
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:DORALICE PIRES MARTINS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: EDIANE APARECIDA DA CRUZ RIBEIRO - GO43823-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000167-68.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DORALICE PIRES MARTINS
Advogado do(a) APELADO: EDIANE APARECIDA DA CRUZ RIBEIRO - GO43823-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural.
O recorrente sustenta em suas razões que o ex-cônjuge da autora e pai do seu filho são trabalhadores urbanos, o que descaracteriza a sua condição de segurada especial. Aduz ainda que a autora não pode se valer da documentação em nome do seu genitor, por ter constituído família própria. Assim, requer a reforma da sentença com a improcedência do pedido inicial.
Subsidiariamente requer: “a. a observância da prescrição quinquenal; b. a fixação dos juros moratórios nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, alterado pela Lei 11.960/09, bem como a fixação dos índices de correção monetária conforme Tema 905/STJ, sem prejuízo da aplicação imediata da Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021, segundo a qual nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente; c. a fixação do percentual de honorários advocatícios no patamar mínimo (cf. artigo 85, § 3º, inciso I do NCPC), com a limitação da verba honorária ao comando do Súmula 111-STJ; d. a declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias”.
A parte autora apresentou contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000167-68.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DORALICE PIRES MARTINS
Advogado do(a) APELADO: EDIANE APARECIDA DA CRUZ RIBEIRO - GO43823-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
O efetivo exercício da atividade campesina deve ser demonstrado através do início de prova material, corroborado por prova oral.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme disposto na Súmula 14 da TNU, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
Por fim, convém registrar que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar etc., não são aptos a demonstrar o início de prova material na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Fixadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 01/02/1968, preencheu o requisito etário em 01/02/2023 (55 anos) e requereu administrativamente a concessão do seu benefício de aposentadoria por idade na qualidade de segurado especial em 26/04/2023, o qual restou indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ajuizou a presente ação em 22/05/2023, pleiteando a concessão do benefício supracitado a contar do requerimento administrativo.
Tendo em vista que a requerente atingiu a idade em 2023, para ter direito ao benefício postulado deve comprovar o exercício de atividade campesina por 180 meses (15 anos), no período imediatamente anterior à data do requerimento administrativo ou à data do implemento da idade mínima (Súmula 54 da TNU).
Para comprovar sua qualidade de segurada especial e o exercício de atividade rural pelo prazo de carência, a parte autora trouxe aos autos, entre outros, os seguintes documentos: comprovantes de residência em imóvel rural (Fazenda Jatobá) em nome de Antônio Pires Martins, seu genitor, nos anos de 2013, 2015, 2019, 2020, 2021, 2022; certidão de óbito do seu genitor (2011); certidão de matrícula do imóvel rural (Fazenda Jatobá), de propriedade do seu genitor, indicando a aquisição em 1991; certidão de casamento da autora com Edivaldo Dias Vieira, em 2015, constando a profissão do cônjuge como pedreiro, com averbação do divórcio em 2019; certidão de nascimento do filho, em 1992, constando a profissão do genitor (Wanderlan Antônio de Melo) como lavrador.
Da análise dos documentos apresentados, vê-se que a certidão de matrícula do imóvel rural (Fazenda Jatobá), de propriedade do seu genitor, indicando a aquisição em 1991 e os comprovantes de residência em imóvel rural (Fazenda Jatobá) em nome de Antônio Pires Martins, seu genitor, nos anos de 2013, 2015, 2019, 2020, 2021, 2022, constituem início razoável de prova material da sua condição de segurada especial.
No caso, restou demonstrado nos autos o desempenho de atividade rural pela autora em imóvel pertencente ao seu genitor, desde 1991, por meio da certidão de matrícula da Fazenda Jatobá.
Ressalta-se que a prova testemunhal confirmou o exercício de atividade rural pela autora no imóvel da família, antes e depois do nascimento dos seus filhos e pelo tempo necessário à concessão do benefício.
A primeira testemunha informou que conhece a autora há 30 anos, desde quando ela era solteira e morava na fazendo do seu pai; declarou que o pai criava porco e tinha gado; disse que a autora atualmente mora na mesma fazenda, a qual foi dividida entre os irmãos depois do falecimento do seu genitor; disse que a autora cria porco, galinha, tira leite; declarou que compra leite da autora.
Da mesma forma, a segunda testemunha declarou que conhece a autora há 20 anos, disse que a autora mora na fazenda; afirmou que encomenda frango com a autora e compra leite; disse que desde que conhece a autora ela mora no local; narrou que conheceu a autora quando ela já tinha filhos; declarou que a autora tem três filhos e que eles foram criados na fazenda.
Logo, a prova oral colhida nos autos corroborou os documentos apresentados, demonstrado que a requerente sempre trabalhou no meio rural na propriedade do seu genitor, adquirida em 1991.
A alegação do INSS de que o esposo e o genitor dos filhos da autora mantiveram vínculos urbanos capazes de descaracterizar a condição de rurícola da requerente não merece prosperar.
Afinal, o início de prova material considerado no presente caso se refere a imóvel rural de propriedade do pai da autora, local onde ela teria exercido continuamente atividade rural, conforme relatado pelas testemunhas.
Ademais, em relação ao genitor do filho nascido em 1992, constam em seu CNIS vínculos urbanos de longa duração apenas a partir de 2000 e não há nos autos informações de que a parte autora mantinha relação conjugal com o mesmo neste período. Ademais, as testemunhas foram uníssonas em declarar que a requerente residiu e trabalhou na propriedade da família antes e após o nascimento dos seus filhos.
Já em relação ao esposo (Edivaldo Dias Vieira), com quem a autora se casou em 2015 e se divorciou em 2019, constata-se pelo extrato previdenciário acostado aos autos que não há registro de vínculos urbanos neste período.
Assim, tendo em vista que o INSS não trouxe aos autos outros documentos aptos a desconstituir a qualidade de segurada especial da autora, deve ser mantido o benefício de aposentadoria por idade rural.
Dos pedidos subsidiários
Não há parcelas prescritas no presente caso, não incidindo, portanto, a prescrição quinquenal.
A sentença já determinou a observância da Súmula 111 do STJ em relação aos honorários advocatícios e concedeu isenção de custas à autarquia, não merecendo reparo a sentença quanto a estas questões.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
A sentença determinou o pagamento das parcelas retroativas com correção monetária pelo IPCA-E.
O INSS pugna pela fixação dos encargos moratórios em observância à Lei 9.494/97 e Emenda Constitucional nº 113. No caso, assiste parcial razão ao recorrente.
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE, em sede de repercussão geral (Tema 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905). “Nos termos do art. 3° da Emenda Constitucional nº113/2021, após 8/12/2021, deverá incidir apenas a taxa SELIC para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação de mora até o efetivo pagamento” (AC 1017905-06.2023.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS, TRF1 - NONA TURMA, PJe 26/03/2024).
DESPESAS PROCESSUAIS
"Nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal (§3º do art. 109 da CF/88), o INSS está isento das custas somente quando lei estadual específica prevê a isenção, como ocorre nos estados de Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Mato Grosso, Bahia, Acre, Tocantins e Piauí (AC 0024564-48.2008.4.01.9199, Rel. Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, Segunda Turma, e-DJF1 28/05/2020)" (AC 1026342-07.2021.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 26/07/2023).
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Tendo sido a apelação parcialmente provida sem inversão do resultado, descabe a majoração de honorários advocatícios na fase recursal (Tema 1059/STJ)
CONCLUSÃO
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS para alterar os encargos moratórios, nos termos acima explicitados.
É o voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000167-68.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DORALICE PIRES MARTINS
Advogado do(a) APELADO: EDIANE APARECIDA DA CRUZ RIBEIRO - GO43823-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADA ESPECIAL. EX-CÔNJUGE E GENITOR COM VÍNCULOS URBANOS. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL DA REQUERENTE. PROVA MATERIAL E TESTEMUNHAL CORROBORADAS. AJUSTE DOS ENCARGOS MORATÓRIOS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
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Para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, exige-se o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres, além da comprovação do exercício de atividade rural pelo período equivalente à carência exigida, ainda que de forma descontínua (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, da Lei nº 8.213/91).
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A atividade rural pode ser comprovada por início de prova material, corroborado por prova testemunhal idônea, sendo desnecessário que o início de prova material cubra todo o período de carência, conforme a Súmula 14 da TNU e o entendimento pacificado pela jurisprudência.
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A condição de segurado especial da autora foi confirmada por prova documental (certidão de matrícula de imóvel rural e comprovantes de residência) e testemunhal, que demonstraram o exercício de atividade rural no imóvel de propriedade do genitor.
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A existência de vínculos urbanos do ex-cônjuge ou do genitor do filho da autora não afasta automaticamente sua condição de trabalhadora rural, especialmente quando demonstrado que tais vínculos não ocorreram no período relevante para a análise da carência.
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Encargos moratórios fixados em conformidade com o Manual de Cálculos da Justiça Federeal e a Emenda Constitucional nº 113/2021, aplicando-se o INPC até 08/12/2021 e, a partir dessa data, a taxa SELIC.
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Apelação parcialmente provida para ajustar os encargos moratórios.
Tese de julgamento:
“1. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser feita por prova documental e testemunhal corroborada, sendo irrelevante a existência de vínculos urbanos de ex-cônjuge ou genitor quando não impactam o período de carência exigido. 2. A partir de 08/12/2021, aplica-se a taxa SELIC para atualização monetária e compensação de mora em discussões envolvendo a Fazenda Pública.”
Legislação relevante citada:
Lei nº 8.213/1991, art. 48, §§ 1º e 2º.
RE nº 870.947-SE (Tema 810) e REsp 1.495.146/MG (Tema 905).
Emenda Constitucional nº 113/2021, art. 3º.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
