
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:NELI FONTOURA DE SOUSA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DEBORA REGINA MACEDO MOURA - TO3811-A e MARLA GONCALVES GOMES - TO6476-A
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1010774-43.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELI FONTOURA DE SOUSA
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em face de sentença que deferiu o benefício de aposentadoria por idade rural. Foi concedida a tutela provisória.
Nas razões recursais (ID 419822487, fls. 188/195), o INSS sustenta, em síntese, que não há início de prova material da condição de segurada especial, corroborado pela prova testemunhal, bem como o cumprimento da carência legal para o recebimento do benefício de aposentadoria rural, haja vista que não ficou comprovado o regime de economia familiar.
Em caso de manutenção da sentença, requer a observância da prescrição quinquenal, a fixação dos honorários advocatícios, nos termos da Súmula 111 do STJ, bem como o desconto de eventuais parcelas já pagas na via administrativa e a atualização monetária com a aplicação da taxa SELIC.
As contrarrazões foram apresentadas (ID 419822487, fls. 238/245).
É o relatório.
ASSINADO DIGITALMENTE
Candice Lavocat Galvão Jobim
Desembargadora Federal
Relatora
1

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1010774-43.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELI FONTOURA DE SOUSA
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Inicialmente, assente-se a dispensa de remessa necessária no presente caso concreto, em face do teor do inciso I do § 3º do art. 496 do Código de Processo Civil, nos termos dos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (a propósito: REsp 1.735.097/RS e REsp 1.844.937/PR).
Consigno, ainda, que a prescrição atinge as prestações vencidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula 85/STJ.
Pretende a parte apelante que seja reconhecida a ausência de início de prova material da condição de segurada especial, corroborado pela prova testemunhal, bem como o cumprimento da carência legal para o recebimento do benefício de aposentadoria rural, haja vista que não ficou comprovado o regime de economia familiar. Em caso de manutenção da sentença, requer a observância da prescrição quinquenal, a fixação dos honorários advocatícios, nos termos da Súmula 111 do STJ, bem como o desconto de eventuais parcelas já pagas na via administrativa e a atualização monetária com a aplicação da taxa SELIC.
São requisitos para a concessão de aposentadoria ao trabalhador rural: ter 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/1991).
Para a comprovação do tempo de serviço na qualidade de rurícola, o exercício de atividade rural alegado deve estar alicerçado em produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, quando se fizer necessária ao preenchimento de eventuais lacunas.
Quanto aos documentos que fazem início de prova material, a jurisprudência pátria, considerando a situação peculiar do trabalhador rural e a dificuldade encontrada para se comprovar a atividade rural, em qualquer das suas formas, permite que documentos, ainda que não dotados de fé pública e não especificados no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, sejam considerados para fins de concessão do benefício previdenciário, desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais como: a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ, AgRG no REsp 967.344/DF), a certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1.067/SP, AR 1.223/MS), a declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR 3.202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme disposto na Súmula 14 da TNU, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/1991).
Além disso, a Súmula 34 da TNU dispõe que, para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar e a Súmula 149 do STJ disciplina que a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.
Esse é o entendimento do STJ pacificado quanto à necessidade de se estar atuando como rurícola ao tempo do requerimento administrativo:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(STJ - REsp: 1354908 SP 2012/0247219-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 09/09/2015, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/02/2016 RT vol. 967 p. 584).
No caso dos autos, houve o implemento do requisito etário pela parte autora em 2003. Portanto, a carência a ser cumprida é de 132 (cento e trinta e dois) meses, no período imediatamente anterior ao requerimento ou à data do implemento da idade mínima (Súmula 54 da TNU), ou seja, entre 1992 e 2003 ou 2008 e 2019.
Com vistas a constituir início de prova material da qualidade de segurada e da carência, a parte autora anexou aos autos: a) declaração de residência prestada pelo irmão da parte autora, atestando que ela reside em localidade rural; b) certidão de nascimento de filhos, datadas de 14/09/1982 e 24/09/1983, na qual consta o genitor qualificado como lavrador e a parte autora como do lar; c) certidão eleitoral, datada de 11/11/2020, na qual a parte autora se declarou como trabalhadora rural; d) prontuário médico, no qual consta endereço em área rural; e) certidão de óbito do genitor da parte autora, falecido em 25/06/2001, qualificado como lavrador aposentado; f) certidão negativa de ônus, datada de 17/04/2012, referente a imóvel rural de propriedade do genitor da parte autora; g) certidão de casamento da parte autora, celebrado em 05/11/1981, na qual o cônjuge está qualificado como lavrador; h) autodeclaração de segurada especial, na qual a parte autora declara trabalho rural como usufrutuária em regime de economia familiar no período de 2000 a 2021; i) nota fiscal de compra de produtos agropecuários 2021 em nome de irmão da parte autora (ID 419822487, fls. 03, 12 e 18, 13, 14, 15, 16, 17, 23/25, 26).
A prova testemunhal corroborou as alegações da parte autora.
Anoto que a documentação acostada pela parte autora é extemporânea ao período que pretende provar. As certidões de casamento e de nascimento de filhos estão datadas de 05/11/1981, 14/09/1982 e 24/09/1983.
A certidão eleitoral possui diminuta força probatória por se tratar de documento elaborado com base nas informações unilaterais do interessado, sem maior rigor na averiguação da veracidade da declaração prestada. Além disso, não se pode perder de vista a facilidade com que os dados cadastrais podem ser alterados, especialmente aqueles referentes ao endereço e à profissão do eleitor. Nesse rumo, o referido documento serve apenas como prova suplementar, não podendo ser considerado, sozinho, como início de prova material do labor rural.
Os documentos hospitalares são desprovidos de qualquer formalidade legal e não exprimem certeza sobre quando as informações ali foram inseridas. As notas fiscais apresentadas também não atendem aos incisos VI e VII do art. 106 da Lei nº 8.213/1991.
As declarações expedidas por Sindicato Rural ou por particulares, ainda que acompanhadas de registros de propriedades rurais em nome de terceiros, traduzem-se como mera prova testemunhal instrumentalizada, que não supre a indispensabilidade de início de prova material.
Assim, a prova apresentada não constitui início de prova material suficiente à comprovação da atividade rurícola alegada, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991.
Nesse contexto, destaco que o STJ fixou, no Tema Repetitivo 629, a tese de que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial (art. 283 do CPC/1973 e art. 320 do CPC/2015) implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC/1973 e art. 485, IV, do CPC/2015) e a consequente possibilidade de a parte autora intentar novamente a ação (art. 268 do CPC/1973 e art. 486 do CPC/2015), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa.
Em razão da concessão da tutela provisória, é devida a restituição dos valores porventura recebidos, tendo em vista a conclusão do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça na revisão do Tema Repetitivo 692/STJ: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago”.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS para EXTINGUIR o processo, sem resolução do mérito, por ausência de início de prova material da qualidade de segurada especial.
Revogo a ordem de antecipação dos efeitos da tutela. Fica o INSS autorizado a cobrar os valores pagos em razão da tutela antecipada ora revogada.
É como voto.
ASSINADO DIGITALMENTE
Candice Lavocat Galvão Jobim
Desembargadora Federal
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1010774-43.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELI FONTOURA DE SOUSA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. FALTA DE QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA REVOGADA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Pretende a parte apelante que seja reconhecida a ausência de início de prova material da condição de segurada especial, corroborado pela prova testemunhal, bem como o cumprimento da carência legal para o recebimento do benefício de aposentadoria rural, haja vista que não ficou comprovado o regime de economia familiar. Em caso de manutenção da sentença, requer a observância da prescrição quinquenal, a fixação dos honorários advocatícios, nos termos da Súmula 111 do STJ, bem como o desconto de eventuais parcelas já pagas na via administrativa e a atualização monetária com a aplicação da taxa SELIC.
2. São requisitos para a aposentadoria de trabalhador rural: ter 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/1991).
3. O requisito etário foi implementado em 2003. Portanto, a parte autora deveria provar o período de 132 (cento e trinta e dois) meses de atividade rural, conforme tabela progressiva da Lei nº 8.213/91.
4. Com vistas a constituir início de prova material da qualidade de segurada e da carência, a parte autora anexou aos autos: a) declaração de residência prestada pelo irmão da parte autora, atestando que ela reside em localidade rural; b) certidão de nascimento de filhos, datadas de 14/09/1982 e 24/09/1983, na qual consta o genitor qualificado como lavrador e a parte autora como do lar; c) certidão eleitoral, datada de 11/11/2020, na qual a parte autora se declarou como trabalhadora rural; d) prontuário médico, no qual consta endereço em área rural; e) certidão de óbito do genitor da parte autora, falecido em 25/06/2001, qualificado como lavrador aposentado; f) certidão negativa de ônus, datada de 17/04/2012, referente a imóvel rural de propriedade do genitor da parte autora; g) certidão de casamento da parte autora, celebrado em 05/11/1981, na qual o cônjuge está qualificado como lavrador; h) autodeclaração de segurada especial, na qual a parte autora declara trabalho rural como usufrutuária em regime de economia familiar no período de 2000 a 2021; i) nota fiscal de compra de produtos agropecuários 2021 em nome de irmão da parte autora.
5. A prova testemunhal corroborou as alegações da parte autora.
6. No entanto, a prova apresentada não constitui início de prova material suficiente à comprovação da atividade rurícola alegada, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, ainda que corroborada por prova testemunhal.
7. Nesse contexto, o STJ fixou no Tema Repetitivo nº 629 a tese de que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial (art. 283 do CPC/1973 e art. 320 do CPC/2015) implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC/1973 e art. 485, IV, do CPC/2015) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC/1973 e art. 486 do CPC/2015), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa.
8. Em razão da concessão da tutela provisória, é devida a restituição dos valores porventura recebidos, tendo em vista a conclusão do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça na revisão do Tema Repetitivo 692/STJ: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago”.
9. Assim, o processo deve ser extinto, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade do segurada, nos termos do art. 485, IV, CPC.
10. Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS para EXTINGUIR o processo, sem resolução do mérito, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
ASSINADO DIGITALMENTE
Candice Lavocat Galvão Jobim
Desembargadora Federal
Relatora
