
POLO ATIVO: DECIVAL FERREIRA DE VASCONCELOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RAQUEL BRAZ ODORICO RAMOS - RO10330
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):JOAO LUIZ DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1011461-54.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Trata-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, para fins de obtenção de benefício previdenciário de aposentadoria por idade híbrida.
Citado, o INSS apresentou resposta.
O juiz a quo julgou improcedente o pedido.
Em suas razões de recurso, a parte-autora alega que não houve audiência de instrução e julgamento, ocasionando cerceamento de defesa. Pede a anulação da sentença e a baixa dos autos à origem para que seja realizada a instrução completa do processo.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1011461-54.2023.4.01.9999
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação no seu duplo efeito, nos termos do artigo 1.012, do CPC.
Na hipótese em apreço, o juízo a quo julgou improcedente a pretensão inicial.
Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural estão dispostos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido.
O art. 48, §3º, da Lei de Benefícios, por sua vez, traz a previsão da aposentadoria por idade mista ou híbrida, na qual há a contagem híbrida da carência (não contributiva rural e contributiva urbana), exigindo-se o requisito etário sem o redutor dos cinco anos, isto é, exigência integral de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, in verbis:
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
(...)
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher”.
Destaco, por oportuno, que tal espécie de aposentadoria por idade de trabalhador rural (aposentadoria híbrida) aplica-se àqueles trabalhadores rurais que, por algum motivo, passaram a exercer labor urbano, e que atingiram a idade de 60 anos, se mulher, e 65 anos, se homem, independentemente de estarem vinculados ao campo no momento do implemento da idade ou do requerimento do benefício.
Reveste-se tal entendimento de argumentos de cunho sociológico (fenômeno do êxodo rural) à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, haja vista que entender de forma contrária significa proteger somente aquele trabalhador campesino que, por algum motivo, exerceu atividade urbana e retornou ao labor rural.
Ora, a proteção previdenciária deve abranger a todos que se encontrem em situações semelhantes e que tenham cumprido os requisitos especificados na legislação de regência, de sorte que a inovação legislativa constante nos §3º e 4º da Lei 8.213/91, trazida pela Lei 11.718/2008, veio para assegurar o benefício de aposentadoria (híbrida) para aquele trabalhador que antes, mesmo que contasse com idade avançada, não podia receber aposentadoria rural porque havia exercido atividade urbana, ao mesmo tempo em que não podia gozar de aposentadoria urbana, devido à falta de período de carência.
Como corolário do entendimento ora adotado, trago à colação aresto da lavra do Ministro do STJ Herman Benjamin, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI 8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO. LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADO. CONTRIBUIÇÕES. TRABALHO RURAL. CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE.
1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo era trabalhadora urbana, sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural anterior à Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência.
2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e para os rurais (§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991).
4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, as idades são reduzidas em cinco anos e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei 8.213/1991).
5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência.
6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela cidade, passam a exercer atividades laborais diferentes das lides do campo, especialmente quanto ao tratamento previdenciário.
7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre as evolução das relações sociais e o Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na redução dos conflitos submetidos ao
Poder Judiciário.
8. (...)
9. (...)
10. (...)
11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991).
12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de
publicação.
14. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as respectivas regras.
15. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições.
16. Correta a decisão recorrida que concluiu (fl. 162/e-STJ): "somados os 126 meses de reconhecimento de exercício de atividades rurais aos 54 meses de atividades urbanas, chega-se ao total de 180 meses de carência por ocasião do requerimento administrativo, suficientes à concessão do benefício, na forma prevista pelo art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/1991".
17. Recurso Especial não provido”.
(STJ; REsp 1407613/RS; Ministro HERMAN BENJAMIN; SEGUNDA TURMA; DJe 28/11/2014).
Ainda nesse sentido, in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. ARTIGO 48, §§ 3º E 4º DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.718/2008. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. A Lei 11.718/2008 introduziu no sistema previdenciário brasileiro uma nova modalidade de aposentadoria por idade denominada aposentadoria por idade híbrida.
2. Neste caso, permite-se ao segurado mesclar o período urbano ao período rural e vice-versa, para implementar a carência mínima necessária e obter o benefício etário híbrido.
3. Não atendendo o segurado rural à regra básica para aposentadoria rural por idade com comprovação de atividade rural, segundo a regra de transição prevista no artigo 142 da Lei 8.213/1991, o § 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991, introduzido pela Lei 11.718/2008, permite que aos 65 anos, se homem e 60 anos, mulher, o segurado preencha o período de carência faltante com períodos de Contribuição de outra qualidade de segurado, calculando-se o benefício de acordo com o § 4º do artigo 48.
4. Considerando que a intenção do legislador foi a de permitir aos trabalhadores rurais, que se enquadrem nas categorias de segurado empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial, o aproveitamento do tempo rural mesclado ao tempo urbano, preenchendo inclusive carência, o direito à aposentadoria por idade híbrida deve ser reconhecido.
5. Recurso especial conhecido e não provido.”
(STJ; REsp 1367479/RS; Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES; T2 – SEGUNDA TURMA; DJe 10/09/2014).
Nesse compasso, o benefício híbrido previsto no artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, destina-se aos trabalhadores rurais que, por alguma circunstância, trabalharam no meio urbano, não importando se retornaram ou não ao campo ao tempo do implemento do requisito etário ou da apresentação do requerimento administrativo.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Recursos Especiais 1.674.221 e 1.788.404), fixou a seguinte tese: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo" (Tema 1.007).
Confira-se:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça (A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência (REsp. 1. 407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida.
(REsp 1674221/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019).
Neste sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ARTIGO 48, § 3º LEI 8.213/91. COMPROVAÇÃO DE PERÍODOS DE CONTRIBUIÇÃO COMO TRABALHADOR URBANO E RURAL. CARÊNCIA CUMPRIDA. TEMA 1007 DO STJ. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida à parte autora. 2. A aposentadoria por idade mista ou híbrida prevista no artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, na qual há a contagem híbrida da carência (não contributiva rural e contributiva urbana), destina-se aos trabalhadores rurais que, por alguma circunstância, trabalharam no meio urbano, não importando se retornaram ou não ao campo ao tempo do implemento do requisito etário ou da apresentação do requerimento administrativo. Contudo, para a concessão do benefício, exige-se o requisito etário sem o redutor dos cinco anos, isto é, 65 anos de idade, se homem, e 60 anos, se mulher. 3. Em recente julgado do STJ, em sede de recurso repetitivo (Tema 1007), fixou-se a seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo. 4. No caso concreto, a parte autora completou 65 anos de idade em 2017 (ID 4999425, Pág. 18), exigindo-se, portanto, o período de carência correspondente a 180 meses. Com relação à atividade urbana, a Autarquia previdenciária considerou que o Autor comprovou 122 meses de contribuição à época do requerimento administrativo. (ID 4999425, Pág. 19/20). Quanto à atividade rural exercida, verifica-se no CNIS do Autor que o mesmo é analfabeto e possuiu diversos vínculos campesinos entre os anos de 1988 a 2001 e 2013 a 2017 (ID 4999425, Pág. 47/57). Ademais, a prova testemunhal, colhida em audiência (ID 4999427), complementou aquele início de prova, testificando que a parte autora se dedicou à atividade rural nos períodos em que esteve desempregado, completando o período de carência exigido à concessão do benefício. 5. Delineada esta moldura, a parte autora faz jus à aplicação do artigo 48, §3º da Lei 8.213/91, merecendo a concessão do benefício de aposentadoria por idade mista ou híbrida. 6. Honorários advocatícios mantidos conforme fixado na sentença, na forma do art. 85, § 1º do CPC/15. 7. Apelação do INSS desprovida.” (AC 1002961-72.2018.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 15/05/2020 PAG.).
Ressalte-se que nos casos de qualificação de segurado especial como rurícola, por sua natureza e finalidade, a produção de prova testemunhal em audiência constitui procedimento indispensável para corroborar o início de prova material na comprovação do exercício da atividade rural em regime de subsistência no período equivalente à carência do benefício requerido, momento em que o juiz apreciará a valoração das demais circunstâncias da situação fática em conjunto com os elementos de prova, tendente à formação da convicção do julgador.
Na esteira da orientação jurisprudencial desta Corte Regional, o arcabouço probatório acostado aos autos pela parte autora configura, em tese, início razoável de prova material da atividade rural, desafiando prova testemunhal para ser corroborado. A prova material em harmonia com a prova testemunhal é requisito imprescindível para o reconhecimento judicial do benefício de aposentadoria rural, na ausência de prova plena do exercício da atividade campesina.
Estando o feito alicerçado em início razoável de prova material, macula, outrossim, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, a sentença que julga improcedente o pedido, sem oportunizar a produção de prova oral para corroborar o início de prova material encartado, conforme exigência da Lei n. 8.213/90.
Neste sentido:
“Em demanda previdenciária, objetivando-se a concessão de aposentadoria por idade, incorre em cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o magistrado condutor do feito não permite a produção de prova testemunhal, essencial à espécie, e requerida, expressamente, pela parte autora, como no caso dos autos, por entender que o processo está suficientemente instruído.” (AC 0013184-86.2012.4.01.9199 / GO; Rel. JUIZ FEDERAL CÉSAR CINTRA JATAHY FONSECA (CONV.) - Órgão: SEGUNDA TURMA Publicação; 07/04/2016 e-DJF1).
Na hipótese, a parte-autora, no intuito de provar o seu labor rural, catalogou aos autos, dentre outros, os seguintes documentos: recibo de quitação e cessão de direito de posses, datado em 1991, em que consta o requerente como lavrador (ID. 322652138, pág. 28); contrato de compra e venda de chácara, datado em 2007, em que o autor é qualificado como agricultor (ID. 322652138, págs. 29/32). Tais encartes, em tese, configuram início razoável de prova material da atividade campesina, segundo orientação jurisprudencial deste Tribunal. Além disso, na exordial, pugnou expressamente pela oitiva de testemunhas em audiência de instrução e julgamento. Não obstante, o magistrado a quo entendeu que os documentos acostados à inicial não configuravam início de prova material, afirmando a prescindibilidade da designação de audiência de instrução e julgamento e proferiu sentença de improcedência. Assim, mostrou-se açodada referida decisão, até mesmo porque o deferimento da prestação requerida pela parte-autora desafia prova testemunhal a ser corroborada por documentos trazidos com a peça pórtico.
Sendo inaplicáveis os efeitos da revelia em desfavor do INSS, não tem lugar o julgamento antecipado da lide por exigir dilação probatória para a indispensável produção da prova testemunhal complementar, cuja nulidade da sentença é medida que se impõe.
Posto isso, dou provimento à apelação da parte-autora, para anular a sentença, com a determinação de retorno dos autos à origem, dado que o feito ainda não se encontra maduro para julgamento, em face da inaplicabilidade do procedimento previsto no art. 1.013, §3º, do CPC.
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1011461-54.2023.4.01.9999
APELANTE: DECIVAL FERREIRA DE VASCONCELOS
Advogado do(a) APELANTE: RAQUEL BRAZ ODORICO RAMOS - RO10330
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. HÍBRIDA OU MISTA. TEMPO RURAL E URBANO. ART. 48 § 3º, LEI 8.213/91. INÍCIO DE PROVA MATERIAL A SER CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. TEMA 1007 DO STJ. ROL DE TESTEMUNHAS ARROLADO. JULGAMENTO LIMINAR DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. SENTENÇA ANULADA. REMESSA DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM.
1. O benefício híbrido previsto no artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, destina-se aos trabalhadores rurais que, por alguma circunstância, trabalharam no meio urbano, não importando se retornaram ou não ao campo ao tempo do implemento do requisito etário ou da apresentação do requerimento administrativo.
2. O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Recursos Especiais 1.674.221 e 1.788.404), fixou a seguinte tese: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo" (Tema 1.007).
3. A qualificação de segurado especial como rurícola, por sua natureza e finalidade, exige a produção de prova testemunhal em audiência, porquanto indispensável para corroborar o início de prova material na comprovação do exercício da atividade rural em regime de subsistência no período equivalente à carência do benefício requerido, momento em que o juiz apreciará a valoração das demais circunstâncias da situação fática em conjunto com os elementos de prova, tendente à formação da convicção do julgador.
4. Estando o feito alicerçado em início razoável de prova material, macula, outrossim, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, a sentença que julga improcedente o pedido sem oportunizar à parte-autora a produção de prova oral para corroborar o início de prova material encartado, conforme exigência da Lei n. 8.213/90.
5. “Em demanda previdenciária, objetivando-se a concessão de aposentadoria por idade, incorre em cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o magistrado condutor do feito não permite a produção de prova testemunhal, essencial à espécie, e requerida, expressamente, pela parte autora, como no caso dos autos, por entender que o processo está suficientemente instruído.” (AC 0013184-86.2012.4.01.9199 / GO; Rel. JUIZ FEDERAL CÉSAR CINTRA JATAHY FONSECA (CONV.) - Órgão: SEGUNDA TURMA Publicação; 07/04/2016 e-DJF1).
6. Na hipótese, a parte-autora, no intuito de provar o seu labor rural, catalogou aos autos, dentre outros, os seguintes documentos: recibo de quitação e cessão de direito de posses, datado em 1991, em que consta o requerente como lavrador (ID. 322652138, pág. 28); contrato de compra e venda de chácara, datado em 2007, em que o autor é qualificado como agricultor (ID. 322652138, págs. 29/32). Tais encartes, em tese, configuram início razoável de prova material da atividade campesina, segundo orientação jurisprudencial deste Tribunal. Além disso, na exordial, pugnou expressamente pela oitiva de testemunhas em audiência de instrução e julgamento. Não obstante, o magistrado a quo entendeu que os documentos acostados à inicial não configuravam início de prova material, afirmando a prescindibilidade da designação de audiência de instrução e julgamento e proferiu sentença de improcedência. Assim, mostrou-se açodada referida decisão, até mesmo porque o deferimento da prestação requerida pela parte-autora desafia prova testemunhal a ser corroborada por documentos trazidos com a peça pórtico.
7. Na esteira da orientação jurisprudencial desta Corte Regional, o arcabouço probatório acostado aos autos pela parte-autora configura, em tese, início razoável de prova material da atividade rural, desafiando prova testemunhal para ser corroborado. A prova material em harmonia com a prova testemunhal é requisito imprescindível para o reconhecimento judicial do benefício de aposentadoria rural, na ausência de prova plena do exercício da atividade campesina.
8. Apelação da parte-autora provida para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem, dado que o feito ainda não se encontra maduro para julgamento, em face da inaplicabilidade do procedimento previsto no art. 1.013, § 3º, do CPC.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte-autora para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, nos termos do voto do Relator.
Brasília - DF.
ASSINADO DIGITALMENTE
Desembargador Federal João Luiz de Sousa
Relator
