
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:SONIA MARIA DE BRITO BECHELLI
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MARIO FRANCISCO MARQUES - GO9327-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1014989-96.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SONIA MARIA DE BRITO BECHELLI
Advogado do(a) APELADO: MARIO FRANCISCO MARQUES - GO9327-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra sentença que julgou procedente o pedido da autora, Sra. SONIA MARIA DE BRITO BECHELLI, de aposentadoria rural por idade.
Nas razões de recurso alegou, em síntese, que os documentos apresentados não servem como início de prova material para comprovação da atividade rural.
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1014989-96.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SONIA MARIA DE BRITO BECHELLI
Advogado do(a) APELADO: MARIO FRANCISCO MARQUES - GO9327-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, no período imediatamente anterior à formulação do requerimento administrativo ou ao implemento do requisito etário (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
O efetivo exercício da atividade campesina deve ser demonstrado, no mínimo, mediante razoável início de prova material corroborado por prova oral.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que ateste a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
Por fim, convém registrar que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar etc., não são aptos a demonstrar o início de prova material na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Fixadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
A parte autora, nascida em 18/08/1966 (fl. 13, ID 337962155), preencheu o requisito etário em 18/08/2021 (55 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade na qualidade de segurada especial em 15/09/2021 (fls. 11/12, ID 337962155), que foi indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ato contínuo, ajuizou a presente ação em 14/12/2021, pleiteando a concessão do benefício supracitado a contar do requerimento administrativo.
Assim, como atingiu a idade em 2021, para ter direito ao benefício postulado, deve comprovar o exercício de atividade campesina por 180 meses (15 anos) no período imediatamente anterior à data do requerimento administrativo ou à data do implemento da idade mínima (Súmula 54 da TNU).
Para comprovar sua qualidade de segurado especial e o exercício de atividade rural pelo prazo de carência, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de casamento, realizado em 03/07/1994, constando a profissão da autora como “do lar” e do marido como “escrevente cartório” (fl. 14, ID 337962155);
b) extrato cadastral da receita em nome do cônjuge da autora, emitido em 11/10/2016, indicando que a propriedade tem como atividade econômica principal a “criação de bovinos para corte” (fl.16, ID 337962155);
c) consulta resumida de contribuinte pessoa física, indicando o cadastro do cônjuge desde 19/07/2000 (fl. 17, ID 337962155);
d) certidão de matrícula do imóvel, expedida em 23/11/2018 (fl. 55, ID 337962155).
Caso em que, embora a autora afirme estar "separada de corpos" de seu cônjuge, não há elementos que comprovem com precisão quando tal evento ocorreu, se é que ocorreu. Destaca-se que, na autodeclaração juntada ao processo administrativo ainda em 2021, a requerente incluiu o cônjuge como integrante de seu núcleo familiar (fls. 50/50, ID 337962155). Além disso, o comprovante de endereço de energia elétrica referente a outubro de 2021 (fl. 18, ID 337962155) também está vinculado ao cônjuge. Por fim, embora a autora tenha indicado que reside sozinha na fazenda, constatou-se em diligência realizada por oficial de justiça em 28/03/2022 que ela reside em companhia de sua família. Nesse sentido, é crível que a autora resida com seu marido, atualmente aposentado, e com sua filha.
Dessa forma, analisando-se os autos do processo, constata-se que o cônjuge da autora exerceu atividade no "1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica" desde 1956 até, pelo menos, 2010. Durante esse interregno, verifica-se que, em determinados meses, o cônjuge auferiu valores superiores a 70 vezes o salário mínimo vigente à época.
Entre os anos de 2006 e 2010, incluídos no período de carência, evidencia-se que o cônjuge percebia uma renda média superior a R$ 18.000,00, enquanto o salário mínimo vigente variou entre R$ 350,00 e R$ 510,00.
Além disso, a prova oral produzida revelou-se frágil e imprecisa. A testemunha, embora tenha afirmado conhecer a autora há mais de vinte anos, declarou que frequentava a chácara esporadicamente, não conseguindo sequer precisar se a requerente possuía veículos automotores. Adicionalmente, a testemunha indicou que a principal fonte de renda da requerente era a ordenha de bovinos, o que contradiz as informações fornecidas pela própria autora, que afirmou raramente se dedicar a essa atividade.
Portanto, a parte autora trouxe aos autos, para comprovar o labor rural, apenas documentos em nome de terceiros, especificamente de seu cônjuge, que não demonstram o exercício do trabalho rural em regime de economia familiar pelo período de carência necessário para a aposentadoria por idade rural. Considerando que seu marido auferia quantias salariais significativas em razão de seu trabalho no cartório e que o regime de economia familiar se caracteriza quando o trabalho da família é indispensável à sua subsistência e desenvolvimento socioeconômico, resta evidente a insuficiência de prova para o benefício pleiteado.
Assim, a não comprovação da qualidade de segurado especial da parte autora, na condição de trabalhador rural, pelo menos durante o cumprimento do prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213, de 1991, impossibilita a concessão do benefício postulado.
O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.352.721, na sistemática dos recursos repetitivos (Tema 629), firmou a tese de que “a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa”.
O processo deve ser extinto, de ofício, sem resolução do mérito, em razão da ausência de conteúdo probatório suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurada.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS PROCESSUAIS
Inverto os ônus da sucumbência, ficando a parte vencida condenada em custas processuais e honorários advocatícios em favor da parte vencedora, englobando trabalho do advogado em primeiro e segundo graus (art. 85, §11, CPC), que ora fixo em 1% (um por cento) acima dos percentuais mínimos previstos no art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, sobre o valor atualizado da causa. Suspensa sua exigibilidade em razão da assistência judiciária gratuita deferida.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO, DE OFÍCIO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurado, e JULGO PREJUDICADA a apelação do INSS.
Eventuais valores pagos a título de tutela provisória estarão sujeitos a restituição, conforme Tema 692/STJ: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago”.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1014989-96.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SONIA MARIA DE BRITO BECHELLI
Advogado do(a) APELADO: MARIO FRANCISCO MARQUES - GO9327-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL PELO PERÍODO DE CARÊNCIA PARA O BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL. PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO PREJUDICADA.
1. A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, no período imediatamente anterior à formulação do requerimento administrativo ou ao implemento do requisito etário (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
2. A parte autora, nascida em 18/08/1966 (fl. 13, ID 337962155), preencheu o requisito etário em 18/08/2021 (55 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade na qualidade de segurada especial em 15/09/2021 (fls. 11/12, ID 337962155), que foi indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ato contínuo, ajuizou a presente ação em 14/12/2021, pleiteando a concessão do benefício supracitado a contar do requerimento administrativo.
3. Para comprovar sua qualidade de segurado especial e o exercício de atividade rural pelo prazo de carência, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos: a) certidão de casamento, realizado em 03/07/1994, constando a profissão da autora como “do lar” e do marido como “escrevente cartório” (fl. 14, ID 337962155); b) extrato cadastral da receita em nome do cônjuge da autora, emitido em 11/10/2016, indicando que a propriedade tem como atividade econômica principal a “criação de bovinos para corte” (fl.16, ID 337962155); c) consulta resumida de contribuinte pessoa física, indicando o cadastro do cônjuge desde 19/07/2000 (fl. 17, ID 337962155); d) certidão de matrícula do imóvel, expedida em 23/11/2018 (fl. 55, ID 337962155).
4. Caso em que, embora a autora afirme estar "separada de corpos" de seu cônjuge, não há elementos que comprovem com precisão quando tal evento ocorreu, se é que ocorreu. Destaca-se que, na autodeclaração juntada ao processo administrativo ainda em 2021, a requerente incluiu o cônjuge como integrante de seu núcleo familiar (fls. 50/50, ID 337962155). Além disso, o comprovante de endereço de energia elétrica referente a outubro de 2021 (fl. 18, ID 337962155) também está vinculado ao cônjuge. Por fim, embora a autora tenha indicado que reside sozinha na fazenda, constatou-se em diligência realizada por oficial de justiça em 28/03/2022 que ela reside em companhia de sua família. Nesse sentido, é crível que a autora resida com seu marido, atualmente aposentado, e com sua filha.
5. Constata-se que o cônjuge da autora exerceu atividade no "1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica" desde 1956 até, pelo menos, 2010. Durante esse interregno, verifica-se que, em determinados meses, o cônjuge auferiu valores superiores a 70 vezes o salário mínimo vigente à época. Entre os anos de 2006 e 2010, incluídos no período de carência, evidencia-se que o cônjuge percebia uma renda média superior a R$ 18.000,00, enquanto o salário mínimo vigente variou entre R$ 350,00 e R$ 510,00.
6. A prova oral produzida revelou-se frágil e imprecisa. A testemunha, embora tenha afirmado conhecer a autora há mais de vinte anos, declarou que frequentava a chácara esporadicamente, não conseguindo sequer precisar se a requerente possuía veículos automotores. Adicionalmente, a testemunha indicou que a principal fonte de renda da requerente era a ordenha de bovinos, o que contradiz as informações fornecidas pela própria autora, que afirmou raramente se dedicar a essa atividade.
7. Portanto, a parte autora trouxe aos autos, para comprovar o labor rural, apenas documentos em nome de terceiros, especificamente de seu cônjuge, que não demonstram o exercício do trabalho rural em regime de economia familiar pelo período de carência necessário para a aposentadoria por idade rural. Considerando que seu marido auferia quantias salariais significativas em razão de seu trabalho no cartório e que o regime de economia familiar se caracteriza quando o trabalho da família é indispensável à sua subsistência e desenvolvimento socioeconômico, resta evidente a insuficiência de prova para o benefício pleiteado.
8. A não comprovação da qualidade de segurado especial da parte autora, na condição de trabalhador rural, pelo menos durante o cumprimento do prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213, de 1991, impossibilita o deferimento do benefício postulado.
9. O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.352.721 na sistemática dos recursos repetitivos (Tema 629), firmou a tese de que “a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa”.
10. Processo extinto, de ofício, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurado.
11. Apelação prejudicada.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, extinguir o processo, de ofício, sem resolução do mérito, e julgar prejudicada a apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
