
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:APARECIDO PEREIRA DA PAIXAO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CONRADO AGOSTINI MACHADO - MT16637-A e RONALDO NOGUEIRA MACHADO - MT5311-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1024576-79.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO PEREIRA DA PAIXAO
Advogados do(a) APELADO: CONRADO AGOSTINI MACHADO - MT16637-A, RONALDO NOGUEIRA MACHADO - MT5311-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença na qual foi julgado procedente o pedido de aposentadoria rural por idade, desde a data do requerimento administrativo.
O recorrente alega que a esposa do autor possui vínculos urbanos, o que descaracteriza a sua condição de segurado especial. Alega que possui patrimônio incompatível, sendo proprietário de um veículo MMC/TRITON SPORT HPE, ano 2019, o que descaracteriza a sua condição de segurado especial.
A parte autora apresentou contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1024576-79.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO PEREIRA DA PAIXAO
Advogados do(a) APELADO: CONRADO AGOSTINI MACHADO - MT16637-A, RONALDO NOGUEIRA MACHADO - MT5311-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
O efetivo exercício da atividade campesina deve ser demonstrado através do início de prova material, corroborado por prova oral.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme disposto na Súmula 14 da TNU, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
Convém registrar, ainda, que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar não são aptos a demonstrar o início de prova material, na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Fixadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 05/01/1960, preencheu o requisito etário em 05/01/2020 (60 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade rural em 05/03/2020, o qual restou indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ajuizou a presente ação em 13/05/2021, pleiteando a concessão do benefício mencionado.
Para comprovação da qualidade de segurado e carência, a parte autora trouxe aos autos, entre outros, os seguintes documentos: notas fiscais de compra de vacina e produtos agropecuários; notas fiscais de venda de leite in natura, emitidas em 2004 e 2005; certidão de matrícula de imóvel em nome do autor, datada de 2004.
Da análise dos documentos apresentados, vê-se que a certidão de imóvel rural de propriedade do autor, datada de 2004, e as notas ficais de venda de leite (anos 2004/2005) constituem início razoável de prova material da sua condição de segurado especial.
O início de prova material foi corroborado pela prova testemunhal colhida, que confirmou o exercício da atividade rural pela parte autora pelo prazo necessário à concessão do benefício. Veja-se teor da sentença:
“A testemunha LUCIANO DE ROCHA TOMÉ, relatou que: a) conhece a parte a autora há 25 anos; b) trabalha tirando leite; c) mora somente com sua esposa; d) plantava milho e feijão; e) nunca trabalhou nem morou na cidade; f) não possui maquinários nem funcionários; g) tem apenas gado leiteiro;
Por sua vez, a testemunha LEOBINO GRASSIOTE, descreveu que: a) conhece a parte a autora há mais de 25 anos; b) moram próximos; c) que trabalha com gado leiteiro e plantações de roça; d) nunca viu trabalhar nem morar na cidade; e) mora somente com a esposa; f) não possui empregados.”
O INSS alega em seu recurso que a esposa do requerente manteve vínculo urbano, fato que afastaria a condição de segurado especial do autor.
Segundo entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.304.479-SP, sob o rito do art. 543-C do CPC, o fato de um dos membros do grupo exercer atividade incompatível com o regime de economia familiar não descaracteriza, por si só, a atividade agrícola dos demais componentes, caso haja prova em nome próprio, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.
No caso em análise, o vínculo urbano da esposa do autor com o município, entre 1977 e 2013, não afasta a condição de segurado especial do mesmo, tendo em vista que ele apresentou prova em nome próprio quanto ao desempenho da atividade rural e não restou demonstrada nos autos a dispensabilidade do labor rural para o sustento da família diante do salário auferido pela sua esposa.
Registra-se ainda que a existência de veículo em nome do requerente (MMC/TRITON SPORT HPE, ano 2019) não descaracteriza a condição de segurado especial. Isso porque, tratando-se de pequeno proprietário rural (segurado especial em regime de economia familiar), é razoável que, ao longo da vida, consiga adquirir veículos utilitários, compatíveis com as necessidades atinentes à atividade rurícola, tal como o de sua propriedade.
Assim, tendo em vista que a prova testemunhal colhida nos autos corrobora a pretensão da parte autora e considerando ainda que o INSS não trouxe aos autos outros documentos aptos a desconstituir a qualidade de segurada especial, deve ser mantido o benefício de aposentadoria por idade rural.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE, em sede de repercussão geral (Tema 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905). “Nos termos do art. 3° da Emenda Constitucional nº113/2021, após 8/12/2021, deverá incidir apenas a taxa SELIC para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação de mora até o efetivo pagamento” (AC 1017905-06.2023.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS, TRF1 - NONA TURMA, PJe 26/03/2024).
A sentença merece reforma quanto aos encargos moratórios, nos termos acima explicitados.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Ressalvando meu ponto de vista pessoal sobre a questão, “é cabível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais (art. 85, § 11, do CPC), impondo-se a majoração do percentual já fixado, relativo aos honorários advocatícios, independentemente de comprovação do efetivo trabalho adicional pelo advogado da parte recorrida, sendo devida mesmo quando não apresentadas contrarrazões” (AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 2.236.428/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 26/10/2023).
Honorários advocatícios majorados na fase recursal em R$2.000,00 (dois mil reais), além do montante já fixado pelo Juízo de origem (art. 85, §11, CPC).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS, nos termos da fundamentação do voto. Altero, de ofício, os encargos moratórios, nos termos acima explicitados.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1024576-79.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO PEREIRA DA PAIXAO
Advogados do(a) APELADO: CONRADO AGOSTINI MACHADO - MT16637-A, RONALDO NOGUEIRA MACHADO - MT5311-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. SEGURADO ESPECIAL. VÍNCULO URBANO DO CÔNJUGE. IRRELEVÂNCIA NO CASO. VEÍCULO EM NOME DO SEGURADO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. READEQUAÇÃO. HONORÁRIOS MAJORADOS. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de aposentadoria por idade rural desde a data do requerimento administrativo.
2. O INSS alega que a condição de segurado especial do autor foi descaracterizada em razão do vínculo urbano de sua esposa e da existência de patrimônio incompatível, incluindo a propriedade de veículo (MMC/TRITON SPORT HPE, ano 2019).
3. A controvérsia consiste em verificar se a condição de segurado especial do autor foi descaracterizada em razão do vínculo urbano de sua esposa e da existência de veículo em seu nome, à luz da legislação previdenciária aplicável e da jurisprudência vigente.
4. A concessão do benefício de aposentadoria por idade rural exige o preenchimento da idade mínima (60 anos para homens) e a comprovação do exercício de atividade rural pelo período equivalente à carência (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
5. A qualidade de segurado especial pode ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, não sendo necessário que os documentos cubram todo o período de carência. (Súmula 14 da TNU).
6. No presente caso, a parte autora apresentou documentos como notas fiscais de venda de leite (2004/2005) e certidão de propriedade rural (2004), considerados início de prova material, os quais foram corroborados por prova testemunhal consistente sobre a atividade rural exercida no período necessário.
7. Quanto ao vínculo urbano da esposa do autor, a jurisprudência do STJ (REsp 1.304.479-SP) estabelece que o exercício de atividade urbana por um dos membros do núcleo familiar não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais, desde que haja prova da atividade rural em nome próprio e que o trabalho urbano não torne dispensável o trabalho rural para a subsistência da família. No caso, o autor apresentou documentos em seu nome que comprovam o desempenho de atividade rural, e o vínculo urbano de sua esposa não afasta a sua condição de segurado especial.
8. A existência de veículo registrado em nome do autor (MMC/TRITON SPORT HPE, ano 2019) também não descaracteriza, por si só, a sua condição de segurado especial. Isso porque, tratando-se de pequeno proprietário rural (segurado especial em regime de economia familiar), é razoável que, ao longo da vida, consiga adquirir veículos utilitários, compatíveis com as necessidades atinentes à atividade rurícola, tal como o de sua propriedade.
9. Assim, comprovados os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade rural, a sentença que concedeu o benefício deve ser mantida.
10. Apelação do INSS desprovida. Mantida a sentença que concedeu o benefício de aposentadoria por idade rural à parte autora. Alteração, de ofício, dos encargos moratórios para adequação à jurisprudência vigente, aplicando-se a taxa SELIC a partir de 08/12/2021.
Tese de julgamento:
1. O vínculo urbano do cônjuge do segurado especial não descaracteriza a condição de segurado especial do autor, quando comprovado o exercício de atividade rural em nome próprio e a indispensabilidade do labor rural para a subsistência do grupo familiar.
2. A existência de veículo utilitário compatível com a atividade rural não descaracteriza a condição de segurado especial.
Legislação relevante citada:
- Lei nº 8.213/91, art. 48, §§ 1º e 2º
- Código de Processo Civil, art. 85, §11
- Súmula 14 da TNU
Jurisprudência relevante citada:
- STJ, REsp 1.304.479-SP
- STJ, AgRG no REsp 967344/DF
- REsp 1.495.146/MG (Tema 905)
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
