
POLO ATIVO: JOAO PEDRO TEODORO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: DIVINA SUCENA DA SILVA CAMARGO - GO16091-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1006369-95.2023.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 5723429-44.2022.8.09.0074
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: JOAO PEDRO TEODORO
REPRESENTANTES POLO ATIVO: DIVINA SUCENA DA SILVA CAMARGO - GO16091-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Trata-se de apelação interposta pelo autor de sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito.
Inconformado, o autor alega cerceamento de defesa, requerendo a anulação da sentença com a devolução dos autos à origem, para que seja realizada a audiência de instrução para produção probatória quanto sua qualidade de segurado especial.
O INSS não apresentou contrarrazões.
É o relatório.

PROCESSO: 1006369-95.2023.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 5723429-44.2022.8.09.0074
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: JOAO PEDRO TEODORO
REPRESENTANTES POLO ATIVO: DIVINA SUCENA DA SILVA CAMARGO - GO16091-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Diante da inexistência de preliminares ou/e defesa indireta de mérito, mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente à aposentadoria rural.
Nada obstante o ditame do art. 38-B, § 1º, da Lei nº 8.213/1991 rezar que “a partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei” - sendo que o aludido repositório é o Cadastro Nacional de Informações SociaIs, CNIS -, admite-se, para momentos anteriores de labor o uso de outras modalidades probatórias (art. cit, § 2º). Tal se mostra compreensível dada a precariedade da inserção efetiva de elementos testificadores de trabalho campesino a quem o desenvolve, sobretudo quando se tratar de exercício da atividade em localidades afastadas, insertas a grandes distâncias dos centros urbanos.
Consignada dita premissa, convém destacar que a jurisprudência admite como requisitos para a aposentadoria rural: 1) a idade (se homem 60 anos e se mulher 55 anos, conforme art. 201, § 7º, II, da Lei Maior e art. 48,§ 1º, da Lei nº 8213/91); 2) a carência (arts. 48, 142 e 143 todos da Lei de Benefícios da Previdência Social). Nesta trilha conferir, todos do STJ e da lavra do Min. Herman Benjamin: REsp1803581, 2ª T, DJE de 18/10/2019; AREsp 1539221, 2ª T, DJE 11/10/2019; AREsp 1539106, 2ª T, DJE 11/10/2019; e AREsp 1538240, 2ª T. DJE 11/10/2019.
De outra perspectiva, não se olvide que o(a) trabalhador(a) deve permanecer “...nas lides campesinas até o momento imediatamente anterior ao requerimento ou até às vésperas do preenchimento do requisito etário(...”), pois, o STJ, através da Primeira Seção, no julgamento do REsp. 1.354.908/SP, sob o rito do art. 543-C do CPC, DJe 10/02/2016, Rel. Min. MAURO CAMBPELL MARQUES, consolidou o entendimento no sentido de que apenas se revela possível excetuar a regra que impõe o exercício de atividade rural até o momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo na hipótese em que o segurado tenha desenvolvido seu mister no campo pelo número de meses correspondente ao exigido para fins de carência, até o momento em que implementado o requisito etário. Trata-se de resguardar o direito adquirido daquele que, não obstante o cumprimento dos requisitos necessários, não tenha requerido, de imediato, a aposentadoria rural por idade”. (AIREsp 1786781, STJ, Rel. Min. Sergio Kukina, 1ª T, DJE de 02/09/2019).
No caso dos autos a sentença de primeiro grau reconheceu a prescrição do fundo de direito e extinguiu o feito sem resolução de mérito.
No entanto, cumpre destacar que a pretensão ao benefício previdenciário em si não prescreve, mas tão somente as prestações não reclamadas em certo tempo, que vão prescrevendo uma a uma, em virtude da inércia do beneficiário.
Os benefícios previdenciários estão ligados ao próprio direito à vida e são direitos sociais que compõem o quadro dos direitos fundamentais.
Com efeito, a jurisprudência do STJ, em recentes julgados, consolidou o entendimento de que nos feitos relativos à concessão de benefício, não prescreve o fundo de direito, mas apenas as verbas pleiteadas anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação.
Ilustrativamente:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI 8.742/1993 E LEI 10.741/2003. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A questão central do recurso especial gira em torno da ocorrência ou não da prescrição da pretensão ao reconhecimento do benefício de amparo social. 2. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/1993 e também pela Lei 10.741/2003, o Estatuto do Idoso. Consiste no pagamento de um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência ou idosas, desde que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. 3. O benefício em exame está consubstanciado nos fundamentos do Estado democrático de direito, tais como o da erradicação da pobreza e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo-se ao cidadão brasileiro o mínimo existencial. 4. Relativamente à ocorrência ou não da prescrição do fundo de direito, parte-se da definição de que os benefícios previdenciários estão ligados ao próprio direito à vida e são direitos sociais que compõem o quadro dos direitos fundamentais. 5. A pretensão ao benefício previdenciário em si não prescreve, mas tão somente as prestações não reclamadas em certo tempo, que vão prescrevendo uma a uma, em virtude da inércia do beneficiário. Inteligência do parágrafo único do art. 103 da Lei 8.213/1991. 6. Recurso especial conhecido mas não provido. (REsp 1.349.296/CE, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques DJe 28/2/2014)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA RURAL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DO DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 103 DA LEI N. 8.213/91. 1. Na hipótese de concessão de benefício previdenciário, é sabido que a prescrição não atinge o direito ao benefício, mas somente as prestações não pagas, conforme se infere da leitura das redações, a antiga e a atual, do art. 103 da Lei n. 8.213/91. 2. "Em matéria de previdência social, a prescrição só alcança as prestações, não o direito, que pode ser perseguido a qualquer tempo." (REsp 1.319.280/SE, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 6/8/2013, DJe 15/8/2013.) Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1.384.787/CE, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 10/12/2013)
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 211/STJ. INAPLICABILIDADE. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 103 DA LEI 8.213/91. 1. O STJ admite o prequestionamento implícito nas hipótese em que os pontos debatidos no Recurso Especial foram decididos no acórdão recorrido, sem explícita indicação dos artigos de lei que fundamentam a decisão. No caso dos autos, embora o Tribunal de origem não tenha feito menção expressa aos arts. 103 e 103-A da Lei 8.2013/1991, emitiu juízo de valor a respeito da prescrição. Assim, não há falar em aplicação da Súmula 211/STJ, já que ficou corretamente caracterizado o prequestionamento da matéria. 2. Quanto à prescrição, em se tratando de benefício previdenciário, incide na hipótese de revisão do ato de concessão/indeferimento de benefício o disposto no art. 103 da Lei 8.213/1991: "É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo." 3. Por sua vez, "prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveria ter sido paga, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil", conforme dispõe o art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991. 4. Enquanto o prazo para revisão do ato de concessão/indeferimento de benefício é de dez anos, o prazo para haver prestações não pagas pela Previdência Social é quinquenal. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1.398.869/PB, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 11/10/2013)
Portanto, afasto a hipótese de prescrição do fundo de direito.
Extrai-se dos autos que o requisito etário restou satisfeito, porquanto a parte autora nasceu em 27/05/1956.
Há início de prova material, pela análise dos documentos colacionados, dentre os quais se destacam: Declaração de Aptidão ao Pronaf (fl. 20 da rolagem única); Escritura Pública de Compra e Venda de imóvel rural (fls. 21 a 23 da rolagem única); Recibo de entrega da declaração do ITR (fls. 24, 27 e 28 da rolagem única).
É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
São idôneos, portanto, dentre outros, a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC); a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR 3202/CE).
Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural, bem como a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
Ademais, não se pode olvidar o conteúdo da Súmula 577 do STJ segundo a qual “é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”.
Compulsando os autos, detecta-se que não fora oportunizada a dilação probatória, a despeito de a parte autora haver formulado requerimento na peça de início.
Assim, o julgamento antecipado da lide, quando se mostrava indispensável a produção das provas devidamente requeridas pela parte, importa em cerceamento de defesa e, consequentemente, em nulidade do julgado. (AC 5204431-61.2020.4.03.9999, TRF - TERCEIRA REGIÃO, DJEN DATA: 27/02/2023).
Ora, “em demanda previdenciária, objetivando-se a concessão de aposentadoria por idade, incorre em cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o magistrado condutor do feito não permite a produção de prova testemunhal, essencial à espécie, e requerida, expressamente, pela parte autora, como no caso dos autos, por entender que o processo está suficientemente instruído” (AC 0013184-86.2012.4.01.9199 / GO; Rel. JUIZ FEDERAL CÉSAR CINTRA JATAHY FONSECA (CONV.) - Órgão: SEGUNDA TURMA Publicação; 07/04/2016 e-DJF1)”
Ademais, “a falta de designação da audiência de instrução e julgamento para produção de prova testemunhal enseja a nulidade dos atos praticados a partir da ausência verificada, tendo em vista a inobservância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como ao previsto nos arts. 343, §1º, e 412, do CPC, acarretando, assim, cerceamento de defesa à parte autora” (AC 1000005-54.2021.4.01.3314, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ, TRF - PRIMEIRA REGIÃO, PJe 01/06/2023 PAG).
De todo, inviável a análise do mérito, nos termos do art. 1013, § 3º, do Código de Processo Civil, eis que incompleta a fase probatória.
Assim, dou provimento à apelação para anular a sentença proferida e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja viabilizada a dilação probatória.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1006369-95.2023.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 5723429-44.2022.8.09.0074
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: JOAO PEDRO TEODORO
REPRESENTANTES POLO ATIVO: DIVINA SUCENA DA SILVA CAMARGO - GO16091-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA. REMESSA DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM.
1. Os benefícios previdenciários estão ligados ao próprio direito à vida digna e são direitos sociais que compõem o quadro dos direitos fundamentais.
2. A pretensão ao benefício previdenciário em si não prescreve, mas tão somente as prestações não reclamadas em certo tempo, que vão prescrevendo uma a uma, em virtude da inércia do beneficiário.
3. A atividade rural de modo efetiva deve ser demonstrada por meio de razoável início de prova material, corroborada por prova testemunhal.
4. “Em demanda previdenciária, objetivando-se a concessão de aposentadoria por idade, incorre em cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o magistrado condutor do feito não permite a produção de prova testemunhal, essencial à espécie, e requerida, expressamente, pela parte autora, como no caso dos autos, por entender que o processo está suficientemente instruído” (AC 0013184-86.2012.4.01.9199 / GO; Rel. JUIZ FEDERAL CÉSAR CINTRA JATAHY FONSECA (CONV.) - Órgão: SEGUNDA TURMA Publicação; 07/04/2016 e-DJF1)”
5. Apelação da parte autora provida para anular a sentença.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do voto do relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
