar o desempenho do labor rural durante o longo período suscitado na inicial, em regime de economia familiar.
Além do mais, para se enquadrar como segurado especial, é necessário que a atividade rural seja exercida em regime de economia familiar, ou seja, em trabalho realizado pelos membros da família, indispensável para sua subsistência e em condições mútuas de dependência e colaboração, o que não se vislumbra no caso em testilha.
(...)
Nesse contexto, diante da fragilidade de prova material e não tendo sido demonstrado o alegado regime de economia familiar, a improcedência da ação é medida que se impõe”.
O autor nasceu em 01/04/1954 e completou 65 anos em 01/04/2019 (ID 171146542 - Pág. 228). Apresentou requerimento administrativo (DER em 09/12/2020, conforme ID 195401528 - Pág. 44).
O labor urbano foi comprovado pela apresentação da CTPS (ID 171146542 - Pág. 132 a 136) e do CNIS (ID 171146542 - Pág. 168 e ID 171146544 - Pág. 4 a 9), com registro de contribuição de 08/01/1978 a 16/03/1978, 01/06/1978 a 31/07/1978, 01/08/1978 a 30/04/1979, 01/06/1979 a 30/11/1979, 01/09/1979 a 02/01/1980, 01/01/1980 a 29/02/1980, 01/03/1981 a 01/04/1981, 01/01/1985 a 31/10/1986, 01/12/1986 a 31/07/1989, 01/11/1990 a 31/07/1992, 02/01/2006 a 03/08/2006 e de 01/09/2008 18/06/2010. Total de 128 contribuições, das quais 40 foram reconhecidas administrativamente pelo INSS para efeito de carência (ID 171146544 - Pág. 10 e ID 171146542 - Pág. 177).
Necessária a comprovação de 52 meses de tempo rural em regime de economia familiar para a complementação do período de carência (180 meses).
Para fins de comprovação da atividade rural, o autor juntou aos autos os seguintes documentos: certidão de casamento, na qual o autor está qualificado como agricultor, em 19/06/1976 (ID 171146542 - Pág. 230); certidão de matrícula de imóvel rural, com área de 14,3586 hectares, situado em “Patrimônio Brilhante” município de Jaciara/MT, adquirido pelo autor, qualificado como comerciante, em 12/08/2013, sem a indicação de que até quando permaneceu na propriedade do mesmo (ID 171146542 - Pág. 231 a 235).
O conjunto probatório não se assenta em comprovar o início da prova material suficiente a amparar o direito do benefício pleiteado, por tempo suficiente da carência exigida em lei.
Para o reconhecimento do exercício de atividade rural, ainda que não se exija documento para cada ano trabalhado ou correspondente a todo período em que se pleiteia o reconhecimento, é indispensável haver alguma prova material contemporânea que comprove sua ocorrência não apenas em um dos anos do período pleiteado, mas ao menos em períodos intercalados, fazendo denotar o exercício da atividade no lapso pretendido.
Ainda, não se pode ignorar que a parte autora figura como empresário (microempresa), com início das atividades no comércio varejista de calçados em 04/12/2008 na empresa ZANATTA MODA COUNTRY LTDA, a qual perdura ativa até a presente data, conforme faz prova o registro no CNPJ nº 10.519.913/0001-72 (ID 171146542 - Pág. 201 e ID 171146542 - Pág. 171).
A prova testemunhal produzida durante a instrução processual não pode ser admitida como meio exclusivo para reconhecer o tempo de exercício de atividade rural (STJ, Súmula 149 e TRF1, Súmula 27).
Nesse contexto, não restou comprovado o exercício de atividade rural do autor no período postulado.
Constatada a ausência de “conteúdo probatório” em situação em que é possível a renovação da demanda para o exaurimento da produção probatória.
Segundo Tese 629 do STJ, firmada em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos, aplicável as ações previdenciárias:
“A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa”.
Hipótese em que a escassez de provas materiais impede o reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria híbrida, porquanto não preenchidos os requisitos contidos no artigo 48, §3º da Lei nº 8.213 /91.
Honorários advocatícios, quando devidos, na forma da legislação de regência art. 85 do CPC c/c 5º, XXXVI, da CF/88 e Súmula 26-TRF da 1ª Região, observada eventual inexigibilidade (§3º do art. 98 do CPC/2015).
Ante o exposto, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, e prejudicada a apelação (arts. 485, IV do CPC/2015 c/c Tese 629 do STJ).
Revogo a tutela de urgência e determino a intimação do INSS para as providências cabíveis.
Arbitro os honorários advocatícios de sucumbência, em favor do INSS, no valor de R$ 1.000,00, corrigíveis a partir da data do acórdão pelos índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, cuja exigibilidade fica suspensa em face da assistência judiciária concedida (§ 3º do art. 98 do CPC/2015).
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1032760-58.2021.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 1001718-70.2021.8.11.0010
RECORRENTE: VALCIR JOSE ZANATTA
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RGPS. APOSENTADORIA POR IDADE. HÍBRIDA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. ATIVIDADE LABORAL RURAL NÃO COMPROVADA. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO CARACTERIZADO EM TODA CARÊNCIA RESIDUAL NECESSÁRIA. PROVA TESTEMUNHAL EXCLUSIVAMENTE. VIOLAÇÃO SÚMULA 149 DO STJ. APLICAÇÃO DA TESE 629 DO STJ. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO PREJUDICADA.
1. A aposentadoria por idade híbrida é a obtida com a utilização de tempo de serviço/contribuição rural e urbana para efeito de cumprimento de carência, observada a idade mínima prevista na legislação vigente ao tempo do cumprimento de todos os requisitos legais para implementação do benefício (art. 48, §3º, da Lei 8.213/91; Tese 1007 do STJ e arts. 257, 316 e 317 da IN Pres/INSS nº 128/22).
2. O autor nasceu em 01/04/1954 e completou 65 anos em 01/04/2019 (ID 171146542 - Pág. 228). Apresentou requerimento administrativo (DER em 09/12/2020, conforme ID 195401528 - Pág. 44).
3. O labor urbano foi comprovado pela apresentação da CTPS (ID 171146542 - Pág. 132 a 136) e do CNIS (ID 171146542 - Pág. 168 e ID 171146544 - Pág. 4 a 9), com registro de contribuição de 08/01/1978 a 16/03/1978, 01/06/1978 a 31/07/1978, 01/08/1978 a 30/04/1979, 01/06/1979 a 30/11/1979, 01/09/1979 a 02/01/1980, 01/01/1980 a 29/02/1980, 01/03/1981 a 01/04/1981, 01/01/1985 a 31/10/1986, 01/12/1986 a 31/07/1989, 01/11/1990 a 31/07/1992, 02/01/2006 a 03/08/2006 e de 01/09/2008 18/06/2010. Total de 128 contribuições, das quais 40 foram reconhecidas administrativamente pelo INSS para efeito de carência (ID 171146544 - Pág. 10 e ID 171146542 - Pág. 177).
4. Necessária a comprovação de 52 meses de tempo rural em regime de economia familiar para a complementação do período de carência (180 meses).
5. Para fins de comprovação da atividade rural, o autor juntou aos autos os seguintes documentos: certidão de casamento, na qual o autor está qualificado como agricultor, em 19/06/1976 (ID 171146542 - Pág. 230); certidão de matrícula de imóvel rural, com área de 14,3586 hectares, situado em “Patrimônio Brilhante” município de Jaciara/MT, adquirido pelo autor, qualificado como comerciante, em 12/08/2013, sem a indicação de que até quando permaneceu na propriedade do mesmo (ID 171146542 - Pág. 231 a 235).
6. A parte autora figura como empresário (microempresa), com início das atividades no comércio varejista de calçados em 04/12/2008 na empresa ZANATTA MODA COUNTRY LTDA, a qual perdura ativa até a presente data, conforme faz prova o registro no CNPJ nº 10.519.913/0001-72 (ID 171146542 - Pág. 201 e ID 171146542 - Pág. 171).
7. A prova produzida não é suficiente para a concessão do benefício pedido, em razão das limitações probatórias impostas pela legislação de regência (§ 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991), conforme Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1.
8. O reconhecimento de falta de “conteúdo probatório” em causa previdenciária possibilita a extinção processual sem a resolução do mérito, nos termos da Tese 629 do STJ, a fim de assegurar o ajuizamento de nova causa em que se possibilite renovação ou complemento da prova para o julgamento adequado da causa.
9. A diligência pelo exaurimento da produção probatória assegura a tutela dos interesses das partes na prestação previdenciária mais adequada e vantajosa.
10. Processo extinto sem a resolução do mérito. Apelação prejudicada. Tutela provisória revogada.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, de ofício, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, e prejudicada a apelação cível, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
