
POLO ATIVO: ANERBAS DOLORES FERRO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ALEXANDRE VIEIRA DE MELO - GO25912-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1017852-59.2022.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5597948-44.2019.8.09.0117
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora, ANERBAS DOLORES FERRO, contra sentença que julgou improcedente o seu pedido de aposentadoria por idade rural, sob o fundamento de ausência da prova de qualidade de segurada especial em regime de subsistência, tendo em vista tratar-se de produtor rural com fins lucrativos.
Em suas razões, a parte autora alega que completou a idade mínima exigida e que preenche os requisitos exigidos para concessão da aposentadoria por idade rural, pois o conjunto probatório é apto para a comprovação da sua atividade rurícola. Sustenta que a pequena propriedade rural é o meio de subsistência do grupo familiar e que os comprovantes de produção de laticínio demonstram ser variável a renda daí proveniente é dividida pelos componentes do mesmo grupo, o que o torna pequeno produtor.
Assim, requer o acolhimento do recurso para que o pedido seja julgado procedente, concedendo o benefício pleiteado de aposentadoria por idade na condição de segurado especial.
Intimado, o INSS não apresentou as contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1017852-59.2022.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5597948-44.2019.8.09.0117
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
A jurisprudência pátria, considerando a situação peculiar do trabalhador rural e a dificuldade encontrada para se comprovar a atividade rural, em qualquer de suas formas, permite que outros documentos (dotados de fé pública), não especificados em lei, sejam considerados para fins de concessão do benefício previdenciário.
Ademais, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Assim, são dotados de idoneidade para a comprovação do início de prova material do exercício de atividade rural, dentre outros documentos, as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha de inscrição em Sindicato Rural, contratos de parceria agrícola, nos casos em que a profissão de rurícola estiver expressamente mencionada, desde que amparados por convincente prova testemunhal (STJ, REsp 1.650.326/MT). E, ainda, a ficha de alistamento militar, certificado de dispensa de incorporação (CDI), título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC), certidão de casamento, carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ, AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS).
De igual forma, são aceitos, certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que estabeleçam, indiquem ou apenas indiciem a ligação da parte autora com o trabalho no meio rural, bem como CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
Consoante jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça: “os documentos trazidos aos autos pelo autor, caracterizados como início de prova material, podem ser corroborados por prova testemunhal firme e coesa, e estender sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores aos das provas apresentadas.” (REsp 1.642.731/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/06/2017).
Além disso, ressalte-se o teor da Súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório.”
Também não há necessidade de contemporaneidade da prova material em relação a todo o período do exercício da atividade rural que se pretende provar. No entanto, deve haver ao menos um início razoável de prova material contemporânea aos fatos alegados, desde que complementada por prova testemunhal. Assim, conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34). Igualmente, insta salientar que, em razão do grau de instrução do homem campesino, a prova material sempre deverá ser apreciada e interpretada com temperamento da informalidade com que é exercida a profissão e da dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nestas condições.
Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação, que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
No caso dos autos, a despeito de a parte recorrente apresentar cópias de comprovantes de recolhimento de contribuições sindicais, desde 2005, por seu pai, Jarbas da Silva Ferro, verifica-se que o endereço residencial registrado nas respectivas guias, como de domicílio do contribuinte, é urbano, mais precisamente situado no Centro de Goiânia.
Cópias de diversas guias de recolhimento de ITR referentes à Fazenda Serrano, apontam que área registrada nesses documentos é de 53,3 ha.
Complementando as provas documentais anexadas à petição inicial, foram apresentadas cópias de diversas notas fiscais de venda tendo como endereço do(a) destinatário(a) Anézia Ferreira Ferro, mãe da demandante, a da Fazenda Serrano, localizada no município de Palmeiras de Goiás/GO, nas quais se destacam diversas aquisições de vacinas imunizantes contra a febre aftosa, em quantidades que variáveis (04, 30, 80 e 89).
Acompanhando, ainda, a peça inicial, a demandante apresentou cópia de um documento intitulado “Folha de Pagamento de Leite”, tendo como produtora rural Anésia Ferreira Ferro, registrando a venda desse laticínio, em quantidades consideráveis, a estabelecimento comercial identificado como Supermercado Reis II, operação essa que tinha rotina diária, gerando renda à vendedora de forma perene, no decorrer dos períodos registrados no aludido documento (2010 a 2016). Em sequência, foram apresentadas cópias de notas fiscais relativas ao fornecimento, precipuamente no ano de 1990, do mesmo laticínio à Cooperativa Agropecuária Mista Palmeirais Ltda. – COPAL, com geração de créditos substanciais, na época, em favor de Anézia Ferreira Ferro, enquanto titular da Fazenda Serrano, indicando que a atividade comercial em relevo vem de longínqua data.
No pertinente especificamente à parte recorrente, foi apresentada uma declaração de 2018, emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeirais e Cezarina/GO, indicando se tratar de trabalhadora rural, na condição de comodatária, alegadamente desde de 2000, da Fazenda Serrano, de titularidade de sua genitora, que, como visto acima, vem desenvolvendo ao longo de mais de décadas o comércio de laticínio, cabendo destacar que os documentos que atestam essa atividade econômica não fazem qualquer alusão à ora demandante.
Acompanhando a petição inicial, o Órgão Previdenciário apresentou, em particular, extrato do CNIS onde se constata que a parte recorrente é portadora de Grau de Instrução Superior Completo, além de portadora de CNH – Categoria B, sendo proprietária de veículo VW/Gol GL 1.8 – placa KBJ-07758, além de apresentar o seguintes vínculos urbanos duradouros: a) de 02.01.1978 a 19.09.1983 – empregada no Serviço social do Comércio – SESC; b) de 19/09/1991 a 17.03.1992 – PRO CONTÁBIL CONTABILIDADE LTDA.; de 01.09.2015 a 30.04.2018 e de 01.06.2018 a 31.10.2019 – contribuinte individual.
Assim, constata-se que, em primeiro lugar, os pais da parte recorrente mantêm empreendimento comercial de natureza rural, inequivocamente voltado para a comercialização de leite bovino no decorrer de décadas; em segundo, que a demandante não desenvolveu ou desenvolve qualquer atividade rurícola, muito menos para fim de subsistência; e, em terceiro, é portadora de curso de nível superior, portando apta a desenvolver, como de fato desenvolveu atividades de natureza urbana, apresentando, portanto, perfil bem diferente do segurado especial que, indevidamente, alega ser detentora.
Dessa forma, não faz jus ao Benefício Previdenciário postulado, como bem decidido pelo Juízo de primeiro grau.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso interposto, mas para ao mesmo NEGAR PROVIMENTO, mantendo a sentença recorrida em todos os seus termos.
Condenação ao pagamento de verbas honorárias e custas processuais igualmente mantidas da forma como fixada na sentença de primeiro grau.
É como voto.
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. INEXISTÊNCIA. AUTORA PORTADORA DE GRADU DE ESCOLARIDADE SUPERIOR. FAENDA DE PROPRIEDADE DA MÃE DA AUTORA VOLTADA PARA A COMERCIALIZAÇÃO OSTENTIVA DE LATICÍNIO. VÍNCULOS EMPREGATÍCIOS DE NATUREZA URBANA MANTIDOS, DE FORMA PROLONGADA, PELA PARTE AUTORA. CONDIÇÃO DE RURÍCOLA NÃO CARACTERIZADA. SENTENÇA MANTIDA.
1. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que completar 60 anos e 55 anos de idade, respectivamente homens e mulheres, e comprovar o efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período de carência exigido para o benefício, nos termos do art. 48, §§ 1º e 2º da Lei 8.213/91.
2. Elementos de prova material juntados pelas partes demonstrando que a mãe da Autora é titular de Fazenda voltada, por décadas, à comercialização de leite em escala considerável, além de ser a própria demandante portadora de grau de instrução de nível superior, bem como apresentar vínculos de natureza urbana prolongados.
3. Situação de segurada especial, labutando em regime de economia familiar para fim de subsistência não caracterizada autos, tratando-se, na verdade, de segurada urbana com perfil totalmente distinto dos apresentados pelos rurícolas protegidos pelo Regime Previdenciário diferenciado.
4. Aposentadoria Especial indevida. Sentença de improcedência confirmada.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do TRF/1ª Região negar provimento à apelação, à unanimidade, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator