
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ANTONIO CARLOS CARVALHO DE REZENDE
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ELIANA NUCCI ENSIDES - MT14014-A e JOAO BATISTA ANTONIOLO - MT14281-A
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1035789-19.2021.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000364-73.2019.8.11.0044
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ANTONIO CARLOS CARVALHO DE REZENDE
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ELIANA NUCCI ENSIDES - MT14014-A e JOAO BATISTA ANTONIOLO - MT14281-A
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício de aposentadoria por idade de trabalhador rural, com DIB na DER e condenação ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre as parcelas vencidas.
Em suas razões, requer a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, ao argumento da falta de provas do exercício do trabalho rural. Assevera ainda que não foram considerados na sentença os documentos juntados com a contestação, que demonstram que o autor era empresário, dono de comércio de bicicletas, na cidade de Pedro Gomes - MS, a qual permaneceu ativa entre 1981 e 2018.
Regularmente intimada, a recorrida apresentou contrarrazões.
É o relatório.

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1035789-19.2021.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000364-73.2019.8.11.0044
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ANTONIO CARLOS CARVALHO DE REZENDE
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ELIANA NUCCI ENSIDES - MT14014-A e JOAO BATISTA ANTONIOLO - MT14281-A
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Diante da inexistência de preliminares ou/e defesa indireta de mérito, mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente à aposentadoria rural.
Nada obstante os ditames do art. 38-B, § 1º, da Lei nº 8.213/1991 rezarem que “a partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei” - sendo que o aludido repositório é o Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, admite-se, para momentos anteriores de labor o uso de outras modalidades probatórias (art. cit, § 2º). Tal se mostra compreensível dada a precariedade da inserção efetiva de elementos testificadores de trabalho campesino a quem o desenvolve, sobretudo quando se tratar de exercício da atividade em localidades afastadas, insertas a grandes distâncias dos centros urbanos.
Consignada dita premissa, convém destacar que a jurisprudência admite como requisitos para a aposentadoria rural: 1) a idade (se homem 60 anos e se mulher 55 anos, conforme art. 201, § 7º, II, da Lei Maior e art. 48,§ 1º, da Lei nº 8213/91); 2) a carência (arts. 48, 142 e 143 todos da Lei de Benefícios da Previdência Social). Nesta trilha conferir, todos do STJ e da lavra do Min. Herman Benjamin: REsp1803581, 2ª T, DJE de 18/10/2019; AREsp 1539221, 2ª T, DJE 11/10/2019; AREsp 1539106, 2ª T, DJE 11/10/2019; e AREsp 1538240, 2ª T. DJE 11/10/2019.
De outra perspectiva, não se olvide que o(a) trabalhador(a) deve permanecer “...nas lides campesinas até o momento imediatamente anterior ao requerimento ou até às vésperas do preenchimento do requisito etário(...”), pois, o STJ, através da Primeira Seção, no julgamento do REsp. 1.354.908/SP, sob o rito do art. 543-C do CPC, DJe 10/02/2016, Rel. Min. MAURO CAMBPELL MARQUES, consolidou o entendimento no sentido de que apenas se revela possível excetuar a regra que impõe o exercício de atividade rural até o momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo na hipótese em que o segurado tenha desenvolvido seu mister no campo pelo número de meses correspondente ao exigido para fins de carência, até o momento em que implementado o requisito etário. Trata-se de resguardar o direito adquirido daquele que, não obstante o cumprimento dos requisitos necessários, não tenha requerido, de imediato, a aposentadoria rural por idade”. (AIREsp 1786781, STJ, Rel. Min. Sergio Kukina, 1ª T, DJE de 02/09/2019).
No caso dos autos, o pedido foi julgado procedente, em primeira instância, a vista da constatação, pelo julgador, do preenchimento dos requisitos legais (idade, qualidade de segurado especial e carência).
O INSS, por sua vez, insurge-se contra os documentos considerados pelo Juízo como início de prova material, alegando que não comprovam o exercício da atividade rural ainda que de forma descontínua no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício por igual número de meses correspondentes à carência.
Sem razão, no entanto. No que tange a tal ponto de análise, cumpre, de modo definitivo, lembrar que “É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos. São idôneos, portanto, certidões de casamento, de óbito, de nascimento dos filhos, Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), certificado de reservista, carteiras de beneficiário do extinto INAMPS, entre outros registros públicos, sendo certo que a qualificação profissional de lavrador ou agricultor constante desses documentos não só aproveita em favor de seu titular, mas é extensível a cônjuge/companheiro(a) e aos filhos. Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural. Eventual enquadramento do segurado ou do cônjuge/companheiro como empregador rural tampouco descaracteriza a condição de segurado especial do beneficiário, seja por conta das provas produzidas, seja em virtude das disposições do Decreto-lei 1.166/71, segundo o qual a qualificação de empregador II-B é uma denominação a quem, proprietário ou não, mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência. Pontuo, ainda, que não desconfigura a qualidade de rurícola a existência de empregados temporários (art.11, VII, § 1º, da Lei 8.213/91) e a comercialização do excedente da produção feita diretamente pelo agricultor (art. 25 da Lei 8.212/91). A jurisprudência do STJ já firmou entendimento no sentido de que o tamanho da propriedade rural, por si só, não tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar quando, preenchidos os demais requisitos legalmente exigidos (...).” (REsp 1649636, STJ, Rel. MIn. Herman Benjamin, 2ª T, DJE 19/04/2017).
Analisando detidamente a prova dos autos sob o prisma da jurisprudência do STJ, verifico que os documentos são, sim, válidos como início de prova material. Dentre os documentos juntados, há carteira de associado da Associação Comunitária dos Moradores da Localidade denominada Pacu, no Munícipio de Paranatinga/MT, emitida em 26/11/1990, e atas de reuniões da referida associação, do ano de 1996 (fls. 21/24 e 26 da rolagem única); e diversas notas fiscais de compra de produtos agropecuários e de vacinas contra brucelose, emitidas nos anos de 1993, 2007, 2009, 2010, 2012 e 2014 a 2018 (fls. 30/40 da rolagem única); e atestados de vacinação contra brucelose, emitidos em 27/12/2005 e 30/11/2017 (fls. e 89 da rolagem única).
Argumentou ainda, o INSS, que o autor era empresário, dono de loja de bicicletas, que teria permanecido ativa entre 1981 e 2018, o que seria suficiente a desconstituir o regime de economia familiar.
Entretanto, verifico, conforme informação constante do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (fls. 144/145 da rolagem única), acostada aos autos pelo autor, que a referida empresa, aberta em 05/02/1981, encontra-se baixada, motivo “extinção p/ enc. liq. voluntária”, desde 05/02/1997, o que não prejudica a comprovação do período de carência necessário ao recebimento do benefício, uma vez que os documentos colacionados aos autos demonstram que o autor permaneceu nas lides campesinas após o final da atividade citadina de microempresário, fazendo prova, assim, da sua qualidade de segurado especial durante o período anterior à DER.
De outro lado, tendo havido confirmação por testemunhas – cujo depoimento, diga-se, não foi impugnado pelo apelante, não há que se falar em insuficiência da prova material. Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VOTO-VISTA DO MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES. ALINHAMENTO COM A POSIÇÃO DO NOBRE COLEGA. APOSENTADORIA POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS E CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. POSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ AFASTADO. 1. A controvérsia gira em torno do preenchimento dos requisitos para a concessão de pensão por morte à autora. 2. A jurisprudência do STJ se mostra firme no sentido de que o reconhecimento de tempo de serviço rurícola exige que a prova testemunhal corrobore um início razoável de prova material, sendo certo que o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo. 3. Segundo a orientação do STJ, as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha de inscrição em Sindicato Rural, contratos de parceria agrícola, podem servir como início da prova material nos casos em que a profissão de rurícola estiver expressamente mencionada desde que amparados por convincente prova testemunhal. Precedentes: AgRg no AREsp 577.360/MS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/6/2016, e AR 4.507/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, DJe 24/8/2015. 4. O acórdão recorrido concluiu desconsiderar as provas materiais, afastando a decisão do juízo sentenciante que presidiu a instrução do feito, que bem valorou as provas ao ter estabelecido contato direto com as partes, encontrando-se em melhores condições de aferir a condição de trabalhador rural afirmada pelo autor e testemunhas ouvidas. 5. O juízo acerca da validade e eficácia dos documentos apresentados como o início de prova material do labor campesino não enseja reexame de prova, vedado pela Súmula 7/STJ, mas sim valoração do conjunto probatório existente. Precedentes: AgRg no REsp 1.309.942/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 11/4/2014, e AgRg no AREsp 652.962/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 3/9/2015. 6. Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.650.326/MT, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/6/2017, DJe de 30/6/2017.)
Assim, o conjunto probatório revela o exercício do labor rural, bem como o cumprimento da carência prevista no art. 142 da Lei n. 8.213/91. Portanto, atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício previdenciário - início de prova material apta a demonstrar a condição de rurícola da autora, corroborada por prova testemunhal, e idade mínima, é devido o benefício de aposentadoria por idade rural.
Desse modo, a sentença de primeiro grau se encontra bem fundamentada quanto à análise de todo o conjunto probatório e não existem elementos nos autos que possam infirmar o quanto ali consignado.
Por fim, quanto à correção monetária, verifico que a sentença determinou a aplicação do pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, devendo após ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
A correção de benefícios previdenciários nunca foi feita pela TR, sendo o art. 1º-F da Lei 9.494/97 utilizado tão somente para fixação de juros de mora. A correção monetária obedece ao art. 1º da Lei 11.430/2006, que determina a aplicação do INPC.
Por se tratar de questão alusiva à ordem pública (conferir AgInt nos EDcl no AREsp 2088555) e, portanto, passível de cognição a qualquer tempo e grau, mister deliberar, desde já, temática condizente à correção monetária da matéria previdenciária.
E, nesta órbita, entende-se em determinar que a atualização monetária será efetivada conforme as diretrizes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, já atualizado em consonância com o Tema 905 do STJ, além da EC 113/2021 (art. 3º).
De conseguinte, mediante atuação ex officio, altero a sentença de primeiro grau para ordenar que seja aplicado o Manual de Cálculos já reportado para correção monetária do benefício previdenciário em discussão, além do art. 3º, da EC 113/2021.
Posto isto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO interposto e, de ofício, reformo a sentença prolatada no que tange ao índice de correção monetária.
Fixo os honorários recursais em 11%, posto que majoro o valor fixado em primeira instância em um ponto percentual, com observância da Súmula 111, do STJ.
É o voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

Gab. 25 - DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO
PROCESSO: 1035789-19.2021.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000364-73.2019.8.11.0044
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ANTONIO CARLOS CARVALHO DE REZENDE
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ELIANA NUCCI ENSIDES - MT14014-A e JOAO BATISTA ANTONIOLO - MT14281-A
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. ATIVIDADE URBANA DO AUTOR ANTERIOR AO PERÍODO DE CARÊNCIA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. UTILIZAÇÃO DO INPC PARA CORREÇÃO DE DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS. TEMA 905 STJ. RECURSO IMPROVIDO.
1. São requisitos para aposentadoria do trabalhador rural: contar 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91).
2. O rol de documentos do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural. Para o reconhecimento do labor agrícola é desnecessário que o início de prova material seja contemporâneo a todo o período de carência exigido, desde que haja confirmação por prova testemunhal (Súmula 577 STJ).
3. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial mediante prova material complementada por idônea prova testemunhal, restando suficientemente comprovada a atividade campesina do autor no número de meses necessários ao cumprimento da carência, razão pela qual o benefício lhe é devido.
4. Quanto às informações constantes do CNIS do autor, indicativas da existência de atividade empresarial, não descaracterizam sua qualidade de segurado especial, porquanto anterior ao período de carência a ser considerado.
5. Por se tratar de questão alusiva à ordem pública, alterada de ofício a sentença para determinar a aplicação do Manual de Cálculos da Justiça Federal para correção monetária, posto que atualizado em consonância com o Tema 905 do STJ e art. 3º, da EC113/2021.
6. Apelação a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação interposta e, de ofício, reformar a sentença no que tange a modificação do índice de correção monetária, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
